Draco
A gente nunca escolhe a família, mas no meu caso, não poderia ter escolhido irmãos melhores para dividir o peso do trono. Damon e Dante, meus irmãos, são como as duas metades da minha alma. Se eu sou o equilíbrio entre a mente e a força, eles são os extremos que formam essa aliança inquebrável que governa a Rocinha. Damon é a cabeça, calculista e frio como gelo, enquanto Dante é o coração, brutal, impulsivo, e sempre pronto para partir para a ação sem pensar duas vezes.
Hoje, enquanto eu observava o morro da laje, eles estavam ao meu lado, cada um à sua maneira, compondo o cenário que era a nossa liderança. Eu sempre senti que, juntos, éramos como um triângulo. Cada um de nós tinha uma função, e sem um dos lados, o equilíbrio desmoronaria. Mas com todos nós unidos, ninguém podia nos derrubar.
Damon estava no canto da sala, debruçado sobre os mapas e documentos que usávamos para planejar nossas operações. Ele nunca se cansava de calcular os próximos movimentos, como se tudo fosse um jogo de xadrez gigante. As peças, para ele, eram as pessoas do morro, os nossos homens, os nossos rivais e até mesmo os policiais que tentavam invadir o nosso território de vez em quando.
— A próxima remessa de armas chega em dois dias — disse ele, sem tirar os olhos do papel. — Precisamos reforçar a segurança no porto. A última vez, houve um atraso, e não podemos nos dar ao luxo de perder tempo com contratempos de novo.
Damon sempre falava de forma direta, objetiva. Ele enxergava as coisas com clareza, como se estivesse olhando para o futuro. Tinha uma mente afiada, uma capacidade de planejar e prever que eu nunca vi em ninguém. Era por isso que ele cuidava da logística, dos contatos, das operações. Eu confiava nele de olhos fechados.
— Acha que a polícia vai tentar interferir de novo? — perguntei, mesmo sabendo que ele já tinha considerado essa possibilidade.
— Provavelmente — ele respondeu. — Mas dessa vez, estou um passo à frente. Já cuidei de tudo com o delegado local. Estamos cobertos por pelo menos mais uma semana.
Damon sempre estava um passo à frente. Ele sabia que, nesse jogo, a vitória não vinha só da força. Você precisava de estratégia, de conexões. Era assim que mantínhamos nosso controle sobre a Rocinha. Não era só sobre intimidar e matar. Era sobre saber onde mexer, em quem confiar, quem subornar, quem eliminar.
Enquanto Damon falava, Dante estava do outro lado da sala, encostado na parede, olhando para nós com um sorriso torto no rosto. Ele não era o tipo de se envolver nos detalhes. Isso o entediava. Para Dante, o que importava era a ação, o calor do combate, o confronto direto. Quando ele estava no campo, ninguém podia segurá-lo. Ele era o nosso cão de guerra, o primeiro a avançar e o último a recuar.
— Fica tranquilo, Damon — disse Dante, cruzando os braços, seus músculos tensionados sob a camiseta justa. — Se a polícia der as caras, eles vão aprender do jeito mais difícil que não é uma boa ideia se meter com a gente.
Eu sorri. Esse era Dante. Nunca pensava muito à frente, mas quando a situação pedia, ele era o mais letal de todos nós. Quando os tiros começavam a ecoar pelas vielas, Dante entrava em uma espécie de transe. Ele não sentia medo, não hesitava. Tudo para ele era preto no branco: ou você sobrevive ou você morre. E ele sempre escolhia sobreviver, custasse o que custasse.
— Calma, Dante. Nem tudo se resolve na bala — disse Damon, erguendo uma sobrancelha. — Às vezes, um pouco de conversa resolve mais do que uma guerra.
— Conversa é pra depois da bala — retrucou Dante com um sorriso desdenhoso. — Primeiro a gente acaba com o inimigo, depois, se sobrar alguém pra conversar, a gente conversa.
Eu ri, porque sabia que Damon e Dante nunca concordariam nisso. E era por isso que nós funcionávamos tão bem. Onde Damon via oportunidade de barganha, Dante via uma chance de esmagar os oponentes. E eu? Eu ficava no meio, mediando, decidindo quando era hora de jogar com a mente ou com os punhos.
A nossa história começou muito antes de chegarmos ao poder na Rocinha. Crescemos no meio da violência. Meu pai era um homem severo, sempre nos ensinou que o mundo não era um lugar fácil. “Ou você devora, ou será devorado”, ele costumava dizer. Quando éramos pequenos, passávamos as noites ouvindo tiros à distância, sentindo o cheiro de pólvora no ar, sabendo que cada dia poderia ser o nosso último.
Lembro de uma vez, quando eu era apenas um garoto, meu pai foi traído por um de seus homens de confiança. Eu assisti enquanto ele lidava com isso, sem hesitação, sem piedade. O homem foi morto na nossa frente, como um exemplo do que acontece com quem se vira contra a família. Foi naquele dia que eu aprendi uma das lições mais importantes da minha vida: confiança é algo raro, e traição é punida com sangue.
Damon absorveu essa lição de um jeito diferente. Ele sempre foi o mais frio de nós. Desde criança, ele já tinha uma mente estratégica. Ele não era o tipo que partia para a violência a menos que fosse absolutamente necessário. Para ele, a verdadeira força estava no controle, na paciência, em mover as peças certas na hora certa.
Dante, por outro lado, sempre foi mais parecido com o nosso pai. Ele acreditava que o mundo era um campo de batalha, e a única maneira de sobreviver era estar sempre preparado para a guerra. Nunca houve hesitação nele, nunca houve dúvidas. Para Dante, lutar era viver.
Agora, anos depois, os três príncipes que cresceram nas sombras da violência governavam a Rocinha como um reino. Eu era o equilíbrio entre eles, e juntos, formávamos uma força inquebrável.
— Precisamos cuidar de uma coisa — disse Damon, interrompendo meus pensamentos. — Tem um cara novo no pedaço. Chegou faz pouco tempo, está tentando abrir caminho no tráfico aqui. Ouvi dizer que ele é ousado, quer pegar nosso território.
Eu olhei para ele, sentindo uma raiva lenta começar a ferver dentro de mim.
— Como é que ele se chama? — perguntei, tentando manter a voz firme.
— Matias — respondeu Damon. — Já ouvi falar dele antes. Não é i****a, mas está cometendo o erro de achar que pode competir com a gente.
Dante riu, um som curto e perigoso.
— Então a gente mostra pra ele como as coisas funcionam por aqui. É simples. Ele quer briga, vai ter briga.
— Não tão rápido — eu disse, levantando a mão para cortar o entusiasmo de Dante. — Primeiro, vamos ver o que ele realmente quer. Se for só ganância, a gente resolve. Se for mais que isso, aí a gente faz do jeito de sempre.
Damon assentiu.
— Ele está crescendo rápido, mas ainda não tem apoio suficiente. Podemos esmagá-lo agora, ou podemos esperar e ver se ele se torna útil.
— Você quer esperar? — Dante perguntou, descrente. — Esse cara está metendo o nariz onde não deve, e você quer esperar? A gente devia acabar com ele antes que ele tenha chance de pensar em subir mais.
Eu sabia que Dante queria resolver tudo com sangue. E em muitos casos, eu concordava com ele. Mas Damon estava certo: às vezes, um inimigo podia ser transformado em aliado, ou pelo menos em uma peça útil no nosso tabuleiro.
— Vamos monitorá-lo — decidi. — Se ele continuar crescendo, a gente cuida disso. Se der um passo errado, Dante, ele é todo seu.
Dante sorriu, satisfeito. Ele gostava de saber que teria sua chance de agir, cedo ou tarde.
Naquela noite, enquanto Damon fazia suas anotações e Dante afiava sua faca, eu fiquei em silêncio, pensando no futuro. Nós três éramos invencíveis, cada um com sua força, cada um com seu papel. Mas o poder sempre trazia novas ameaças, e Matias era só a primeira de muitas que ainda viriam. Mesmo assim, eu sabia que, juntos, nós éramos inquebráveis.
Eu, Damon e Dante — três irmãos, três príncipes da favela, que governavam com uma mistura de inteligência, força e brutalidade. E qualquer um que ousasse desafiar isso teria um fim rápido e brutal.
Afinal, como meu pai dizia, "ou você devora, ou será devorado". E nós éramos os predadores aqui.