Capítulo 7. Será que ela reconhece ?

593 Words
A voz da enfermeira quebrou o fio dos meus pensamentos. — Doutor FrankWood? — chamou, hesitante, da porta do corredor. Levantei o olhar, tentando esconder o incômodo que sempre me tomava quando alguém me tirava do silêncio. — Sim? — A paciente Clarice Beck… — ela hesitou, olhando o prontuário nas mãos — pediu pra vê-lo. Disse que precisava falar com o senhor. O coração deu um salto involuntário.Demorei um instante antes de responder. — Ela está acordada há muito tempo? — Há uns dez minutos, talvez. Parece um pouco confusa. Assenti, mais para mim mesmo do que para ela, e caminhei até o quarto.Cada passo parecia mais pesado que o anterior. Quando entrei, Clarice estava sentada parcialmente, apoiada nos travesseiros.O cabelo ruivo caía desalinhado sobre os ombros, e os olhos ainda frágeis, mas vivos me encontraram assim que a porta se abriu. — Doutor… — disse ela, com a voz rouca, — obrigada por vir. — Está se sentindo bem? — perguntei, tentando manter o tom neutro. Ela respirou fundo, olhando as próprias mãos. — Eu… não sei. Tenho flashes, pedaços. A sensação de correr, o barulho… e depois, o escuro. — ergueu o olhar, inquieta. — Minha cabeça parece um filme quebrado. Aproximei-me devagar. — É normal, Clarice. Seu corpo passou por um trauma severo, e o cérebro reage assim. Com o tempo, tudo volta. — Eu levei um tiro, não foi? — perguntou, sem rodeios. Parei por um instante. O som do monitor de frequência cardíaca parecia mais alto do que antes. — Sim. — respondi, firme. — Bem aí na região do abdômen como pode ver. — Mas… como? Onde? O senhor sabe ? — Isso… — hesitei. — Não sei ao certo. A polícia esteve aqui, mas até agora não há um relato completo.—Cruzei os braços, desviando o olhar por um segundo.— Quando chegou, seu estado era crítico. Eu só me concentrei em mantê-la viva. Ela me observava em silêncio, e eu podia sentir o peso do olhar dela em mim inquisitivo, mas também vulnerável. — Então não sabem quem atirou em mim? Balancei a cabeça. — Não. Por um momento, o quarto ficou em silêncio.Clarice recostou-se, absorvendo as palavras, os olhos marejados de algo que não era bem tristeza era confusão, medo… talvez um pressentimento. — É estranho — murmurou. — É como se eu sentisse que havia alguém comigo… alguém que eu devia lembrar. — Pode ser uma memória fragmentada — disse calmamente. — Elas costumam voltar assim, em pedaços soltos. Ela assentiu, mas continuou me encarando. Havia algo em seu olhar uma mistura de reconhecimento e desconfiança que me deixou desconfortável. Por um instante, senti como se ela estivesse tentando me ler.Como se buscasse em mim as respostas que faltavam nela. — Descanse, Clarice — falei, dando um passo para trás. — Forçar a memória agora pode ser perigoso. Pode me chamar quando quiser. Ela concordou, devagar, mas antes que eu saísse, sua voz me chamou novamente: — Doutor… Virei-me. — Sim? — Quando eu estava sonolenta … — ela hesitou. — Eu ouvi uma voz. Uma voz me chamando de carinho. Meu sangue gelou. Fiquei imóvel por um segundo longo demais, antes de conseguir disfarçar o impacto. — Deve ter sido um sonho — murmurei, rápido demais. — Os sedativos costumam causar alucinações. E saí antes que ela pudesse dizer qualquer coisa. Mas no corredor, com as mãos tremendo, percebi que era tarde demais.Ela lembrava. Mesmo que não soubesse o que, ainda assim… lembrava, será que ela reconheceu minha voz ?
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