O corredor estava mergulhado num silêncio gelado quando fechei a porta do quarto de Clarice.Os pais dela já haviam se afastado, mas Henry permanecia ali encostado na parede oposta, as mãos nos bolsos, o olhar fixo em mim.
Por um instante, apenas o som distante do respirador da UTI preencheu o espaço entre nós.
— Doutor Oliver FrankWood. — disse ele por fim, num tom polido demais. — Posso tomar um minuto do seu precioso tempo?
Assenti, mesmo sabendo que aquele tipo de conversa raramente durava apenas um minuto.Ele se aproximou com um meio sorriso o tipo de sorriso que não tem calor, apenas cálculo.
— Clarice falou muito bem do senhor — começou. — Disse que foi… gentil. Que ficou ao lado dela mesmo fora do horário de plantão.
— Eu apenas cumpri meu dever — respondi.
— Claro. — Henry inclinou levemente a cabeça, como quem analisa uma peça rara. — Mas devo admitir que poucos médicos demonstram tanta… dedicação.
Havia uma insinuação escondida na frase.Não precisei ouvir o tom para reconhecê-la estava nos olhos.Na forma como me observava, medindo cada reação.
— Eu cuido de todos os meus pacientes da mesma forma — repliquei. — Clarice passou por um trauma severo. A presença médica constante ajuda na recuperação.
— Imagino. — Ele deu um passo mais perto, diminuindo a distância. — Mas, com todo respeito, espero que não esteja confundindo zelo profissional com algo… mais pessoal.
O ar pareceu mudar de temperatura.Demorei um segundo antes de responder.
— Está sugerindo alguma coisa, senhor…?
— Henry. — disse, com um leve sorriso. — Só Henry.
Ele deu mais um passo, quase imperceptível, e baixou o tom:
— Clarice é uma mulher sensível, doutor. Frágil. Está vulnerável agora. E às vezes, pessoas vulneráveis… criam laços rápidos.
A forma como ele disse “laços” soou como ameaça.
— Entendo sua preocupação — falei, controlando o tom da voz. — Mas pode ficar tranquilo. Eu sei bem onde termina a linha entre médico e paciente.
— Que bom. — Henry voltou a sorrir, mas o olhar permanecia frio. — Porque eu também sei. E costumo defender quem amo com… intensidade.
A última palavra ficou suspensa no ar.Depois ele apenas se afastou, ajeitou o casaco e caminhou pelo corredor sem olhar pra trás.
Fiquei ali, imóvel, observando-o sumir na curva da ala.E por mais que tentasse racionalizar o que havia sentido, o instinto foi claro:
aquele homem não estava preocupado com Clarice estava protegendo algo.
Ou alguém.
E pela primeira vez, uma ideia incômoda atravessou minha mente:talvez o perigo que a deixara à beira da morte ainda estivesse bem próximo.