Acidentes acontecem....cap...1
Alexa Smith
— Não… por favor, para… — imploro, chorando.
O soco atinge meu rosto com tanta força que caio no chão. Sem dar tempo de respirar, ele começa a me chutar, me chamando de vagabunda. Tento me proteger, me encolho, mas é inútil. Ele é mais forte. Muito mais forte.
Agarra meus cabelos, me arrasta até o quarto. Lá, me violenta. De novo.
Quando finalmente se cansa, vai para a sala como se nada tivesse acontecido, me deixando jogada, nua, suja, machucada, quebrada — por dentro e por fora.
Muito tempo depois, ele volta. Com a cara lavada e as desculpas vazias.
— Me perdoa… eu perdi o controle. Isso nunca mais vai acontecer. Eu te amo…
Mentira. Eu sei. Sempre foi. Suas palavras não apagam as marcas no meu corpo, nem os buracos que deixou na minha alma.
Estou sentada no chão, abraçada aos meus joelhos, tentando juntar os cacos. Quando aceitei morar com ele, achei que estava escolhendo um homem gentil, carinhoso. No começo, ele era. Um verdadeiro príncipe encantado.
Mas príncipes encantados também viram monstros.
Hoje sou prisioneira dentro da própria casa. Não posso sair, não posso receber ninguém. Se ele encontra algo fora do lugar, me acusa de estar com outro. A punição? Espancamento.
Hoje apanhei porque o jantar atrasou cinco minutos. Cinco.
Meu irmão não sabe de nada. Mora nos Estados Unidos. Se soubesse…
Mas agora chega.
Me levanto, silenciosa. Ele está sentado na beira da cama, de cabeça baixa. Entro no banheiro e me olho no espelho. O rosto inchado, os lábios partidos, os olhos roxos. Marcas nos braços, nas pernas, no pescoço.
Como pude me enganar tanto?
Será que eu sou o problema?
Não. Esse foi meu limite.
Vou embora hoje.
Espero ele dormir. Pego uma mochila pequena, coloco o essencial e saio. Na calçada, chamo um Uber. Vou para uma pousada qualquer, só preciso de um lugar seguro. Meu corpo precisa sarar. Minha mente, respirar.
Quero denunciá-lo, mas tenho medo. Ele vem de família rica. Influente. Nesse país, o homem sempre tem razão.
Já faz uma semana desde que fugi. Troquei de número três vezes. Mesmo assim, ele consegue encontrar. Liga todos os dias, chora, jura amor, promete que vai mudar. Quando percebe que não acredito, começam as ameaças.
Mas eu não volto.
Hoje embarco para os Estados Unidos. Meu irmão, Vinícius, ficou feliz com a notícia. Vou passar um tempo com ele, tentar reconstruir a minha vida.
— Estados Unidos, aí vamos nós… — sussurro, fechando a mala.
Sou tirada dos meus pensamentos pela voz do meu irmão
— Terra para Alexa… Vini chamando! — diz ele, com aquele sorriso que sempre me desarma.
— Oi, meu amor. Desculpa, estava longe… rsrs.
— Princesa, vim te buscar pra almoçarmos. Bora?
— Ai, Vini… não posso, estou atolada de trabalho. Um processo grande.
— Mais importante que eu? Ah, não! Sem desculpinhas. Agora vamos, e não estou pedindo. Estou mandando.
Ele é impossível. Sei que não vai me deixar em paz, então cedo. Vamos a um restaurante elegante próximo ao meu escritório. Nos sentamos num canto discreto.
Mesmo tentando, não consigo tirar o ex da cabeça. Um calafrio me percorre. Medo.
— Alexa, o que está acontecendo? — pergunta Vini, franzindo a testa.
— Nada, maninho… — minto, baixinho.
— Te conheço melhor que ninguém. Está diferente, triste, distante. Pode me contar. O que está te atormentando?
Fico em silêncio. Engulo seco. Não gosto de falar sobre o passado, sinto vergonha. Ele não sabe de nada. A única que sabe é a Bia, minha cunhada e melhor amiga.
Mas acho que está na hora.
Respiro fundo. E conto tudo.
Quando termino, ele está branco. O maxilar travado. Os olhos vermelhos.
— p**a merda, Alexa! Você passou por isso tudo e não me chamou? Eu mato esse desgraçado! — grita, socando a mesa, fazendo os talheres tremerem.
— Já passou, Vini. Estou aqui agora. Com você…
Tento acalmá-lo. Mas sei que não é fácil. Desde que perdemos nossos pais, ele virou meu herói.
— Por que você não me contou antes? Eu devia ter protegido você! Falhei, p***a!
— Não, Vini. Você nunca falhou. Eu só… não queria te preocupar. Me perdoa.
Ele se cala, os olhos marejados.
— Alexa… eu juro, com tudo que sou: você nunca mais vai passar por isso. Nunca mais.
— Obrigada, meu amor. Mas agora, eu sei me defender. Tranquei meu coração. Não quero mais saber de amor. Só tenho espaço pra você e pro meu trabalho.
— Chega de coisa r**m. Vamos comer. Você ainda tem muito o que viver — digo, tentando mudar o assunto.
O almoço corre bem, mas ele continua sério. Sei que está remoendo tudo. Nos despedimos, ele vai para casa e eu volto ao escritório.
Trabalho tanto que nem percebo as horas. Quando olho o relógio, já passa das 22h. Guardo meus papéis, pego a bolsa e saio.
No carro, os pensamentos voltam. O medo. O passado.
— Droga… por que tudo isso ainda me assombra?
Desatenta, passo num sinal amarelo que fecha rápido demais — e PUFT — acabo batendo em uma moto. Fico paralisada.
— Deus… tomara que eu não tenha machucado a pessoa.
Saio do carro correndo. Quando me aproximo, ele está em pé.
— Me desculpa! Você tá bem?
— Tá louca? Não viu que o sinal fechou?
Ele tira o capacete. E eu… travo.
Puta que pariu. Que homem é esse?
Alto. Moreno. Um olhar que dá nó no estômago.
Mas foco, Alexa. Você não é assim. Não agora.
— Eu já pedi desculpas, seu i****a. Tá surdo?
Ele ri. Um riso que provoca.
— A gata é brava, hein?
— Olha logo a moto. Se quebrou, eu pago.
Ele examina. E então, com aquele sorriso safado:
— Não quebrou nada, morena. Relaxa. Não precisa se preocupar.
— Eu faço questão.
— Eu já falei que não precisa. Mas… cuidado da próxima vez, hein, gata?
Dou meia-volta.
— i****a.
Entro no carro, respiro fundo, e parto. Sem olhar pra trás.
Mas, por algum motivo, sei que aquela batida não foi o fim da história. Foi o começo.