Capítulo – Vinícius Smith
Chego em casa com uma raiva que consome cada célula do meu corpo.
Ando de um lado para o outro feito um leão enjaulado, sentindo meu sangue ferver nas veias.
— Por que, Alexa? Por que você fez isso comigo? — murmuro entre dentes, a voz rouca de dor. — Eu sou seu irmão… como você pôde esconder uma monstruosidade dessas de mim?
Com um grito preso na garganta, pego o primeiro objeto ao alcance e arremesso contra a parede. Um vaso se espatifa no chão. Não paro. Chuto uma cadeira, derrubo papéis, até que meus punhos encontram a parede. E eu soco. Soco como se isso apagasse o que ela viveu. Como se eu pudesse descontar minha culpa na alvenaria fria.
Só paro quando ouço a voz dela:
— Vini! Para com isso! — ela grita, correndo até mim.
Ela me envolve num abraço forte, desesperado. Sinto suas lágrimas molhando minha camiseta, e então a abraço de volta, apertando sua pequena forma contra o meu peito, como se eu pudesse protegê-la agora. Como se pudesse fazer tudo voltar ao normal.
— Por que você estava se machucando, Vini? — ela pergunta, baixinho, com a voz embargada.
— Porque estou me sentindo um merda, Alexa! Um completo merda por não ter percebido nada. Por não estar lá pra te salvar.
— Já passou… já passou, Vini. — ela diz, acariciando minhas costas. — Eu estou aqui agora. Com você.
— Eu sei… mas isso não muda o que te fizeram. Não apaga o que você sofreu.
Ela pega minhas mãos. É só então que percebo o sangue escorrendo dos meus nós dos dedos. Eu estava tão cego pela raiva que nem senti.
Sem dizer nada, ela vai até o banheiro e volta com um kit de primeiros socorros. Se senta à minha frente no sofá e começa a cuidar das minhas mãos com delicadeza, como se quisesse curar mais do que só a ferida.
— Princesa… o que você está fazendo aqui a essa hora? — pergunto, estranhando.
— É que… eu sofri um pequeno acidente. — responde, hesitante.
— O quê? Você se machucou? — a tensão volta com tudo, o peito apertando.
— Calma, Vini! Tá tudo bem, ninguém se feriu. Eu só... não vi o sinal fechando e acabei batendo numa moto. Mas foi só um susto, juro.
— Você e essa mania de viver no mundo da lua… — resmungo, tentando esconder o alívio.
— Olha quem fala… o centrado da família. — ela solta um risinho fraco, tentando quebrar o clima tenso.
— Hoje você vai dormir aqui. E nem adianta discutir. Eu sei que você tem roupas no quarto de hóspedes.
— Vini…
— Nada de “Vini”. — corto, antes que ela tente me convencer do contrário. Conheço essa boca persuasiva. E hoje, ela não me dobra.
— Tá bom, maninho… eu durmo aqui. Mas não se acostuma, hein? — diz, rindo de leve e me dando um beijo na bochecha antes de subir as escadas.
Fico olhando até ela sumir no corredor.
Minha irmã. Minha menina. Forte, linda, determinada. Mas, desde que voltou do Brasil há seis anos, carrega um olhar frio, fechado… agora eu entendo o porquê. Agora tudo faz sentido.
E eu juro, por tudo que sou:
Nunca mais alguém vai encostar um dedo nela. Nunca mais.