UM NOVO AMOR PARA O MORRO

O início de mim mesma, uma narrativa singular sobre meu olhar. Era o início do inverno, mais precisamente em 22 de junho de 1976, quando vim ao mundo de forma natural. Nasci com a finalidade de fazer diferença na vida daqueles que cruzassem meu caminho, cumprir minha missão e evoluir espiritualmente. Minha mãe já estava no nono mês de gestação quando entrou em trabalho de parto. Na época, meu pai não possuía automóvel e teve que recorrer a um vizinho próximo, que os levou ao hospital em plena madrugada. Emoção, medo, alegria… uma mistura de sentimentos estava presente em cada rosto. Minha mãe, que já havia dado à luz ao primeiro filho, um menino que faleceu com apenas dois meses de vida, estava muito apreensiva. 17 Após um ano da perda, ela concebeu uma menina, minha irmã, que agora tinha três anos. A expectativa era grande para que nascesse um menino. Já haviam escolhido o nome para o bebê, Túlio, mas que surpresa quando o médico disse: — É uma menina saudável e perfeita. Escolheram o nome? Meu pai não sabia o que dizer, eu chorava, pois acabara de vir ao mundo e sentia que meus pais ficaram desapontados. Vivenciei ali a minha primeira rejeição por ser mulher e não homem, como gostariam. Senti-me triste e confusa, sem entender o porquê de não estarem felizes comigo. Cinco anos mais tarde, minha mãe engravidou novamente e deu à luz prematuramente ao tão sonhado menino, meu irmão caçula, que mais tarde se tornaria meu companheiro de aventuras, brigas e discussões. Sentia-me sozinha e triste por ser deixada de lado. Na minha cabeça de criança, não compreendia o porquê de 18 todos os cuidados e mimos, eram destinados ao bebê que estava em casa. Percebia-me perdida, em meio a uma estrada sem saber para qual caminho seguir. Sou a famosa filha do meio, a “ovelha n***a da família”, aquela que não era importante, nem a queridinha, nem a preferida de ninguém; eu era apenas a filha problemática. Aos poucos, fui me isolando, me escondendo em minha concha, enchendo-me de armaduras… quando, na verdade, só queria carinho, atenção e ternura. Em meu íntimo, era uma mistura de todas as frustrações de meus pais: mais uma boca para alimentar. Fechei-me cada vez mais, era triste, tímida, insegura e medrosa. Escondia-me das pessoas, desenvolvi alguns hábitos estranhos como lavar as mãos frequentemente, salivar e babar nos livros da escola. Minha mãe achava que eu tinha algum problema na cabeça. Assim, me levaram a vários curandeiros, que nada resolviam. 19 O tempo passou rápido, já estava com seis anos, precisava frequentar a escola e conhecer outras crianças. A professora era um medo constante dentro de mim, até que enfim chegou o dia. Minha mãe me levou, eu não queria ficar, chorei, mas a professora era muito querida, fiz algumas amizades e, ao longo daquele ano, tudo parecia ir bem. No entanto, minha irmã estudava em um colégio administrado por freiras, a famosa Escola Santa Teresinha, e meus pais decidiram que seria melhor eu frequentar essa escola também. Foi um choque para mim saber que iria para uma nova escola, tudo novo, colegas desconhecidos, e isso me deixou profundamente triste e angustiada. Lembro que nessa escola houve um episódio que me marcou negativamente durante uma aula de educação física; não podíamos sair para ir ao banheiro, e acabei fazendo xixi nas calças. A irmã D. me deu uma reguada, e todos os alunos da escola zombaram de mim por semanas. Eu chorava todos os dias porque 20 não queria estudar ali, queria voltar para a minha antiga escola. Vieram as férias, e eu, minha irmã e minhas amigas nos divertimos muito brincando nos pastos, bosques e na construção da nossa nova casa. Eu estava ansiosa por ter um quarto só para mim, não precisar mais dormir com minha irmã.