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1073 Words
O novo ano letivo começou, eu já tinha nove anos, já havíamos mudado para a casa nova, mas a frustração persistia ao perceber que meu pai não ganhava o suficiente para comprar uma cama para mim, e eu continuava dormindo com minha irmã. Naquele Natal, lembro-me de que meus pais compraram brinquedos diferentes para mim e minha irmã. Ela, sendo a mais velha, ganhou a boneca sensação do momento, “A Hora do Banho”, que vinha com uma banheirinha, chuveirinho, toalhinha, etc. Para mim, 21 escolheram uma boneca com lindos cabelos loiros e olhos azuis, parecida comigo. Ao abrir, chorei, pois não era igual à da minha irmã. Fui até o porão de nossa casa, peguei uma tesoura, cortei todo o cabelo da boneca e a escondi. Naquele momento, senti que me vingara. Nessa época, eu já havia sido roubada na escola por uma colega, e apanhei injustamente, pois minha mãe pensou que eu havia perdido, mesmo eu dizendo que a Maurem tinha pegado, mas ela não acreditou. Minha vida estava difícil, chorava e me perguntava por que tinha que estudar naquela escola. Até que conheci a irmã Zelinda, uma pessoa amorosa que me acolheu com carinho. Ela percebeu minha solidão durante o intervalo do recreio e me perguntou sobre o que estava acontecendo. Expliquei que sentia vergonha das outras meninas, que sempre tinham roupas bonitas e brinquedos caros, enquanto eu era pobre e sempre usava uniformes e calçados usados. 22 Contei que também era tímida e tinha medo. Na terceira série, ela se tornou minha professora, e foi o melhor ano que passei naquela escola. A professora irmã Zelinda me fazia sentir especial, elogiava-me, eu escrevia lindas redações, participava das aulas de canto e conquistava meu espaço, fazendo amigos e passando a gostar de estudar ali. O que mais gostava na escola era a época de São João, quando fazíamos casinhas com bandeirinhas e cordões para demarcar o local. Era um momento alegre e prazeroso, especialmente porque junho era também o mês do meu aniversário. Numa noite quente e abafada, ao cair a energia elétrica, fui fechar as janelas, com medo de aranhas. Ao notar algo no lençol da cama, pensei ser uma folha seca, mas ao tocar, senti uma picada. Gritei, chorei, meu pai correu para saber o que acontecera. Expliquei que algum bicho tinha me picado, a dor era terrível, e, em meio ao 23 caos sem energia elétrica, meu pai me levou no colo até o vizinho mais próximo para me levar ao hospital. Ao chegar ao hospital, o médico examinou o local da picada e disse que precisava saber que bicho era para dar o remédio certo. Minha mãe ficou comigo, e meu pai foi para casa tentar encontrar o culpado. Morávamos perto de uma serralheria, e o médico sugeriu que poderia ser uma aranha ou escorpião. Lá estava ele, no meio do cobertor, um escorpião amarelo. Meu pai o matou e levou para o médico, que confirmou ser um escorpião. Passei a noite no hospital recebendo soro. Nunca esqueci desse doutor; seu nome era Jesus. 24 O início da adolescência, um registro de dor e angústia diante desse novo capítulo em meu existir. Era maio de 1987 e eu estava prestes a completar meus 12 anos. Todas as minhas amigas, inclusive minha irmã, já eram chamadas de 'mocinhas' quando menstruaram pela primeira vez, mas comigo ainda não tinha acontecido. Eu continuava brincando de bonecas, de pega-pega, de carrinho de rolimã com meu irmão e de bicicleta com meu vizinho. Faço aqui um parêntese: meu sonho na infância era ter uma bicicleta. Todos os meus amigos tinham triciclos, motocas, bicicletas, mas meu pai não podia comprar uma para mim. No entanto, aprendi a andar de bicicleta mesmo assim. Tive a sorte de ter um vizinho que era meu melhor amigo e ele me emprestava sua bicicleta. Ele me ensinou a andar de 25 bicicleta, apesar dos muitos tombos, da falta de equilíbrio e dos braços e joelhos ralados. Eu contava as horas para chegar da escola e poder ir andar de bicicleta. Sou grata até hoje a esse amigo, que foi meu primeiro amorzinho no início da adolescência. Foi assim que descobri que Papai Noel e o Coelho da Páscoa não existiam. m*l sabia eu o que me esperava. Aguardem, pois havia mais por vir… Completei treze anos e já era uma mocinha. Tinha vários sonhos e um deles era me tornar professora. Levava jeito para ensinar e gostava de brincar de aulinha. Imaginem, eu era a professora! Como não tinha giz para escrever na parede, usava carvão. Ao mesmo tempo, brincava de ajudar meu irmão nas tarefas da escola. Em um final de semana, durante as férias escolares, fomos visitar minha avó materna, que morava na cidade de Três Palmeiras, a cerca de duas horas de viagem. No final do domingo, na hora de irmos embora, pedi aos meus pais se eu podia ficar uma semana na casa da minha avó. Eles 26 disseram que sim, e fiquei muito feliz, pois gostava de ficar com minhas tias, que moravam junto com minha avó. Em uma tarde, o tempo fechou e ventava muito. Meu tio, que também morava ali e era solteiro, tentou me violentar. Ele me levou para o quarto da minha tia e disse que ia fazer algo comigo e que eu não devia contar a ninguém, senão ele me surraria. Graças ao meu anjo da guarda, minha avó entrou em casa e me chamou. Eu saí correndo do quarto, chorando. Ela perguntou por que eu estava chorando, e eu disse que queria ir para minha casa, que estava com saudades da minha mãe. Ela disse que faltavam apenas dois dias para meu pai vir me buscar, e fomos lá fora colher peras para fazer doce. Foram os dias mais longos da minha vida. Eu não queria ficar mais na casa com minha avó, então ia junto com minha tia trabalhar. Ela era babá, e quando chegávamos em casa, eu procurava ficar sempre perto das minhas tias ou da minha avó. Tinha medo que meu tio tentasse algo novamente. Minha felicidade foi no sábado à tarde, 27 quando meu pai veio me buscar. Nunca contei nada a ninguém sobre isso, sobre a tentativa de a***o. Simplesmente apaguei da minha mente e guardei em uma caixinha dentro do meu inconsciente. Mas o que eu não sabia é que mais tarde isso iria me afetar emocionalmente.
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