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1297 Words
Aos quatorze anos, fui levada ao médico com urgência, pois já não conseguia nem caminhar devido às fortes dores no lado direito da barriga. O diagnóstico foi apendicite, e eu teria que passar pela minha primeira cirurgia. Estava com muito medo, na verdade, aterrorizada, com medo de morrer. Tive que fazer lavagem intestinal, algo h******l. Lembro que, quando passou o efeito da anestesia e eu já estava no quarto, perguntei à minha mãe: — Mãe, eu morri? 28 E minha madrinha, que estava comigo naquele momento, respondeu: — Morto não fala. — E demos uma gargalhada. Foram trinta dias de repouso, e recebi meu apêndice em um frasco, levando-o para o laboratório de ciências na escola, onde estudava na época, na Escola Estadual de Ensino Médio São José. Agora, eu tinha uma cicatriz visível na barriga e outras no coração, na alma. Nesse período, veio o primeiro namorado. Eu estava feliz, mas o romance durou pouco mais de dois meses. O rapaz interessou-se pela minha melhor amiga na época, o que me levou a me afastar de tudo que me causava tristeza, especialmente dela. Para agravar, ela morava há uma quadra da minha casa, e a mãe dela é minha madrinha de crisma. Uma situação catastrófica se criou entre nós. Como diz o ditado: o tempo cura tudo. Havia, na época, a tradicional festa dos agricultores e 29 motoristas. Minha mãe quase me obrigou a ir com mais duas amigas para esta festa a fim de que eu conhecesse algum rapaz para namorar. De fato, conheci um rapaz e me apaixonei. Foram cinco anos de namoro entre términos e voltas. Em 11 de fevereiro de 1997, nos casamos. Quão grande foi minha decepção ao descobrir que ele havia me omitido um grave problema de saúde: ele era infértil. Isso descobri um dia antes da cerimônia na igreja. Como minha família era tradicional, não cogitei em não realizar o casamento. Posso dizer que não foi o dia mais feliz da minha vida. Tinha feito uma escolha e não ia voltar atrás. Mas, como gostava muito dele, deletei de minha cabeça essa história, e seguimos nossa vida. Casamos no civil e na igreja, como manda a tradição. Foi meu primeiro namorado, com quem perdi a virgindade, e eu estava muito apaixonada por ele. Fazia apenas quatro meses que havíamos nos casado quando, numa manhã fria de inverno, 30 exatamente em 28 de julho de 1997, ao entrar em casa, uma coisa h******l aconteceu comigo. Ao abrir a porta, a mesma emperrou, e eu fui com o braço direito empurrar. Resvalou a mão para cima do vidro, e nesse momento, um esguicho de sangue jorrava do meu pulso. Eu tinha apenas 21 anos e via minha vida se esvaindo naquele instante. Minha mãe correu em minha direção, e fomos até a serralheria que ficava ao lado de nossa casa. Um dos rapazes tirou a própria blusa e amarrou em volta do meu pulso, segurando apertado, enquanto o outro ligava o carro para me conduzir até o hospital mais próximo. Dez minutos depois, estava no hospital, esperando que algum médico aparecesse para me salvar. Ouviam-se muitos gritos, pessoas caminhando, queriam saber o que estava acontecendo. Foi então que experimentei a sensação da morte. Sim, me vi acima do meu corpo físico, e minha mãe chorando muito, e o médico tentando acalmá-la, dizendo que não havia mais nada a fazer. 31 Naquele momento, vi uma luz branca e cintilante, uma voz me chamava e uma mão estendida. Respondi: — Não quero ir, quero minha mãe. Imediatamente, a porta se fechou, e senti como se um fogo tomasse conta do meu espírito e entrasse novamente no meu corpo físico. Para surpresa de todos, e ainda mais do médico que estava ali, agarrei seu jaleco e disse a ele: — Não me deixe morrer, quero minha mãe. Lembro que houve muita correria; enrolaram meu braço com elásticos bem apertados para que não perdesse mais sangue, colocaram-me na ambulância e fui conduzida ao hospital comunitário de Palmeira das Missões, onde havia um médico traumatologista para realizar a cirurgia. No entanto, muitas surpresas estavam por vir. A ambulância começou a pegar fogo, fui retirada dela e fiquei deitada no acostamento da rodovia junto da enfermeira e da minha mãe. Enquanto o motorista procurava desesperadamente algum veículo que pudesse 32 me dar carona, ouvi a enfermeira dizer: — A pressão dela caiu para cinco, não sei se vai aguentar. Eu enxergava apenas borrões e tinha muitas náuseas. Por obra divina, um viajante de mercadorias parou seu carro, nos carregou e deixou-nos na porta do hospital. Os médicos que estavam esperando não acreditaram quando cheguei desacordada e sangrando; fui direto para a emergência, pois precisava de sangue e não poderia fazer a cirurgia imediatamente devido à fraqueza e infecção urinária. Então, só podia rezar e esperar. Na manhã do dia seguinte, fui para a sala de cirurgia. Só lembro do médico fazendo a anestesia e outro lavando meu braço com uma escova; depois disso, apaguei, mas chorei o tempo todo, segundo o relato do doutor que realizou a cirurgia. Fiquei uma semana no hospital e depois recebi alta. 33 Quando cheguei em casa, foi uma festa, pois ninguém acreditava que eu estava viva. Foram meses muito sofridos para mim; 45 dias de braço imobilizado, precisando de ajuda para tomar banho, ir ao banheiro, escovar os dentes e pentear os cabelos, que eram encaracolados. Resolvi cortá-los curtos. Coisas simples, mas que, naquele momento, não conseguia fazer sozinha. Veio o dia de retirar os pontos, e aí, chegando na cidade de Sarandi, onde o médico atendia, perdemos a roda do fusca do meu pai. Só vi um pneu no asfalto e um baque no banco traseiro, onde eu estava sentada; um homem foi atingido e quebrou dois dentes. Tivemos que pagar o dentista para ele, e eu cheguei atrasada na clínica. O médico retirou os pontos, e eu fui para a fisioterapia. Tinha que me deslocar de minha cidade, cerca de 50 minutos para chegar na cidade vizinha, para fazer as sessões de fisioterapia duas vezes por semana. 34 Doía muito. Foi ali, em meio à dor, que resolvi que iria aprender a escrever e fazer o que pudesse com a mão esquerda. Para minha surpresa, eu consegui; estava orgulhosa por mim com as pequenas coisas que eu conseguia fazer. Foram oito meses para minha recuperação total, mas em uma dessas sessões de fisio, meu pulso inflamou, e precisava de outra cirurgia. Sem dinheiro e outros recursos, decidi não realizar a segunda cirurgia. Fiquei com dois dedos totalmente insensíveis e que não servem para nada, mas isso não me atrapalhou em nada. Quando ficava chateada, mordia aqueles dedos porque não ia doer mesmo. No segundo ano do meu casamento, meu marido foi demitido de vários empregos, não queria nada com nada, nosso relacionamento estava decadente. Ele saía de manhã e voltava tarde da noite. Comecei a desenvolver crises de ansiedade muito recorrentes, com 35 falta de ar, tremedeira, palpitações, até que em uma noite ele não veio para casa, e decidi dar um basta nisso. Procurei um defensor público, contei o que estava acontecendo, e ele marcou uma audiência. Lá, ele perguntou se havia a possibilidade de reconciliação; de ambas as partes dissemos que não, e então foi feito o divórcio. Meses depois, arrumei um emprego numa loja de calçados, e um ano depois, prestei vestibular para o curso de Pedagogia na UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES-URI campus de Frederico Westphalen RS. Fui aprovada com êxito; porém, o que eu ganhava trabalhando o dia todo como vendedora não conseguia pagar o valor total da mensalidade. Resolvi me inscrever em um programa de crédito educativo, onde pagaria somente 50% da mensalidade e o restante pagaria após formada
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