Aos quatorze anos, fui levada ao médico com
urgência, pois já não conseguia nem caminhar devido às
fortes dores no lado direito da barriga. O diagnóstico foi
apendicite, e eu teria que passar pela minha primeira
cirurgia. Estava com muito medo, na verdade,
aterrorizada, com medo de morrer. Tive que fazer
lavagem intestinal, algo h******l. Lembro que, quando
passou o efeito da anestesia e eu já estava no quarto,
perguntei à minha mãe:
— Mãe, eu morri?
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E minha madrinha, que estava comigo naquele
momento, respondeu: — Morto não fala. — E demos
uma gargalhada. Foram trinta dias de repouso, e recebi
meu apêndice em um frasco, levando-o para o
laboratório de ciências na escola, onde estudava na
época, na Escola Estadual de Ensino Médio São José.
Agora, eu tinha uma cicatriz visível na barriga e outras
no coração, na alma.
Nesse período, veio o primeiro namorado. Eu
estava feliz, mas o romance durou pouco mais de dois
meses. O rapaz interessou-se pela minha melhor amiga
na época, o que me levou a me afastar de tudo que me
causava tristeza, especialmente dela. Para agravar, ela
morava há uma quadra da minha casa, e a mãe dela é
minha madrinha de crisma. Uma situação catastrófica se
criou entre nós.
Como diz o ditado: o tempo cura tudo. Havia,
na época, a tradicional festa dos agricultores e
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motoristas. Minha mãe quase me obrigou a ir com mais
duas amigas para esta festa a fim de que eu conhecesse
algum rapaz para namorar. De fato, conheci um rapaz e
me apaixonei. Foram cinco anos de namoro entre
términos e voltas. Em 11 de fevereiro de 1997, nos
casamos. Quão grande foi minha decepção ao descobrir
que ele havia me omitido um grave problema de saúde:
ele era infértil. Isso descobri um dia antes da cerimônia
na igreja. Como minha família era tradicional, não
cogitei em não realizar o casamento. Posso dizer que não
foi o dia mais feliz da minha vida. Tinha feito uma
escolha e não ia voltar atrás. Mas, como gostava muito
dele, deletei de minha cabeça essa história, e seguimos
nossa vida. Casamos no civil e na igreja, como manda a
tradição. Foi meu primeiro namorado, com quem perdi
a virgindade, e eu estava muito apaixonada por ele.
Fazia apenas quatro meses que havíamos nos
casado quando, numa manhã fria de inverno,
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exatamente em 28 de julho de 1997, ao entrar em casa,
uma coisa h******l aconteceu comigo. Ao abrir a porta,
a mesma emperrou, e eu fui com o braço direito
empurrar. Resvalou a mão para cima do vidro, e nesse
momento, um esguicho de sangue jorrava do meu pulso.
Eu tinha apenas 21 anos e via minha vida se esvaindo
naquele instante. Minha mãe correu em minha direção,
e fomos até a serralheria que ficava ao lado de nossa casa.
Um dos rapazes tirou a própria blusa e amarrou em volta
do meu pulso, segurando apertado, enquanto o outro
ligava o carro para me conduzir até o hospital mais
próximo. Dez minutos depois, estava no hospital,
esperando que algum médico aparecesse para me salvar.
Ouviam-se muitos gritos, pessoas caminhando, queriam
saber o que estava acontecendo. Foi então que
experimentei a sensação da morte. Sim, me vi acima do
meu corpo físico, e minha mãe chorando muito, e o
médico tentando acalmá-la, dizendo que não havia mais
nada a fazer.
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Naquele momento, vi uma luz branca e
cintilante, uma voz me chamava e uma mão estendida.
Respondi: — Não quero ir, quero minha mãe.
Imediatamente, a porta se fechou, e senti como
se um fogo tomasse conta do meu espírito e entrasse
novamente no meu corpo físico. Para surpresa de todos,
e ainda mais do médico que estava ali, agarrei seu jaleco
e disse a ele: — Não me deixe morrer, quero minha mãe.
Lembro que houve muita correria; enrolaram
meu braço com elásticos bem apertados para que não
perdesse mais sangue, colocaram-me na ambulância e fui
conduzida ao hospital comunitário de Palmeira das
Missões, onde havia um médico traumatologista para
realizar a cirurgia. No entanto, muitas surpresas estavam
por vir. A ambulância começou a pegar fogo, fui retirada
dela e fiquei deitada no acostamento da rodovia junto da
enfermeira e da minha mãe. Enquanto o motorista
procurava desesperadamente algum veículo que pudesse
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me dar carona, ouvi a enfermeira dizer: — A pressão dela
caiu para cinco, não sei se vai aguentar.
Eu enxergava apenas borrões e tinha muitas
náuseas.
Por obra divina, um viajante de mercadorias
parou seu carro, nos carregou e deixou-nos na porta do
hospital. Os médicos que estavam esperando não
acreditaram quando cheguei desacordada e sangrando;
fui direto para a emergência, pois precisava de sangue e
não poderia fazer a cirurgia imediatamente devido à
fraqueza e infecção urinária. Então, só podia rezar e
esperar. Na manhã do dia seguinte, fui para a sala de
cirurgia. Só lembro do médico fazendo a anestesia e
outro lavando meu braço com uma escova; depois disso,
apaguei, mas chorei o tempo todo, segundo o relato do
doutor que realizou a cirurgia. Fiquei uma semana no
hospital e depois recebi alta.
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Quando cheguei em casa, foi uma festa, pois
ninguém acreditava que eu estava viva. Foram meses
muito sofridos para mim; 45 dias de braço imobilizado,
precisando de ajuda para tomar banho, ir ao banheiro,
escovar os dentes e pentear os cabelos, que eram
encaracolados. Resolvi cortá-los curtos. Coisas simples,
mas que, naquele momento, não conseguia fazer
sozinha.
Veio o dia de retirar os pontos, e aí, chegando na
cidade de Sarandi, onde o médico atendia, perdemos a
roda do fusca do meu pai. Só vi um pneu no asfalto e um
baque no banco traseiro, onde eu estava sentada; um
homem foi atingido e quebrou dois dentes. Tivemos
que pagar o dentista para ele, e eu cheguei atrasada na
clínica. O médico retirou os pontos, e eu fui para a
fisioterapia. Tinha que me deslocar de minha cidade,
cerca de 50 minutos para chegar na cidade vizinha, para
fazer as sessões de fisioterapia duas vezes por semana.
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Doía muito. Foi ali, em meio à dor, que resolvi que iria
aprender a escrever e fazer o que pudesse com a mão
esquerda. Para minha surpresa, eu consegui; estava
orgulhosa por mim com as pequenas coisas que eu
conseguia fazer.
Foram oito meses para minha recuperação total,
mas em uma dessas sessões de fisio, meu pulso inflamou,
e precisava de outra cirurgia. Sem dinheiro e outros
recursos, decidi não realizar a segunda cirurgia. Fiquei
com dois dedos totalmente insensíveis e que não servem
para nada, mas isso não me atrapalhou em nada.
Quando ficava chateada, mordia aqueles dedos porque
não ia doer mesmo.
No segundo ano do meu casamento, meu
marido foi demitido de vários empregos, não queria
nada com nada, nosso relacionamento estava decadente.
Ele saía de manhã e voltava tarde da noite. Comecei a
desenvolver crises de ansiedade muito recorrentes, com
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falta de ar, tremedeira, palpitações, até que em uma noite
ele não veio para casa, e decidi dar um basta nisso.
Procurei um defensor público, contei o que estava
acontecendo, e ele marcou uma audiência. Lá, ele
perguntou se havia a possibilidade de reconciliação; de
ambas as partes dissemos que não, e então foi feito o
divórcio. Meses depois, arrumei um emprego numa loja
de calçados, e um ano depois, prestei vestibular para o
curso de Pedagogia na UNIVERSIDADE REGIONAL
INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS
MISSÕES-URI campus de Frederico Westphalen RS.
Fui aprovada com êxito; porém, o que eu ganhava
trabalhando o dia todo como vendedora não conseguia
pagar o valor total da mensalidade. Resolvi me inscrever
em um programa de crédito educativo, onde pagaria
somente 50% da mensalidade e o restante pagaria após
formada