Ela soltou um longo suspiro. — Eu só... as coisas que estão pesando sobre mim, não sei se devo contar para alguém. Muito menos para você.
— Porque eu sou um homem? Você se sentiria mais confortável conversando com uma pessoa leiga, antes de falar comigo?
— Não, não é porque você é homem. Eu ouvi o sorriso em sua voz.
— Porque você é padre.
Eu decidi adivinhar. — As coisas que pesam sobre você são de natureza carnal?
— Carnal? Ela riu, e era uma música rica e ofegante. De repente, me perguntei como ela seria: se ela era loira ou bronzeada, se era curvilínea ou esbelta, se os seus lábios eram delicados ou carnudos.
Não. Eu precisava me concentrar. A voz dela me fez sentir de repente muito mais homem do que padre.
— Carnal! Ela repetiu. — Isso soa como um eufemismo.
— Você pode dizer qualquer coisa, aqui. Isso não foi feito para deixá-la desconfortável.
— A tela ajuda. Ela admitiu. — É mais fácil não ver você, você sabe, com as vestes e outras coisas enquanto estou falando.
Agora eu ri. — Nós não usamos as vestes o tempo todo, você sabe disso, não sabe?
— Oh. Bem, então, lá se vai a minha imagem mental. O que você está vestindo então?
— Uma camisa preta de mangas compridas com gola branca. Você conhece o tipo. Do tipo que você vê na TV. E jeans.
— Jeans?
— Isso é tão chocante?
Eu a ouvi encostar na lateral da cabine. — Um pouco. É como se você fosse uma pessoa real.
— Somente durante a semana, entre nove e cinco horas.
— Bom. Fico feliz que eles não coloquem você na geladeira entre os domingos ou algo assim.
— Eles tentaram isso. Mas, era muito frio. Eu fiz uma pausa. — E se ajudar, normalmente uso calças.
— Isso parece significativamente mais parecido com um padre. Houve um longo silêncio. — E... você já ouviu pessoas que fizeram coisas realmente ruins?
Eu considerei minha resposta cuidadosamente. — Somos todos pecadores aos olhos de Deus. Até eu. A questão não é fazer você se sentir culpada ou categorizar a magnitude do seu pecado, mas...
— Não me venha com essa mer*da de seminário. Ela disse rispidamente. — Estou lhe fazendo uma pergunta real. Eu fiz algo r**m. Muito r**m. E não sei o que acontece a seguir.
A voz dela falhou na última palavra e, pela primeira vez desde que fui ordenado, senti a necessidade de ir para o outro lado da cabine e puxar o penitente em meus braços. O que teria sido possível numa sala de reconciliação mais moderna, mas provavelmente teria sido alarmante e estranho na Antiga Barraca da Morte.
Mas em sua voz havia dor real, incerteza e confusão. E eu queria tornar isso melhor para ela.
— Preciso saber se tudo ficará bem. Ela continuou calmamente. — Que poderei viver comigo mesmo.
Um puxão forte no meu peito. Quantas vezes eu sussurrei essas mesmas palavras para o teto da reitoria, acordado na cama, consumido por pensamentos sobre como minha vida poderia ter sido? Preciso saber que tudo ficará bem.
Não éramos todos? Não foi esse o grito silencioso de nossas almas quebradas?
Quando falei novamente, não me preocupei com nenhuma das garantias normais ou chavões espirituais. Em vez disso, disse honestamente: — Não sei se tudo ficará bem. Pode ser que não fique. Você pode pensar que está no ponto mais baixo agora e, um dia, olhar para cima e ver que tudo ficou muito pior. Olhei para minhas mãos, as mãos que puxaram a minha irmã mais velha de uma corda depois que ela se enforcou na garagem dos meus pais. — Talvez você nunca consiga sair da cama de manhã com essa segurança. Esse momento de " tudo vai ficar bem", pode nunca chegar. Tudo o que você pode fazer é tentar encontrar um novo equilíbrio, um novo ponto de partida. Encontre todo o amor que resta em sua vida e segure-o com força. E um dia as coisas ficarão menos cinzentas, menos monótonas. Um dia, você poderá descobrir que tem uma vida novamente. Uma vida que te faz feliz.
Eu podia ouvir sua respiração, curta e profunda, como se ela estivesse tentando não chorar.
— Eu... obrigada. Ela disse. — Obrigado.
Não havia dúvida de que ela estava chorando agora. Eu podia ouvi-la puxando os lenços de papel da caixa colocada dentro da cabine justamente para esse propósito. Consegui captar apenas leves sugestões de movimento na tela, o que parecia ser um cabelo escuro e brilhante e o que poderia ser o branco pálido de seu rosto.
Uma parte realmente vil e terrível de mim ainda queria ouvir a sua confissão, não para que eu pudesse lhe dar conselhos e garantias mais específicas, mas para que eu pudesse saber exatamente por quais coisas carnais essa garota tinha que se desculpar. Eu queria ouvi-la sussurrar essas coisas com sua voz sussurrante, queria tomá-la em meus braços e beijar cada lágrima.
Deus, eu queria tocá-la.
O que diab*os havia de errado comigo? Eu não queria uma mulher com esse tipo de intensidade há três anos. E eu nem tinha visto o rosto dela. Eu nem sabia o nome dela.
— Eu deveria ir agora. Ela disse, repetindo as suas palavras anteriores. — Obrigado pelo que você disse. Foi... foi irritantemente preciso. Obrigado.
— Espere...Eu disse, mas a porta da cabine se abriu e ela desapareceu.