• Capítulo 2 •

1659 Words
Ana Júlia Alencar ❦ Minha cabeça doía tanto que precisei fechar e abrir os olhos diversas vezes. Assim que os abri de fato, vi o teto do meu quarto e, no instante em que me levantei, vi a bagunça que fiz na noite anterior. Eu tinha mais de quatorze mil reais em perfumes quebrados, fora meu espelho e a mesa. Bufei, me jogando na cama novamente, com os braços abertos. Merdå. Joguei minha cabeça pro lado, olhando o relógio que marcava cinco e vinte. Ótimo, pelo menos dessa vez não acordei às três da manhã e nem sonhei com nada. Lembro vagamente da Charlotte me dar algum remédio e depois eu me arrastar até a cama. Ótimo. Minha melhor amiga me dopando, maravilha. Quem precisa de inimigos com uma amiga igual à Charlotte Saito? Ok, talvez eu estivesse sendo ingrata. O remédio para dormir funcionou — ainda me sentia um caco, porém com a mente um pouco melhor. Assim que peguei meu celular, vi uma mensagem de Ramon, com uma única palavra-chave: iate. — Pōrra... — sussurrei, enquanto corria pro banheiro. A palavra "iate", enviada no grupo da Elite, significava uma coisa: Felipe. Ou seja, Makyson. A merdå da minha burrice de ontem chegou ao ouvido deles. Claro que iria chegar. E isso poderia não ser nada demais, se: um, Kelly não fosse nossa única fonte de informação; dois, se eles já não tivessem ligado esse mês. Eles ligam uma vez por mês, e isso já tinha acontecido. Então eu estava ferrada. Assim que senti a água quente descer sobre meu corpo, suspirei e joguei a cabeça sob a ducha. Eu tinha que pensar — com calma e rápido. Eu fiz a burrice... agora precisava consertar. •∆° Assim que saí do carro e andei em direção ao iate, vi Silas Bratvan de braços cruzados ao lado da embarcação. Lisa Santiago descia de sua moto, e Charlotte fechava a porta do carro do passageiro ao meu lado. Os irmãos Sanchez eram novos e não foram treinados para isso, por isso delegamos a eles as tarefas simples. Continuar mantendo os negócios da máfia girando, normalmente como se Makyson estivesse aqui. E nós, a origem da Elite, estávamos lidando com todo esse problema de frente — e isso era uma merdå. Ajeitei os óculos escuros no rosto e, assim que passei por Silas, vi Lisa segurá-lo em seu abraço, como se estivesse impedindo que ele viesse pra cima de mim. Fui direto para a cabine. Queria pilotar hoje. Assim que todos adentraram no iate, comecei a sair do lugar, sentindo a brisa do vento da manhã bater em meu rosto, o cheiro do mar invadir minhas narinas e a paz visitar momentaneamente minha consciência. Não sei exatamente por quanto tempo pilotei, mas assim que ouvi Lisa bater no vidro, entendi que estávamos longe o suficiente. Graças à nossa segunda hacker, tínhamos diversos celulares descartáveis, com sinal feito de uma rede única para aquele aparelho. Por protocolo, todos os celulares ficam no carro, em casa, ou desligados — e apenas um com sinal fica ligado. Assim que saí da cabine e me sentei ao lado de Charlotte, vi Lisa sentar ao lado de Silas, que estava à minha frente. Ele tirou o celular do bolso, discou o número de Felipe, deixou o aparelho no viva-voz, e, após um toque, foi atendido. — Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — respirei fundo, sentindo meus olhos encherem de lágrimas. O silêncio durou tempo demais. Ouvimos Asimov bater na mesa, e todos nós nos encolhemos, como se ele estivesse ali. E a gente voltasse a ser criança. — AGORA! Sempre foi assim. Felipe Asimov era como o espelho de Makyson Mancini. Ele sempre brigava e treinava a gente, mas tudo com autorização ou punição de Mancini. A única criança que o Don da máfia cuidou diretamente foi... ele. Rubens. Fora isso, todos nós sentados aqui fomos criados por Felipe e Ramon. Respirei fundo e tirei os óculos. — Eu måtei a Kelly Rossi ontem à noite. — o silêncio novamente se estendeu. — Em minha defesa, ela já estava morręndo. Usar química pra tortūra måta devagar, e vocês sabem disso. Eu... eu perdi o controle. — Perdeu o controle?! — Silas gritou em minha direção, e eu ergui o rosto, olhando pra ele. — Ela era a única coisa que tínhamos, Júlia! — Eu vou dar meu jeito. — respondi, não querendo discutir. — Vai dar seu jeito?! — e novamente ele gritou. — Você faz o que quer e fodę com todo mundo! Ela é IRMÃ do Alessandro, p***a! — Pare de gritar... — sussurrei. — E não sei se você lembra: é o Alessandro Rossi, o cara que está atacando a gente desde o ano passado! Você ficou maluca!? — Fiquei maluca! — eu finalmente gritei de volta. — Eu fiquei maluca, Silas! Porque enquanto você estava na boate curtindo seu maldito ano-novo, eu estava no meu quarto chorando! Fiquei maluca porque faz cinco meses que ele foi sequestrado e não temos notícias! Fiquei maluca porque faz cinco meses que o Makyson está fugindo como um rato e a família dele com mais segurança do que o presidente. Eu TÔ MALUCA PORQUE O RUBENS ESTÁ... ele... ele... e-ele... Me sentei de volta e não consegui conter as lágrimas. Não consegui prender o choro e fingir que estava tudo bem como fiz nos últimos meses. Todos nós, nessa mesa e nessa linha telefônica, sabemos como funciona: ninguém passa tanto tempo assim sendo torturado. Meu floco de neve estava morto. E se já doía pensar nisso, dizer em voz alta parecia me jogar num abismo. — Makyson... — disse ainda chorando, pegando todos da mesa de surpresa. Até mesmo Silas se sentou. — Sei que está nos ouvindo. Você sempre escuta. Eu sei que fiz merda e vou ajeitar isso. Mas não posso acreditar que ele está morto. Eu... isso dói muito. O silêncio durou ainda mais dessa vez. Vi Silas se levantar e ir até o frigobar. Ele pegou quatro copos e uma garrafa enorme de vodka. Nenhum de nós tinha tomado café ainda, mas aceitamos uma dose de vodka como se fosse água. — Como irá resolver isso? — ouvir a voz de Makyson Mancini depois de cinco meses fez todos nós arregalarmos os olhos. Silas pronunciou um “pōrra” silenciosamente enquanto enchia nossos copos de novo, e logo todos bebemos rápido. Eu forcei a garganta. — Olha, pensa comigo, gente. Certo, sabemos que é regra: se a gente mata um m****o de outra facção, eles têm que enviar alguma coisa — um dedo, uma foto, um vídeo, qualquer coisa... — fechei os olhos e sufoquei todas as emoções que me sufocavam, deixando meu único lado que sabia resolver essa merda toda tomar a frente. — Eu måtei ela e matarįa de novo sem hesitar, porque esse tal de Alessandro invadiu nossa casa, sequestrou a mulher do braço direito do Makyson e pegou o Rubens. Então é isso. Eu a mato de novo, se o dïabo permitir. Disse isso olhando fundo nos olhos de Silas. — Mas não adianta a gente ficar aqui choramingando — continuei. — Ela me passou, de fato, o número do irmão. Sei disso porque, numa noite, eu liguei. Não falei nada, mas ele sabe que era eu. — Como sabe que era ele? — Makyson perguntou. — Porque ele começou a rir... e perguntou se eu queria te entregar em troca do Rubens. — Me lembro perfeitamente daquela noite. Lembro que desliguei o telefone e chorei a madrugada toda. — Então podemos enviar um vídeo. E o coração daquela vadįa, se for necessário. Ele quer brincar? Então vamos começar a jogar com as nossas cartas. — Se a gente fizer isso e o Rubens estiver vivo, måtamos ele. — Lisa disse. — Eu sei disso. Vim pensando no caminho inteiro. Mas vamos receber alguma notícia, qualquer notícia... — abaixei a cabeça por alguns instantes e fechei as mãos em punho debaixo da mesa. Não consegui evitar a voz trêmula e embargada enquanto dizia: — não é só pelo Rubens. Precisamos matar o Alessandro. Ele se tornou uma ameaça. Enquanto ele viver, o Makyson não vai conseguir viver em paz com o filho dele. — Fazendo isso, vamos assinar nossa mōrte. — Charlotte sussurrou. — Ele vai vir atrás da gente. — Sim. Ele vai. — Silas respondeu. E nós quatro ficamos quietos. — Não quero pedir mais do que vocês já estão fazendo... — Mancini dizia do outro lado da linha. — Eu vou dar meu jeito de voltar pra Rússia e estar do lado de vocês. Peço desculpas por colocar a vida de vocês em perigo. — Todos nós, sentados nessa mesa, devemos nossa vida a você. — Silas disse. — Você sabe que a gente mōrre por você fácil, fácil, né, chefinho? — Lotte disse. — Bom, e se for pra mörrer, quero pelo menos måtar uns merdas no caminho. — Lisa completou. — Vocês... topam? — eu disse, surpresa. — Posso dizer que fui eu. Apenas eu. — Ana. — Lotte pegou em minhas mãos. — Somos irmãos. Uma família. Estamos juntos nessa. Tipo Titanic, lembra? A gente é a orquestra. Todos nós rimos, lembrando da noite pós-balada, no chão da sede, enquanto a gente dizia isso. Todos estávamos juntos naquela noite. Inclusive Erdoğan. — Bom dia, pessoal. — Ouvimos a voz da Ariel, e logo um choramingo de neném ao fundo. — Posso ser egoísta no que vou pedir agora. Sei que não deveria fazer isso. Não consigo mais discutir com o Makyson para que ele fique... Peço que aguardem por mais algumas semanas. Preciso... a gente precisa se despedir. E ele precisa sair de onde estamos, o que pode demorar um pouco. — ela logo suspirou e ficou um tempo em silêncio. — Mas façam de tudo para que meu marido e meu irmão voltem pra mim. Por favor.
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