Zeus… Eu sonhei com um bebê chorando, um nascimento sofrido, até me custava admitir que eu realmente sonhava com aquele cara gigante na minha frente, mas o Zeus que um dia eu sonhei era um bebê, não um adolecente cabeludo fortão. Ele não tinha a pele branca como a minha, era um tom mais puxado ao pardo do homem, mas era loiro e tinha os olhos iguaizinhos ao do grandão.
— Os Deuses me abençoaram… — murmurou soltando a espada — Há muito tempo venho pedindo para viver o suficiente para vê-lo de novo! Grande pátrio, líder e Alpha, está vivo!
— Abrace-me filhote e perdoe-me por não vê-lo crescer tanto!
O momento pai e filho era lindo, mas eu resolvi respirar fundo olhar para o estrago do meu apartamento e me arrepender de ter trago este homem pra cá. O duro é que dessa vez eu nem podia culpar ele, foi a mãe natureza que resolveu avacalhar com meu apê e enviar um “Thor” adolescente pra minha sala. Pelo menos eu achava que era a mãe natureza…
— Estão com fome? — perguntei quebrando o clima e fazendo o garoto se separar do homem de toalha para então me olhar, engolindo com dificuldade e paralisado ao me ver — Stella, muito prazer. — apontei minha mão, o menino olhou, depois pareceu pedir permissão ao viking de toalha para, então, me pegar de surpresa no abraço. — Mas, eim?
— Eu ouvi histórias! O seu legado, a sua jornada! A fêmea que pulou o abismo da morte para proteger a sucessão do legado! A mãe da fertilidade! A Deusa do manto azul, capaz de arrebentar os céus com sua ira! — eu arregalei os olhos, tentei me soltar enquanto ele exprimia a minha cabeça contra seu peito e ditava essas coisas bizarras — Eu me considero o filhote abençoado pela sorte divina por ser o seu primogênito, por seu o seu…
— Ah, beleza, tá legal, já chega! — consegui me soltar, me mantive a dois passos seguros e vi ele me olhar confuso, mas me direcionei pro cara de toalha e tentei ser racional — Tá ficando meio complicado entender tudo, então colabora aí. Vai vestir sua roupa e pede pra esse garoto parar de me abraçar e falar essas coisas esquisitas.
— Mas o quê…? — o garoto tentou reclamar, mas foi interrompido pelo viking gostosão de toalha.
— Sua matriz não se recorda de quem é, o que fez e o que viveu. — Aquilo pareceu cortar o garoto pelo meio e me fez até sentir um pouco de remorso, sem saber o porquê.
— Impossível. — reclamou, como se aquilo realmente fosse assustador.
— Acredite, filhote. Doeu muito mais em seu pátrio, do que pode imaginar. — o viking saiu e me deixou ali, olhando sozinha pro loiro na minha sala.
— O jantar já era… — desviei os olhos e peguei meu celular — Vou chamar uma pizza, enquanto isso você pode se sentar, só tenta não quebrar nada.
Eu fui pro meu quarto, notei que a bagunça ficou só entre a cozinha e a sala, achei estranho, mas me sentei na cama e disquei um número.
— Alô, eu queria pedir uma pizza. — falei no aparelho e olhei para a porta, onde o garoto gigante olhava um quadro meu caído no chão, enquanto o viking grandão surgia atrás dele. — Não, duas pizzas grandes. Espera, três. — fechei os olhos, ouvi o atendente pedir para eu me decidir e pensei que pelo tamanho daqueles caras, três podia faltar. — Quatro, manda quatro.
[...]
Enquanto eu usava meu humilde prato para comportar meu humilde pedaço da minha humilde pizza, eu via os dois enfiar a massa com gosto em suas bocas. Uma pizza já era, já estavam na segunda e pelo jeito, fiz certo em pedir quatro. Eu não ia perguntar se nunca comeram uma pizza antes, a resposta era meio óbvia. O mais estranho foi ver dois litros de coca-cola ser sugados como se fossem um mísero copo de água.
— Vocês tem estômagos de ferro? — perguntei, quando o loiro arrotou alto batendo a maior caneca que eu tinha na mesa, quase rompendo a madeira no meio.
— Que exótico! — respondeu o loiro — Por isso a escolheu? — ele se direcionou ao viking e enlargueceu o sorriso, se orgulhando de algo que não entendi — Um macho viveria à beira de seu lar e jamais compareceria a tempo em suas batalhas com um alimento tão bem feito! Uma fêmea com seu dom, grande Matriz, deixaria qualquer um de nossa espécie com a força de um leão se alimentando desta forma!
— Ah… — murmurei piscando devagar — Na verdade, a coca cola faz m*l… E não foi eu que fiz.
— É claro que fez. — o viking se interpôs — Ouvimos quando convocou sua magia, solicitou nossa refeição e a fez surgir com um servo diante sua porta. Não pode mentir para nossos olhos!
— Ah… magia? — Eu franzi o cenho, porque o cara era bonitão, mas estranho pra um caraleo — Eu usei o telefone, isso não é magia.
— Telefone? — questionou o loiro — O que faz um telefone?
Eu peguei o aparelho do bolso da minha calça, desbloqueei ele na câmera, apontei para o rapaz que enfiava a pizza na boca e sorri com o resultado. Quando virei a tela pra ele, o mesmo jogou a cadeira pra trás e puxou sua espada, fazendo o viking bonitão me puxar na direção oposta, me derrubar da cadeira e se colocar na minha frente, em riste para o rapaz.
— Abaixe sua espada agora, Zeus. — ordenou o homem de voz altiva — O castigarei severamente por apontar sua arma contra sua própria matriz!
— Não apontei para a minha matriz, apontei para o feitiço que aprisionou minha alma naquele objeto!
— Oh, merda…— reclamei massageando minha cabeça, vendo o smartphone com a tela trincada e revirando meus olhos — Olha, já deu! — levantei impaciente, apontei o dedo pro viking gigante e pro loiro bizarro — Caiam fora, os dois! Isso não é magia, é só a bosta de um celular! “Cês” sabem o que é bosta? Tipo merda que a gente caga, e graças ao maldito tombo, ele tricou e virou uma bosta. Eu estou cagada de prejuízo e sabe em que capítulo a gente tá? No quatro! Só estamos no quatro e eu não consegui entender nada, ainda!
Eles se entreolharam como se julgassem o que eu estava dizendo, mas o viking fez uma negativa.
— Eu a vigiei quando parti, pois não consegui acreditar quando seus olhos não me amaram como o faziam. — eu me calei, mas ouvi — Não nos reconhece porque seu mundo é cético, não há fé e nem amor. Mas eu a amo o suficiente para ficar, para tentar trazê-la de volta. Eu quebrei as regras quando atravessei o manto azul. Como castigo, estamos aprisionados neste lado até que a mãe dos mundos os abra para nós. Mas estou disposto a viver na condenação deste mundo, mesmo que jamais se recorde inteiramente de nós.
— Mãe dos mundos? — repeti a loucura — Me fala onde ela tá, a gente procura e vocês vão. — eu peguei as chaves sobre o meu balcão e os olhei firme — Eu falei sério que essa loucura acabou por aqui.
— Ela está diante dos meus olhos. — contou, me fazendo arquear as sobrancelhas — Acabou de trazer Zeus aqui, porque acreditou nele, porque pensou nele, porque amou ele, mesmo que seja naquele mísero segundo. É o que me faz acreditar que, ainda estou aí dentro, em algum lugar.
O loiro piscava com expectativa e eu queria ser forte pra mandar todo mundo ir para o inferno, mas aquilo me tocava. O cara estava falando sobre amor de um jeito tão… tão “tchan”.
— Que fique bem claro que é só porque eu estou afim de realmente entender isso, que eu não vou tocar todo mundo daqui. Mas sem espadas, sem mencionar magia e sem movimentos bruscos. — ordenei, enquanto eles pareciam cagar pras minhas palavras.
— Grande Matriz, posso voltar a comer? — o loiro perguntou e eu pisquei, totalmente indignada.
— Não me chama desse jeito, é esquisito.
— Neste mundo, pronuncia-se mãe. — corrigiu o viking, o que me deixou meio constrangida.
— Faz jus, mães são Deusas. A grande Matriz é uma Deusa. — o garoto se empolgou.
— Concordo. — o viking grandão sorriu de lado e me olhou com expectativa.
— Mãe, já terminou o sermão? Já podemos voltar a comer? — O que eu ia responder pro loiro, porque aquilo parecia mexer comigo? Eu não respondi, respirei fundo e fui pro quarto, fechei a porta e tentei colocar meus pensamentos no lugar.
— Mãe… — repeti as palavras, como se aquilo me causasse sentimentos que eu não conseguia entender — Isso é loucura… Muita loucura.
A porta foi aberta e empurrada como se eu não estivesse encostada atrás dela. O cara gigante atravessou a entrada, quase me esmagou atrás da porta e voltou a me olhar daquele jeito. Era só eu ficar sozinha com aquele cara que o clima ficava tenso, sem explicação nenhuma.
— A-aqui é meu quarto… — gaguejei nervosa.
— Não compartilharei chão quando minha fêmea está diante dos meus olhos. — respondeu firme.
— Esse negócio de fêmea é meio esquisito, não acha?
— Dê um nome para aquela a quem juramos amor eterno, mesmo após a morte.
— Esposa? — franzi o cenho, porque na verdade os votos acabavam com a morte, mas acho que ele não precisa saber esse detalhe.
— Minha esposa. — repetiu, perto demais — Deixe-me tocá-la. Estou me contendo a tempo demais.
Eu olhei pra porta, olhei pra ele e engoli em seco, mas fui sincera quando abri a boca.
— Não. — ele pareceu contido, colocou suas mãos na parede e se aproximou demais.
— Negue-me novamente, e a tomarei pelo meu direito. — rosnou, fortalecendo os ruídos em seu corpo e aumentando aquela tensão.
— Se tudo o que disse for verdade, eu não quero que me toque. Eu não faço ideia do que posso invocar se eu fechar os olhos de novo. — ele piscou, pareceu pensar e se conteve, voltando a se afastar — Mas pode me fazer um favor e começar a me explicar as coisas desde o começo, porque realmente tem coisas na minha cabeça que não se encaixam. Primeiro eu preciso entender, depois a gente tenta algum contato.