Capítulo 1
Capítulo Um
Bianca Benedetti
... eu sei, eu tenho certeza que a vida é bela ao redor do mundo...
I know I know it’s you, you say hello and then I say I do.
A voz de Kieds preenche todo o interior do carro e eu bato as mãos no volante junto com os acordes da música. Estou em algum lugar do estado da Pensilvânia, não conheço nada por aqui e estou confiando no GPS que afirma que se eu seguir por essa estrada e mantiver uma velocidade constante daqui à uma hora irei chegar a uma cidade onde planejo passar a noite.
Olho para o relógio do painel do carro e já são cinco e meia da tarde, o sol esta começando a se pôr, o céu estava tomado de tons laranja e vermelhos tão lindos que parece uma pintura renascentista e penso em parar para admirar melhor e talvez tirar uma foto para meu álbum de viagens. Até que escuto um forte barulho, o carro perde um pouco de estabilidade, mas consigo controlá-lo por não estar correndo tanto e logo estaciono no acostamento.
Com a minha enorme falta de sorte já presumo que tenha sido um pneu que tenha estourado e desço para conferir.
Todos os quatro estão intactos, graças a Deus. Vou para frente do carro e abro o capô, mas apenas para desencargo de consciência, eu não saberia diferenciar uma porca de um parafuso nem se minha vida dependesse disso. Não está saindo nenhuma fumaça do motor, o que presumo ser um bom sinal, porém um cheiro bem estranho invadiu minhas narinas e talvez isso não fosse bom.
Fecho logo o capô e sento nele para refletir o que fazer. Esse seria o momento ideal para um cara lindo aparecer em um carro e abaixar o vidro.
“Algum problema moça?” perguntaria ele.
Eu iria fazer uma carinha de cachorro que caiu no caminhão de mudança, ele me daria carona e depois de alguns conflitos nós iríamos descobrir que estávamos perdidamente apaixonados e viveríamos felizes para sempre.
The End!
Mas é claro que isso não é Hollywood, e é claro que se eu ficar vou virar comida de coiote, ou seja, lá qualquer outro bicho que exista aqui na América então acho melhor ir andando. Faz uma semana que cheguei aos Estados Unidos para fazer aquelas famosas “Road trip” para autoconhecimento e tal. Estou há três anos rodando o mundo e decidi que era hora de vim pra cá, desembarquei em Nova Iorque e visitei várias partes dela, não só as famosas como a Estátua da Liberdade ou o Empire State Building. Fui a lugares como a Prince Street onde ficava o apartamento de Molly e Sam do filme Ghost, ou a Waal Street, mas por causa do filme O Lobo de Waal Street,,
Meus destinos são comandados por os filmes.
Sou simplesmente viciada em filmes, de qualquer tipo, dos clássicos aos desconhecidos, de Hollywood ou Bollywood. E tomei como meta de vida visitar os lugares em que se passam os meus favoritos e deixando que eles ditem o rumo da minha vida.
Sem planos para um futuro distante.
Eu descobri da pior maneira que isso é bobagem, você está de boa e de repente a vida vem e te dá uma rasteira e tudo o que você acredita vai por água abaixo, então decidi que o melhor é seguir o fluxo.
Pego minha mochila que continha os itens mais pessoais, tranco o carro e dou meia volta indo pelo caminho que vinha percorrendo antes. Alguns quilômetros atrás passei por uma cidadezinha e lá deve haver alguém para consertar esse maldito carro.
***
Minha onda de má sorte parecia estar virando um pouco quando a primeira coisa que vejo ao chegar à cidade, depois de meia hora de caminhada, foi uma oficina mecânica. Não era muito grande, parecia um pequeno negócio montado em uma garagem e, apesar de estar aberta, o interior estava escuro e só era possível ver um facho de luz que saía de uma porta nos fundos da oficina. Paro na entrada e apuro os ouvidos para tentar escutar alguma movimentação.
—Olá, vocês ainda estão abertos? - eu grito.
A porta se abriu e saiu de lá uma criança, aparentava uns oito a dez anos no máximo.
—Olá – disse novamente – Seus pais são donos dessa oficina, eles estão aqui?
—Você fala engraçado – respondeu o pequeno.
Por mais que tentasse, eu não conseguia disfarçar a minha origem italiana, apesar de saber inglês desde pequena eu sempre derrapava no “R”.
—Em que posso ajudá-la – disse um homem que veio do mesmo lugar que a criança viera.
—Olá boa noite, meu carro está parado a poucos quilômetros daqui e preciso de um mecânico.
—Pneu? – arriscou ele.
—Não, eu ouvi um barulho estranho e perdi um pouco da estabilidade e logo parei, saia um cheiro estranho do motor também, o senhor tem ideia do que possa ser?
—Vou precisar olha para ter certeza, mas não me parece nada bom. Mark quer vir comigo?
—Não irei ficar aqui e fazer companhia para ela.
Entreguei as chaves para ele e indiquei o local que o carro estava e logo ele partiu com o guincho.
—De onde você é? – perguntou Mark.
—Sou da Itália – respondi - Já ouviu falar?
—Sim, nós fizemos uma feira na escola onde apresentávamos sobre vários países, a Itália tem o formato de uma bota e é de lá que veio o macarrão e a pizza e os italianos se cumprimentam falando “Ciao”
—Está correto, você é muito inteligente.
—Eu adoraria ter nascido na Itália – continuou ele – Iria comer macarrão todos os dias.
—Nós não comemos macarrão todos os dias – eu respondi rindo do estereótipo criado por ele – Talvez um dia sim e outro não.
—Como você se chama? – perguntou ele
—Bianca.
—E como se fala em inglês?
Tive que rir, o pequeno Mark era uma figura.
—Nomes próprios não se traduzem, eu me chamo Bianca aqui na América, na Itália e em qualquer outro lugar do mundo.
Ele ficou me fazendo várias perguntas sobre o meu país de origem, como eram as casas, as pessoas, mas ele se empolgou mesmo quando começou a perguntar o nome das coisas em italiano, ele ia apontando para as coisas e eu ia traduzindo e ele tentando repetir.
O barulho do guincho mostrou que o mecânico havia voltado com meu carro.
—Então? – perguntei quando ele desceu no guincho.
—Vou começar nele agora mesmo, pois não faço ideia do que seja, não se preocupe amanhã bem cedo você volta aqui e eu já saberei o que tem que ser feito.
Droga! A última coisa que eu precisava nesse momento era ficar perdida no meio do nada.
—O senhor sabe onde posso arrumar um lugar para dormir aqui?
—Tem o motel da MJ fica a poucas quadras daqui – respondeu ele – Mark acompanhe ela até lá e depois venha direto para casa, já está ficando tarde.
Fui até o porta-malas do carro e peguei minha bagagem, despedi-me rapidamente dele e Mark pegou minha mão e foi guiando-me pela calçada.
***
—Olá boa noite, eu gostaria de um quarto para essa noite.
O pequeno Mark me deixou em frente ao estabelecimento e logo foi para casa como seu pai lhe ordenou. O MJ’s Motel era aquele típico motel de beira de estrada com letreiro neon, o pequeno estacionamento tinha uma quantidade generosa de carros e fiquei com medo de não conseguir um quarto e ter que dormir na rua hoje.
—Você está com sorte, temos apenas um disponível que vagou agora a pouco – disse MJ me entregando uma ficha para preencher com meus dados.
Sorte é a última que tenho nesse momento, mas resolvo não dizer nada. MJ deveria estar na casa dos oitenta anos e parecia-se muito com minha Nona, aquele estilo de senhorinha que se simpatiza assim que bate o olho. Mas as semelhanças acabam por aí, MJ tinha o cabelo com sombras rochas, provavelmente fruto de uso de xampu matizador, vestia uma blusa com o famoso símbolo de “Paz e Amor” e todos os dedos da sua mão continham pelo menos dois anéis. A mulher parecia ter parado no tempo e achava que ainda vivia nos anos sessenta. Terminei de preencher a ficha e entreguei a ela.
—Pronto, você vai ter que esperar um pouco enquanto minha neta vai arrumar o quarto, o outro hospede saiu agora a pouco.
—Sem problemas, enquanto isso vou dar uma volta por aí.
Deixei a minha mochila e mala ali na recepção mesmo e saio em busca de algum mercadinho para comprar algo para comer. A cidade era bem parada, não devia ter mais de dez mil habitantes, eu morava em uma cidade bem menor que essa, e andar assim na rua tranquilamente, sem se preocupar com trânsito e o fluxo de pessoas me deu um ótimo sentimento nostálgico.
Havia uma lanchonete bem do lado do motel, mas eu não estava sentindo fome suficiente para uma refeição completa, mas também não consigo ir pra cama sem ao menos dar uma beliscada em alguma coisa então saí em busca de algum lugar para comprar alguns snacks. Graças a Deus não precisei procurar muito e na mesma rua tinha uma lojinha de conveniência e fui direto pra seção de comida. Mas não havia nada que fizesse realmente encher aboca de água, peguei algumas daquelas tiras de carne seca, refrigerante e algumas barras de chocolate por que eu não sou de ferro. Coloquei na cesta também xampu e condicionador, pois tinha esquecido os meus em Nova Iorque.
Quando voltei ao motel estava torcendo para que o quarto já estivesse pronto. Eu estava completamente exausta e suada. A caminhada exigiu o seu preço, nunca fui muito chegada em exercícios físicos. Sair pra caminhar? Não obrigado. Prefiro um bom livro ou algumas horas na Netflix. Sendo assim é lógico que eu não uso tamanho trinta e seis nem sutiã “PP”, mas até hoje nenhum homem reclamou, e apenas me forço a fazer caminhadas de vez em quando para não morrer aos trinta anos.
Quando chego à recepção, tinha um homem conversando com MJ. Ele é bem alto, com porte atlético do tipo nadador, ombros bem largos e cintura estreita, ele vestia um jeans surrado, uma camisa xadrez vermelha e estava com uma mochila nas costas.
— Desculpe – disse MJ ao homem – Se você tivesse chegado meia hora antes teria conseguido um quarto, agora não tenho nada disponível.
—A senhora sabe se tem outra hospedagem na cidade? - disse ele com uma voz rouca e forte, que fez meus sentidos acordarem.
—Eu lamento, mas sou a única do ramo por aqui – respondeu MJ
—Então vou ter que ir dormir debaixo da ponte, de jeito nenhum posso voltar pra estrada hoje.
Foi então que ele se virou de frente pra mim e eu quase caí desconcertada. O homem era um verdadeiro deus grego, o cabelo cortado bem baixinho, olhos azuis hipnotizantes e um maxilar que parecia ter pertencido ao próprio Clark Kent. A camisa xadrez estava aberta e apesar dele estar com uma camiseta por baixo, ela não fazia um bom trabalho em ocultar os gominhos da barriga dele.
—Já sei – disse MJ – Bianca você poderia dividir o quarto com o rapaz, o que acha? O seu quarto tem duas camas separadas, o coitado não tem onde passar a noite.
—Hum... – Eu nem entendi direito o que ela disse, meu cérebro deveria ter a textura de queijo derretido agora, eu não conseguia desviar o olhar dele, nunca vi um olho daquele tom de azul tão límpido.
—Não acho que seja uma boa ideia – disse ele.
—Não! – minha voz saiu um pouco estridente – Quero dizer... tudo bem a gente pode dividir o quarto.
Ele me olhava um pouco intrigado. Deveria estar pensando que tipo de mulher aceita dividir o quarto com um desconhecido? Qualquer uma nessa situação nem cogitaria a ideia, eu inclusive, porém aqueles olhos azuis me passavam segurança e sabia que podia entregar minha vida nas mãos dele.
—Tem certeza? – Perguntou ele.
—Claro, sem problemas.
—O quarto já está pronto – anunciou MJ – Venham eu vou mostrar para vocês.
Quando MJ passa por mim, pisca pra mim e em seus lábios há a leve insinuação de um sorriso.
Eu peguei a minha mochila e a malinha que tinha deixado nos bancos da recepção, e estendi a mão para o desconhecido.
—Bianca.
Ele apertou minha mão firmemente e respondeu.
—Adam Hudson – ele falou o nome completo, era mais um sinal que eu poderia confiar nele - É um prazer conhecê-la e obrigado por me deixar dormir com você... quer dizer no seu quarto não...
—Eu entendi, não se preocupe e só pra avisar eu tenho uma arma e sei usar.
—Sim senhora - ele respondeu erguendo as mãos em forma de rendição
Eu não tinha uma arma e não conseguiria dar um tiro nem se minha vida dependesse disso e acho que ele sabia disso.
Segui pelo caminho que MJ nos guiava com Adam atrás de mim, essa seria uma noite muito interessante.