Divindade do Eclipse

Casa de Passáros

-Ela me deve – Exclamou o homem com rapidez – está devendo para a cidade inteira, mas ela não tem como pagar por nada então...

-Aqui está – Interrompeu ele mostrando um saquinho gorducho e o colocando na palma da mão do homem que parou de falar com a surpresa e o peso do mesmo – deve pagar as dívidas e com juros, espero é claro.

Algumas pessoas ficaram de boca aberta e a senhora nada disse, na verdade ela parecia tão relaxada que desmaiou.

Chen Ren se levantou com a mulher praticamente jogada sobre si até que simplesmente a segurou nos braços e saiu andando. Ele não pareceu notar que o corpo estava mais pesado, pois ele já o achava naturalmente leve. Só veio a notar quando a chacoalhou e percebeu que ela havia apagado de cansaço então a segurou no colo seguindo para a estalagem onde deixaria a mulher dormir por mais algumas horas.

Bom tudo o que precisava fazer então era esperar ela acordar. Uma estalagem ou algo parecido apareceu e ele pediu um quarto para sua mãe descansar por um dia. Ele tinha muito o que conversar com ela além de um banho para si.

Assim que deixou a Senhora Akira no quarto dormindo e pediu uma refeição assim que ela acordasse, ele foi banha-se. A água que trouxeram era morna e o dinheiro foi bem gasto, pelo menos com o que tinham a oferecer. Mesmo que o estabelecimento fosse, digamos, precário ele era limpo.

Entrou na tina de água e relaxou se limpando lentamente, todo o corpo sem exceção. Ele haveria de ter dormido durante 1 ano? Era a única explicação plausível para toda a aquela mudança. Assim que estava limpo ele deparou se com um conjunto de roupas novas em cima da cama e um bilhete.

“Em agradecimento por sua escolha, em nome do estabelecimento gostaríamos que aceitasse esta vestimenta, aceite em nome de sua mãe a Senhora Akira”

Eles a conheciam? Que gentis, pensou Ren ao vestir as roupas. Não era de tecido macio, mas era melhor do que aquilo que usava. De caimento agradável e costura aceitável o moço saiu com suas botas gastas em direção ao lado de fora.

Assim que entrou no salão os olhos se viraram para ele. Era verdade que estava limpo, mas precisavam evidenciar isso com tamanha atenção?

A face alva antes apenas branca agora reluzia fracamente a luz natural. Os lábios rosados se comprimiram de timidez a cada passo. O cabelo não tinha mais folhas nem pequenos gravetos, mas permanecia solto e liso como se pintado delicadamente refletindo a luz nos fios finos e macios que lhe chegavam quase até a cintura.

-Senhor Akira – Cumprimentou a dona do estabelecimento com um sorriso carinhoso – posso te chamar de Ren? É como se fosse meu sobrinho, a Senhora Akira é simplesmente a mulher mais incrível do mundo, ela sempre dormia aqui.

-Mesmo? Obrigada por cuidar da minha mãe – Falou Chen Ren com sinceridade ao olhar a mulher que concordou apontando para uma mesa.

-Sente-se, deve estar com fome, vamos meninas, nunca virão um homem bonito? – Gritou a mulher com uma voz animada – tudo de bom para o filho que voltou para cuidar a mãe.

Chen Ren abaixou o olhar para que ninguém soubesse que ele de fato mentia. Será que aquele cochilo lhe tirou a vergonha na cara? Ele vivia repreendendo o amigo por mentir e agora lá estava ele mentindo facilmente.

De repente alguém se sentou a sua frente e ao encarar a pessoa viu que se tratava da Senhora Akira já acordada. Ele esperava que ela dormisse por mais algumas horas. Do momento em que pediu a estalagem até colocá-la no quarto arrumado, deve ter segurando-a durante pelo menos uns 40 minutos. Depois o banho que meia hora e agora, somavam se mais de 2hs de descanso. Ela não estava cansada? Precisando se acalmar?

-Senhora Akira – Cumprimentou Chen Ren educadamente para a senhora a sua frente que balançou a cabeça.

-Acho melhor me chamar de mãe – Corrigiu ela sorrindo fraco – não consegui agradecer por pagar minha dívida, mas devo lembrá-lo que não possuo nada então sequer alguma cosa de mim...

-Quero agradecê-la – Interrompeu Chen Ren rapidamente para o espanto da senhora – eu não sei explicar, sua bondade para comigo, um completo estranho me deixou muito feliz, eu percebi que aquele homem a estava intimidando então a ajudei como agradecimento, mas agora me enrolei em uma mentira.

-Mentir nunca é bom – Concordou a Senhora Akira vendo trazerem uma refeição para a mesa e só voltou se para o outro assim que se afastaram da mesa – mas o que pretende fazer?

-Pretendo ajuda-la como já mencionei, sou mais do que capaz disso, além do que preciso me misturar e aprender como me portar, não sei quanto tempo se passou desde a última vez em que estive em Hiraki – Explicou Chen Ren um pouco triste – sabe para onde foram a família Tae?

-Tae? – Murmurou a Senhora pensativa – esse nome me é familiar, mas não como vivos e sim como lenda.

-Uma lenda? – Incentivou Chen Ren curioso.

A senhora Akira se acomodou na almofada e bebericou do chá com lentidão se preparando para contar. Apontou para a comida e com apenas um olhar pediu que ele comesse enquanto ela falava e foi o que ele fez obedientemente.

-Creio que foi a séculos, a família Tae era composta por mãe, pai e um filho muito bom – Começou ela calmamente com um ar de fantasia – essa família era muito feliz, mas de repente quando a criança tinha apenas 10 anos, eles foram amaldiçoados pelo Deus da Noite Eterna, ele disse ‘Apenas aquele de bom coração e sem rancor conseguirá salvar a cidade’, porém a mãe morreu 7 anos depois e ele foi para a Guerra das 1000 Estrelas onde infelizmente morreu, sua bravura salvou sua terra, mas o pai dele, um homem nobre, infelizmente não suportou e acabou morrendo de tristeza com a morte do amado filho, acreditam que a alma dessa criança ainda visita a residência da família, mas se passaram muitos anos então... vai saber onde é a residência?

Chen Ren ouviu atentamente até que séculos... família feliz... pai nobre... nada fazia sentido naquela história principalmente dos pais, mas o que realmente lhe chamou a atenção foi a ‘Guerra das 1000 Estrelas’ foi citado e seu cérebro entrou em pane.

Como assim séculos? Não era possível...

-A quanto tempo foi a ‘Guerra das 1000 Estrelas’? – Perguntou Chen Ren sentindo a mão tremer violentamente – a quanto tempo...

-Creio que a 500 anos, por quê? – Respondeu a Senhora Akira notando as mãos tremulas do rapaz e soltou o que bebia para segurar as mãos alheias – está bem?

-Eu perdi... – Murmurou Chen Ren com tanta tristeza que seus olhos se encheram de lagrimas e ele se levantou – preciso tomar um ar, com licença.

-Chen Ren... – Chamou a mulher antes dele sair do estabelecimento sem olhar para trás.

Ele andava sem rumo com o coração a galope. Sua mente a mil sem saber assimilar o tempo. 500 anos dormindo? Como era possível? Não... podia ter acontecido... as lagrimas vinham aos montes e ele se encolheu aos pés de uma árvore de galhos longos e retorcidos. Ele abraçava seus joelhos e escondia seu rosto entre os braços onde chorava baixo tentando consolar o coração.

Havia perdido tudo para o que ele havia prometido voltar, o que seria mais doloroso que isso?

Um canto melodioso de um passarinho o fez levantar a cabeça. Era um pássaro de penugens vermelho sangue com azul intenso. Sua cauda era longa e levemente curvada para cima. Seu bico fino e olhos pequenos da cor n***a. Ele era belíssimo e seu canto reconfortante. Ele parecia perguntar o que havia acontecido... seu olhar abaixou com tristeza, mas seus olhos focaram em algo que pisava... parecia feito de madeira. Ele cavou com as mãos e retirou de lá o que um dia fora uma casinha de passarinho.

Ah! Era a casinha que construirá com o melhor amigo... quando eram muito pequenos, quase com 12 anos, Tae Si Woo era um pré-adolescente muito difícil e não reconhecia que a vida alheia fosse importante então Chen Ren o ensinou sobre as casinhas de passarinhos, pois isso mostrava a eles que toda vida era preciosa e precisavam protege-la quando ela não conseguia por si mesma. Ele era tão... lagrimas e mais lagrimas de saudade.

-Se continuar a chorar assim vai acabar regando a árvore inteira – Falou uma voz seria que o fez dar um pulo segurando a casinha de madeira.

Ao seu lado havia um homem. Pelo ângulo lhe parecia bastante alto, mas não era a altura que o deixou sem palavras e sim a face. Bem marcada e com olhos escuros em contraste com a pele branca demais. Sua boca se esticou em um pobre sorriso o deixando incrivelmente belo, mas perigoso. Aqueles olhos escuros pareceram brilhar ao olhar para a casinha de pássaros. O passarinho vermelho e azul voou até o ombro do homem que acariciou suas penas.

-Então ele é seu – Murmurou Chen Ren parando de chorar – é um belo pássaro, qual é o nome dele?

-Takuma – Respondeu o estranho sem desviar o olhar do outro – me chamo Yanar Jae e você?

-Chen Ren – Apresentou se ele se levantando e percebendo que o outro era de fato mais alto e não era pelo ângulo – você mora a muito tempo aqui? Queria te fazer algumas perguntas.

-Não moro mais aqui, morei a muitos anos atrás, mas primeiro por que não sai de cima do tumulo? – Falou Jae em alterar o tom vez nem quando o outro soltou uma exclamação baixa e saiu de onde estava – é um tumulo natural.

- O que está enterrado aí? – Perguntou Chen Ren curioso sem soltar a casinha.

-O passado – Respondeu Jae com desgosto – coisas que devem ficar enterradas para serem esquecidas.

-Sei... então... posso te chamar de Jae? Certo, sabe algo sobre o que aconteceu a essa cidade? -Murmurou Chen Ren se virando para o homem que detinha um pássaro curioso sobre os ombros, este que voou e pousou sobre a cabeça de Chen Ren cantarolando – que fofo, eu gostei dele, será que ele gostou de mim?

-Takuma – Repreendeu Jae, mas o pássaro não moveu.

-Está tudo bem – Tranquilizou Chen Ren gostando de ter um pássaro sobre a cabeça e apertou a casinha de pássaros nos braços – talvez ele me veja como sua nova casa...

A brincadeira não foi acompanhada de nenhuma risada senão daquele que a contou. Jae encarou o pássaro que emitiu um cantarolar animado, talvez uma risada e Chen Ren apaixonou se por ele ainda mais levantando a mão até a cabeça e tendo o pássaro colocando a cabeça para ser acariciado. Jae levantou a mão e o animal voou até árvore onde cantarolou furiosamente.

-Senão colocar limites ele nunca mais vai deixá-lo em paz – Explicou Jae mostrando uma expressão um pouco raivosa para o pássaro – a Cidade Imperial de Hiraki sofreu com a ‘Guerra das 1000 Estrelas’, as pessoas que moravam aqui faliram com a guerra e outra parte fugiu deste lugar por causa da criminalidade e pobreza.

-Como é possível? – Exclamou Chen Ren – essa cidade poderia ter sobrevivido a qualquer coisa, todos aqui eram muito ricos...

-E não se importavam com ninguém a quem não tinha um acordo financeiro ou matrimonial – Interrompeu Jae com desanimo – senão acredita em nada posso fazer, você me perguntou e eu respondi, Takuma.

Jae simplesmente pegou seu pássaro que voou da árvore e seguiu seu caminho sumindo na estrada que levava para algum lugar, pois Chen Ren não conhecia mais nada. Mas que grosseria, pensou Chen Ren fungando ao apertar a casinha nos braços e começar a andar de volta para onde havia deixado a Senhora Akira que se mantinha na posição.

-Ren – Exclamou ela já se levantando, mas ele se sentou antes e negou – onde foi? Está bem?

-Estou bem, não se preocupe, só... algumas coisas que vou resolver depois, mas precisamos terminar nossa conversa, estive pensando em como ajudá-la daqui para frente – Falou Chen Ren deixando a casinha ao lado já se desfazendo

-Não precisa me ajudar, já o fez – Disse ela rapidamente.

-Como não? Que coisa, eu vou, eu disse que ia e vou então só lhe resta aceitar, além do que preciso de tempo para resolver o que farei – Esclareceu Chen Ren pensativo guardando a dor que sentia ainda bem fundo, lidaria com aquilo depois – onde moras?

-Em um barraco perto de onde dei a você os pedaços de pão – Respondeu Senhora Akira – estava saindo de casa, é fácil de encontrar.

-Entendo, então, vai aceitar a minha ajuda e confiar em mim? – Sussurrou Chen Ren esperançoso para a mulher que concordou – ótimo, ficará aqui enquanto eu ajudá-la com a casa!

-O que vai fazer? – Perguntou Akira Hana preocupada – com a casa.

-Surpresa – Retrucou Chen Ren mais animado de ter algo para encher a mente – mas ficará sem palavras.