A sala de Royce é bem ao lado da de seu pai, e entramos sem dizer nada. Mais uma vez ele segura a porta para mim, perfeitamente educado. E também puxa a cadeira em frente a sua mesa. Sento e espero que ele também se acomode, antes de falar qualquer coisa.
De seu lugar, ele olha para mim, os olhos fazendo um escrutínio da minha postura e aparência profissional, totalmente diferente de como eu estava na boate.
— De todas as coisas que eu esperava que acontecesse, isso sem dúvida não era uma delas. — Sua voz é séria, mas seus olhos têm um brilho de humor.
— Para dizer o mínimo. — Comento baixinho.
Ele ri, e eu bufo de leve.
— Olha, Royce, eu juro para você que não fazia ideia. Espero que você não pense que isso foi algum tipo de estratagema, nem nada. — Começo, cruzando os braços de forma defensiva.
Dessa vez ele ri alto, e o fato de estar se divertindo com a situação me deixa dividida entre alívio e irritação.
— Relaxe. Fui eu que fui até você, eu sei que não foi nada planejado. — Royce me garante, e eu relaxo um pouco.
Respiro fundo e me obrigo a ficar calma.
— Que bom. — Seguro a língua para não dizer o que esta na ponta da minha língua: que não pretendo ter nenhum tipo de envolvimento além do profissional com ele, e que o que aconteceu na noite de sexta não significa nada na atual situação.
Ele fica me observando - 'avaliando' parece ser uma palavra melhor para o que ele esta fazendo, até que se recosta na cadeira e fala.
— Melanie, independente de como a minha vida pessoal possa ser, eu tenho uma grande admiração pelo meu pai e tudo que ele conquistou. O meu plano é aprender tudo que puder para que um dia eu consiga ser tão bom quanto ele. É por isso que você esta aqui. — Seu tom é profissional, e descruzo os braços, me sentando mais ereta. Suas palavras são promissoras. — E para isso eu vou precisar de uma ótima assistente. E mais do que isso: uma aliada. — Não consigo evitar sorrir de volta. — Eu li o seu currículo e sua carta de recomendação e fiquei realmente impressionado, e ficaria muito decepcionado se nós não pudermos trabalhar juntos.
Franzo a testa com o rumo do seu discurso. Será que ele acha que eu não consigo ficar perto dele? Que eu vou atacá-lo e me enfiar nas suas calças? Como se lesse meus pensamentos ele ergue as mãos.
— O que quero dizer é que você deixou bem claro para mim aquela noite que não tinha a mínima intensão de me ver de novo. E quero saber o quanto isso te incomoda. Se pode acabar nos afastando de alguma forma. Eu prometo manter meus pensamentos para mim. — Quase me contorço no lugar com o olhar que ele me dá ao dizer isso. Não vou me concentrar em descobrir o que ele quis dizer. Não vou! — Mas preciso ter certeza que não vá constranger ou tolher você ao meu redor.
O silêncio depois de seu discurso é pesado e repleto de palavras não ditas. O observo por um instante e então desvio os olhos. Eu posso fazer isso? Posso ficar tão perto desse homem incrivelmente lindo e obviamente gentil que me fez sentir coisas que eu nem sabia que era possível? Posso ignorar essas lembranças e o fato de ter visto, tocado e provado seu corpo todo?
— Vai ser um prazer para mim trabalhar com você. Prometo dedicação e lealdade enquanto estivermos nessa parceria. — Respondo de forma meio formal, mas percebo que ele gosta dessa atitude, e se levanta ao mesmo tempo que eu. Mais uma vez trocamos um aperto de mão, agora muito mais sincero e comprometido.
Ignoro a descarga de adrenalina que percorre meu corpo ao sentir o calor de sua pele de novo, mas vejo os olhos dele se estreitarem minimamente, como se também houvesse sentido algo.
— Isso é ótimo. — E então ele fica todo negócios. — Sua mesa vai ficar aqui na minha sala também, ela vai ser entregue hoje ainda. Por hora vá falar com Wanda para pegar todas as anotações e pontos de partidas do que agora será nossa área de trabalho.
Concordo com a cabeça e vou para a porta, e ignoro a sensação de certeza que tenho de que ele esta me observando caminhar. Não posso e não vou permitir que esse tipo de pensamento interfira no meu trabalho.
A partir de agora somos patrão e funcionária, e só.
Lindsay esta sentada no meu sofá, uma expressão de choque em seu rosto enquanto eu enfio colher após colher de sorvete na boca. Sorvete é meu calmante, e de agora em diante desconfio que meu consumo vai crescer e muito.
— Só mesmo você para, na única vez que se aventura numa trepada de uma noite, ser com seu chefe. — Ela por fim diz, e cai na risada.
Lanço um olhar maligno antes de engolir e responder.
— Não é engraçado. Eu vou passar cinco dias na semana, vou a eventos e viagens e vou ter que tratá-lo como se nunca tivesse acontecido nada. Não é a coisa mais fácil que eu já fiz. — Minha voz sai seca, e antes que eu fale algo que me arrependa, coloco mais sorvete pra dentro.
O olhar de Lind fica especulativo.
— E por que você precisa fazer isso? Vocês não podem ser 'colegas com benefícios'? — Ela balança as sobrancelhas de forma sugestiva.
Nego com a cabeça.
— Você sabe que eu jamais faria algo assim. Além do mais, o serviço é maravilhoso. Eu amei. De verdade. E ele é incrível trabalhando. É totalmente diferente de quando estava com Miss Amelia. É… bom… trabalhar ao lado dele. Não vou arriscar isso com um casinho. — Penso em como ele pareceu concentrado hoje, e como prestou atenção nas minhas sugestões e discutiu de forma inteligente sobre cada uma delas. Era só o primeiro dia, e eu sabia que rumo de ação tomar.
— Eu não sei, Mel. Eu acho que vai ser realmente difícil. — Ela fica mais séria ao dizer isso, e ergo uma sobrancelha. — Você diz que ele foi sua melhor transa. Agora ele também é a melhor pessoa com quem você já trabalhou. — Minha amiga morde o lábio, mostrando preocupação. — Amiga, você sabe que eu te adoro, não sabe? — Concordo com a cabeça. — Então ouça o meu conselho sabendo que o estou dando porque quero seu bem: não se apaixone por ele.
Engasgo, tossindo com força, quase cuspindo um pulmão. Sinto os tapinhas que Lind me dá nas costas enquanto diz 'ai meu deus' várias vezes.
— De onde você tirou essa ideia de eu me apaixonar? — Pergunto, incrédula, enquanto esfrego os olhos e pugarreio. Ela se limita à encolher os ombros, e eu balanço a cabeça. — Não vai acontecer. Pode ficar tranquila. A última coisa que pretendo fazer é me apaixonar por Royce Calidge.
E realmente acredito nisso.
E por acreditar é que silencio a vozinha que diz na minha cabeça que paixão é um sentimento involuntário, e não opcional.