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Lyandra
Eu sinto que virei a p***a de uma otária, porque é isso que parece: que eu sou uma otária. Todo dia tem vagabundo achando que pode ficar usando droga no meu portão, como se eu não tivesse que procurar trabalho amanhã, como se eu fosse alguma desocupada que vive igual a eles. Só que as coisas não são bem assim, né? Eu já passei a visão que vou reclamar na boca, mas você acha que eles se mexem? Você acha que eles ligam? Nada! Fica um bando de cracudo vagabundo, que não tem nada pra fazer, infernizando a minha vida. Porque trabalhador não tem um minuto de paz.
Desde que eu vim morar no Vidigal, eu só me estresso com essa merda. Mas não adianta nada... Já falei com o gerente, já falei com o vapor, já falei até com a p***a da sombra da boca. Agora só falta eu falar com o dono do morro, porque uma pessoa que tem uma filha de três anos não pode viver com um bando de drogado na porta.
Deixa eu me apresentar: eu me chamo Lyandra, tenho 23 anos e vim morar no Vidigal recentemente. Como vocês já perceberam, eu não sou a pessoa mais paciente do mundo... e nem quero ser. Eu fugi do meu marido quando a minha filha tinha dois anos, porque ele me batia muito. Achei que não era justo fazer isso com a minha filha. Achei que não era certo ela crescer num ambiente violento, não queria que ela achasse normal esse tipo de coisa.
Então eu vim parar no Vidigal. Já tô há um mês tentando conseguir emprego. Antes, eu fazia faxina, mas tive que parar porque a minha filha ficou doente, e as pessoas foram arrumando outras pra colocar no meu lugar. Agora, tô desempregada. Semana passada, fui convidada pra fazer um job — sim, pra falar bonito, porque eu vou virar garota de programa. Confesso que tô relutando um pouco com isso, mas vou acabar tendo que dar um jeito. Eu não posso deixar a minha filha sem as coisas dentro de casa. E como eu nunca trabalhei de carteira assinada, tá f**a conseguir qualquer coisa sem experiência.
É claro que eu não vou ficar rodando bolsinha na rua, não sou maluca. Ainda mais com o tanto de doido que passa só pra humilhar garota de programa. E eu não quero passar por isso. Fui convidada pra trabalhar numa casa de luxo, onde só vai gente com muito dinheiro. Só paga pra comer as mulheres quem tem mesmo. Só que porra... Eu nunca fiz isso na minha vida. E nem sei se quero começar. Mas tô ficando sem escolha. A Alice ainda tá doente, e cada dia tá mais difícil comprar os remédios dela. Eu fico me perguntando toda hora se sou uma boa mãe, porque não tenho dinheiro nem pra comprar uma amoxicilina pra tratar a pneumonia da minha filha.
Bruna: Amiga? — ela gritou do portão, e eu fui abrir.
Lyandra: Oi, amiga. Tá tudo bem?
Bruna: Lembra que eu te falei daquele negócio do job?
A Bruna já trabalha com isso há um tempo, e ela gosta dessa vida. Trabalha numa casa de luxo e ganha muito dinheiro. Ela tenta me ajudar como pode, mas eu fico sem graça de pedir dinheiro pra ela, sabe? Acho que essa responsabilidade não é dela. Conheci ela assim que cheguei no Vidigal e, desde então, a gente não se desgrudou. Ela me ajuda com o aluguel, faz compras... É por isso que fico sem jeito de falar que tô sem os remédios da Alice. Sei que ela vai comprar, mas p***a, tô sobrecarregando ela, e ela nem tem filhos, cara.
Lyandra: Sei...
Bruna: Amanhã vai ter uma festinha que vai dar muito dinheiro. O cara fechou a boate pra ele e uns amigos. Ele vai pagar vinte mil pra cada p**a que ele escolher. É claro que vai selecionar, mas porra... é vinte mil por uma noite. Eu sei que você não curte essa parada, mas vim te perguntar se não quer ir.
Lyandra: Amiga, você sabe que eu não sirvo pra essas coisas... Mas eu vou pensar. Que horas tem que chegar lá?
Bruna: Temos que estar lá hoje, às 20h, pro cara escolher. Mas a festinha mesmo é só amanhã à noite, depois das dez. A Alice pode ficar com a minha mãe, se você quiser ir. Mas se não quiser, eu vou entender. Olha, amiga... Eu sei que a vida tá difícil. Eu também fiquei perdida quando fiquei desempregada. Virei p**a porque gosto de dinheiro e porque ser professora não tava dando em nada. Mas se você não quiser fazer isso, eu vou entender. E vou estar aqui pra te apoiar, pra te ajudar sempre. Você sabe que eu amo muito a Alice. E amo você também.
Lyandra: A gente já tá nas suas costas tempo demais... Não dá pra você ficar gastando com a gente. Eu tenho que arrumar um emprego. Já entreguei currículo no morro todo e fora dele também. Ninguém chama. Fiquei muito tempo sendo sustentada por aquele desgraçado e agora tô aqui, perdida, sem saber como recomeçar. Só que já passou um ano. Não dá mais pra ficar assim... Eu vou com você.
Bruna: Você sabe que pode desistir a qualquer momento, né?
Lyandra: Eu sei, amiga. Mas o f**a é que toda vez que eu dou pra trás, eu fico sem as coisas e te dou mais trabalho. E por mais que você ame a Alice, por mais que me ame também, você não tem filhos. Isso não é responsabilidade sua. Você poderia estar vivendo bem melhor se a gente não estivesse na sua vida.
Bruna: Não fala isso nem brincando. Eu faço de tudo por vocês duas. Faço de tudo pra te ver bem. Eu passo aqui às 20h. Mas só vai se você quiser, se se sentir segura. Se achar que não dá, fica em casa, entendeu?
Lyandra: Obrigada, amiga. Eu amo você. — falei, abraçando ela.