Gritos

935 Words
Nero estava deitado quando ouviu os gritos. Não se moveu de imediato;gritos de mulher. Ficou em silêncio por alguns segundos, ouvindo o eco que atravessava o corredor, até que o instinto venceu a calma habitual. Levantou-se devagar, pegou o rádio na mesa e saiu do quarto. Um dos homens de segurança estava sentado perto de sua porta — Está ouvindo os gritos? — perguntou Nero. — Estou, senhor. Vêm do quarto do seu irmão. Estava apenas de bermuda quando empurrou a porta. O quarto estava em penumbra. Dafne estava na cama, gritando, o corpo curvado de dor. Era a primeira vez que a via pessoalmente. Já tinha visto fotos — várias —, mas nenhuma delas mostrava o que estava diante dele. Não era uma beleza de capa de revista, era algo mais real, humano, feminino, o tipo de beleza que incomodava porque era s£xy que doia, e o louco do irmão não estava em casa.. Ele balançou a cabeça e se ajoelhou ao lado da cama. Os olhos de Dafne se encontraram com os dele — assustados, trêmulos, tinha medo dele. __ Não, precisa sair daqui, tenho pavor de você, tem que sair daqui. — O que houve? .. — Eu... não sei... — respondeu ela, ofegante. — Minha barriga dói. O suor escorria pelo rosto dela, o corpo tenso, a respiração irregular. Nero acionou o rádio. — Tire o carro, Brutus. Vamos levá-la ao hospital. Antes que pudesse ouvir resposta, Dafne desmaiou. Nero a segurou nos braços. Por um instante, ficou parado, olhando-a de perto, a respiração dela fraca, o rosto pálido. Não entendeu o que sentiu — talvez fosse apenas o impacto da vida real atravessando suas defesas, era a única explicação. Brutus chegou, e eles saíram rapidamente. Nero a acomodou no banco de trás, mantendo-a junto ao peito enquanto o carro deslizava pela estrada. Ela voltou a gritar, o corpo se contorcendo em meio à dor, o som agudo cortando o silêncio da madrugada, e o grito dela chegou até ele, já tinha escutado tantos gritos, tantos, mas o dela era diferente.. Quando chegaram ao hospital, médicos e enfermeiros correram. Dafne foi levada às pressas para a sala vermelha, o grito dela continuando pelos corredores enquanto aplicavam morfina — mas a dor não cedia. Precisaram de um coquetel de medicamentos para conseguir acalmá-la. Nero permaneceu em pé, segurando a mão dela, assistindo em silêncio até que o médico se aproximou. — O que ela tem? — perguntou. — Ainda não sabemos — respondeu o médico. — Vamos fazer uma tomografia. A dor é real, senhor... não é crise nervosa. Algo está errado no corpo dela. Dormindo e sem dor, Dafne foi levada para realizar os exames. Meia hora depois, o diagnóstico chegou. __ Torção anexial — foi o que o médico disse, o rosto sério, o tom urgente. __ Uma torção do ovário e da tuba uterina em torno dos próprios ligamentos, interrompendo o fluxo sanguíneo, isso causar a dor. — É caso cirúrgico, não é? — perguntou Nero, a voz firme. — É sim, senhor. Precisamos levá-la imediatamente para o centro cirúrgico. Assim que o efeito da medicação passar, a dor voltará, e não há tempo a perder. — Leve — respondeu ele, sem hesitar. — E avise alguém da equipe para me manter informado, estou aqui esperando. O médico assentiu e saiu, chamando os enfermeiros. Nero se sentou, os cotovelos apoiados nos joelhos, o olhar fixo na parede branca à frente. Brutus perguntou,.. — Deseja que avisemos o seu irmão, senhor? Nero levantou os olhos, frios, diretos. — Não. Não avise. — Mas vou ser punido. — Diga que foi ordem minha. O lugar de um homem casado é em casa, ao lado da esposa, e não na rua. Ele não está trabalhando, está na rua por sua própria decisão. Dafne foi levada para o centro cirúrgico. Nero permaneceu sentado, imóvel. Uma hora depoisDionísio surgiu, o rosto transtornado, a gravata solta, os olhos vermelhos de álcool e raiva. — Onde ela está? — perguntou. — Está em cirurgia. — Cirurgia Quem autorizou isso sem me avisar? Brutus o olhou e Nero afirmou. — Eu autorizei. Dionísio virou-se devagar. O corredor pareceu estreitar. — Você? — Eu . Ela estava em risco, e você não estava. — É minha mulher, Nero. Você não tinha o direito. — Não? — Nero deu um passo à frente. — Então talvez eu devesse ter esperado você aparecer entre uma garrafa e outra. Dionísio e Nero se sentaram lado a lado. — A partir de hoje, nada de bebida — ordenou Nero. — Não, eu… eu não bebi tanto , e preciso da bebida para me acalmar. — Não beba mais. Por cada dose que você tomar, eu quebro um dos seus dedos; em três dias você não vai poder sequer erguer uma garrafa com todos os dedos quebrados.. Você está se tornando um bebum, você f£de, f£de a put@ barata, arrume um chuveiro e tome banho.. Não vou ficar sentindo o cheiro.. O irmão se levantou.. — Ela vai ficar bem? — perguntou Dionísio. — Vai. — Nero respondeu, firme. — Vai ficar bem. Não por você.. Dionisio foi para o banho.. O médico apareceu e Nero se levantou. — Terminou? — perguntou, a voz firme. — Terminou — respondeu o médico. — Ela vai ficar bem. Vai permanecer na UTI até as duas da tarde, depois mais três ou quatro horas em observação no quarto. Se não houver nenhuma intercorrência, poderá ir embora no fim do dia. Nero soltou o ar, nem percebeu que tinha ficado nervoso..
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