A ligação

1015 Words
Dafne estava sentada de frente à penteadeira, pintava as unhas com o esmalte vermelho que gostava. O relógio marcava o fim da tarde, e as funcionárias da casa já haviam ido embora. O som do vento entrava pelas janelas, quebrando o silêncio que reinava desde a saída de Dionísio. O telefone fixo começou a tocar. Ela hesitou por um instante antes de atender. — Alô? — Quem fala? — respondeu uma voz masculina, grave, firme. — Você quer falar com quem? — perguntou, desconfiada. Do outro lado, uma risada curta, forte. O som fez o sangue de Dafne gelar. Era uma risada serena, mas ao mesmo tempo com um som de perigo... — Estou ligando para minha casa, — disse o homem, com calma. — Você deve ser Dafne, certo? O coração dela disparou. — Nero... — Isso mesmo. — A voz dele ficou mais baixa, quase um sussurro. — Estou ligando pra avisar que quero meu quarto arrumado. E na geladeira, tudo o que eu gosto de comer. Ela ficou em silêncio, atônita, antes de conseguir dizer qualquer coisa. — Você... vai vir pra cá? — Vou. Essa casa é minha, e você deve saber disso. Quando eu chegar, quero meu quarto pronto. Entendeu, Dafne? Antes que ela pudesse responder, o som seco da linha cortou o ar. Nero havia desligado. Dafne permaneceu parada, o telefone ainda em mãos. O coração batia tão alto que parecia preencher o cômodo inteiro. O rei estava voltando. E dessa vez, ele vinha para casa, ela sentia medo, mas também sentia vontade de dizer que não tinha a obrigação de fazer nada para ele, mas nunca teria coragem nunca, porque era capaz de ter o seu pescoço torcido. 🏛️🏛️🏛️🏛️🏛️🏛️🏛️ Mais tarde, Dafne estava sentada no sofá quando ouviu o som de motores se aproximando. Pela janela da sala, viu um caminhão de entrega estacionar diante da casa. Homens uniformizados desceram em silêncio, descarregando caixas grandes, móveis pesados, tapetes enrolados. Ela observava em silêncio, o estômago apertado. O emblema gravado nas caixas — um pequeno símbolo dourado com a letra N — bastava para que soubesse a quem tudo pertencia. Em pouco tempo, os homens começaram a subir as escadas. Passavam com cuidado, seguindo instruções diretas de um guarda da casa, Brutus, era assim que os homens o chamava. As portas foram abertas. A movimentação se concentrava no quarto principal, no quarto ao lado do dela e de Dionísio. O quarto principal. O quarto de Nero. Dafne se aproximou devagar, contrariando o instinto que dizia para ficar longe de tudo o que tivesse o nome dele, precisa ficar longe de Nero e fugir de Dionísio, mas como? . Ainda assim, não conseguiu resistir. Precisava ver. Precisava entender o que estava prestes a mudar. Os homens montavam uma cama imponente, feita de madeira escura, o guarda roupa também era grande. Dafne ficou parada na porta, observando tudo, até que as palavras escaparam antes que pudesse contê-las: — O chefe de vocês tem mulher? Brutus ergueu o olhar, surpreso por ela falar com ele. — Não senhora. Não tem mulher. Mas acho que gosta do espaço... é isso, e acho que é melhor a senhora sair daqui. Ela entendeu recado, Dionísio não gostaria de vê-la ali perto de tantos homens.. Se conseguisse, fugiria dali. Fugiria de Dionísio, fugiria da presença Nero, fugiria daquele império cercado por muros e olhos. Mas os portões eram sempre vigiados, as rotas controladas, e até o ar parecia pertencer a eles. Dafne pulou quando ouviu a voz de Dionísio atrás dela. — Escutou, Dafne? — Não… eu estava distraída. — tentou responder, controlando o susto. — Quero que providencie com Brutus as roupas de cama, lençóis, tudo o que for preciso pra arrumar o quarto do meu irmão. Ela o olhou, confusa. — Pra quê tudo isso? Já temos o suficiente nos armários. Dionísio riu, sem humor algum. — Lençóis usados, Dafne? Ele nao usa.. Quero tudo novo. Fez uma pausa curta e completou, num tom que misturava ordem e aviso: — Vamos, me ajuda a ficar tranquilo. Ela obedeceu. Cada vez que saía de perto dele, mesmo que por minutos, sentia que podia respirar — um respiro curto, mas real. Esperou Brutus aparecer e saiu com ele. Do lado de fora, mesmo dentro de do carro ela respirou. — Senhora, o senhor Dionísio, peça a ele para ir ao médico. — Por que, Brutus? — ela perguntou, olhando pela janela do carro. — Ele não era assim... violento, antes, era? ___ Não, mas era fingimento, Brutus, ele foi um bom companheiro somente por dois meses, em todo caso, nunca gostei dele, me juntei a ele obrigada. — Ele ficou violento depois do tiro. Ela virou o rosto, surpresa. — Tiro? Que tiro? — Ele levou um tiro na cabeça há alguns anos. Ele era difícil antes, ficou impossível depois. Dafne ficou em silêncio. — Eu não sabia disso, Brutus. Mas é melhor , eu não dizer nada. Quanto mais eu ficar em silêncio, menos sofro. Ela respirou fundo. — Quando Nero chegar... fala pra ele o que aconteceu, Brutus.... Dafne desviou o olhar, tentando conter as lágrimas. Encostou a cabeça no vidro e chorou em silêncio até o carro desacelerar. Quando Brutus estacionou, ela enxugou o rosto, ajeitou o cabelo e desceu. O vento batia forte, carregando o cheiro do mar e da cidade, entrou na loja e caminhou entre os corredores. Queria comprar tudo escuro — preto, cinza, o tipo de cor que Nero parecia carregar consigo — mas no último instante, sem entender bem por quê, escolheu tons de branco e amarelo. Talvez uma parte dela ainda acreditasse que luz podia existir naquele inferno.Fez os pedidos, assinou os recibos e pediu para que tudo fosse entregue no mesmo dia. Quando chegou em casa, chamou uma das funcionárias e pediu ajuda para arrumar tudo, tinha que se lavar e passar tudo. Fazer algo, qualquer coisa, dava a ilusão de que tudo ficaria bem. Mas Dafne sabia — no fundo, muito antes de Nero cruzar o portão — que nada mais voltaria a ser tranquilo.
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