CAPITULO 34

1351 Words
Don Antônio Contini Desde o dia em que Catarina desapareceu no aeroporto, eu não tive mais paz. Havia um calor estranho em Roma naquele fim de setembro, abafado, silencioso, como se a cidade respirasse com dificuldade. E eu também. Cada passo que dava pelas vielas antigas me lembrava dela — minha sobrinha, minha cria, a filha que o mundo me deu quando levaram Dianna. Catarina era tudo o que me restava. E agora, nada. Nenhuma imagem após sua entrada no aeroporto. Nenhuma filmagem, nenhuma saída registrada. Nada. A mulher mais vigiada da Itália havia simplesmente desaparecido do mundo. Eu estava no andar mais alto de um prédio modesto no Trastevere, um dos meus refúgios em Roma, olhando fixamente para o retrato de Dianna. A moldura de prata envelhecida tremia ligeiramente na minha mão. Ela tinha os mesmos cabelos negros da mãe, os mesmos olhos azuis que pareciam acusar e amar ao mesmo tempo. Os mesmos olhos que a morte apagou com uma violência covarde. Os mesmos olhos que Dante Mancuso roubou de mim quando matou minha filha. Peguei o retrato com as duas mãos. Os dedos tremiam. Ela estava tão jovem. Cabelos negros, olhos azuis. Inteligente, orgulhosa, rebelde. A minha Dianna. E agora… agora tudo indicava que ele poderia estar por trás do sumiço de Catarina. Ela me disse da gravidez. Um menino, segundo o exame. Sua voz estava calma, quase serena, como se finalmente tivesse encontrado algum tipo de redenção. E agora ela desaparecera. Sem rastro. Sem sinal. Catarina jamais fugiria sozinha. Muito menos grávida. Uma lágrima escorreu antes que eu pudesse detê-la. Rápida, traiçoeira. Limpei o rosto no punho do paletó quando a porta se abriu. — Don Antonio? Virei-me rapidamente, enxugando outra lágrima teimosa que escapou. Era Matteo, um dos meus homens de maior confiança. — O carro está pronto, senhor. Assenti e coloquei o retrato de volta sobre a estante. Passei a mão pelo cabelo e segui para o elevador. O silêncio do prédio era quase sagrado. Ao chegar ao subsolo, atravessamos o pequeno corredor trancado e fomos para os fundos, onde um Mercedes preto me aguardava. Entrei no carro e bati a porta. — Para o Vaticano. Mas antes que Matteo ligasse o motor, uma voz vinda do banco de trás me congelou. — Olá, Don Antonio. Meu corpo inteiro travou. Virei o rosto devagar. Ali estava ele. Don Miguel Mancini. Mais envelhecido do que da última vez em que o vi, mas com a mesma presença. A cicatriz profunda no lado esquerdo do rosto ainda dava a impressão de um sorriso que jamais alcançava os olhos. Um lobo vestido de luto. — Filho da p**a — sibilei, levando a mão à arma. Mas ele ergueu a mão com calma, como se apaziguasse um cachorro feroz. — Tire a mão da arma, Antonio. Se eu quisesse você morto, não estaria aqui. — Você tem sorte de ainda estar respirando, Miguel. O que quer? Ele cruzou as pernas, calmo. Com o veneno de sempre. — Conversar. À moda antiga. — Não temos nada a conversar. — Temos, sim. — ele se inclinou. — Catarina. E Dante. O nome deles caiu como veneno entre nós. Miguel encostou-se ao banco, os olhos me estudando como um velho general que prevê a próxima guerra. — Acho que estão juntos. A frase pairou no ar como fumaça de incêncio. Eu queria rir. Queria socar o rosto dele até a cicatriz reabrir. Mas não fiz nada. Porque uma parte de mim já suspeitava disso. E isso me matava. Catarina, minha sobrinha, com aquele maldito assassino. Grávida. Sumida. Don Miguel seguiu: — Catarina desaparece. Dante desaparece. Os câmeras somem. Nenhum rastro digital. Você sabe o que isso significa, Antonio. — Eu acho que foi você quem sumiu com ela. — Se eu tivesse Catarina, você já estaria recebendo pedaços dela pelo correio. — A calma dele era repugnante. — Eu não a tenho. Mas também não a encontro. E isso, meu caro, me assusta. — O que me assusta é sua ousadia em vir até aqui fingindo preocupação. Dante já matou minha filha. Agora quer matar minha sobrinha também? Miguel suspirou. Havia um traço de sinceridade em seus olhos. Ou era um truque. — Dante desapareceu do radar no mesmo dia que Catarina. Nenhum homem desaparece assim sem ajuda. Ou sem um objetivo forte. — Não subestime minha sobrinha. Ela poderia enganar o Inferno, se quisesse. — Justamente por isso precisamos encontrá-la. Antes que algum inimigo o faça. — Ou antes que você a encontre. — Talvez você não saiba de tudo.Talvez Dante esteja com ela. Talvez esteja com ela porque a ama — Miguel cruzou os braços. — E se estiver... então temos um problema comum. Eu não respondi de imediato. O nome Dante Mancuso tinha gosto de sangue na minha boca. — Você acha que estão juntos? — Acho que ele voltou dos mortos por ela. — Ele me olhou com algo parecido com sinceridade. — Se Dante a ama, fará qualquer coisa para protegê-la. — Se ela está com ele, é porque ele a sequestrou. Catarina não é burra. — Não, não é. Mas também não é uma santa como você pensa e muito menos Maria para ter um filho sem trepar com alguém. Eu me aproximei, o rosto colado no dele. — Cuidado com o que fala. — Falo a verdade. E você sabe disso. Porque se você estiver errado... se ela realmente escolheu estar com ele... então nós dois estamos condenados. — Por que está aqui? — Porque você quer encontrá-los tanto quanto eu. Mas não pode fazer isso sozinho. E porque, por mais que nos odiemos... — Ele se aproximou, o cheiro de tabaco e sangue antigo vindo com ele — ...nós dois queremos a mesma coisa agora. Odiava concordar com ele. Mas era verdade. Virei o rosto. A cidade se desenhava pela janela como um velho cemitério de glórias passadas. Apertei os punhos. — Onde ele a escondeu? — Estou tentando descobrir. Meus informantes dizem que ele não está em Roma, mas também não saiu da Itália, aparentemente. Ele sumiu... mas deixou pegadas. Rastros pequenos. Ele virou o rosto, a cicatriz tensionando quando os lábios se contraíram. — Antonio, escute. Se Catarina e Dante estão juntos, não temos chance. São poderosos demais, imprevisíveis demais. E se ela estiver mesmo grávida de um filho dele... então estamos presenciando o nascimento de uma nova dinastia. Engoli em seco. — Um bastardo. De um assassino. — Um herdeiro. De duas linhagens. — Ele me encarou. — Você quer isso? Quer que esse menino cresça para ser o novo Don da família Mancuso? Ou pior... da Cosa Nostra e da 'Ndrangheta juntas? Ficamos em silêncio por um momento. — Eles querem mudar as regras. Querem se esconder e criar esse bebê para nos governar. Isso é o fim para todos nós. Olhei para frente. Matteo me observava pelo retrovisor. Dei um leve aceno com a cabeça e ele entendeu: fique quieto. — O que você quer, Miguel? — Um pacto. Temporário. Não estou interessado em guerras enquanto Catarina estiver viva e desaparecida. Se Dante a tem... então precisamos agir juntos.— disse Miguel. — Me dê 48 horas. Vamos reunir nossos contatos, vasculhar todos os portos, aeroportos, fronteiras. Se encontrarmos Dante e Catarina, você pode fazer o que quiser com ele. Só me dê em troca Catarina. Minha respiração pesou. Pensei no bebê. — E o bebê? — Se ela estiver grávida... Ele pode ficar para você. Sua família. Faça o que achar justo. Assenti, depois de um longo momento. — Quarenta e oito horas. E se você me trair, Miguel... Ele sorriu. Um sorriso triste. — Nós dois já fomos traídos. Por eles. Ele saiu do carro sem pressa. O banco ainda quente onde se sentava. O cheiro dele, um rastro de enxofre. Fechei a porta do carro com força. Não olhei para trás. O cheiro de perigo já estava no ar. O jogo tinha mudado. E eu não sabia mais se estava movendo as peças... ...ou se já era só mais um peão no tabuleiro de Catarina Piromalli.
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