O relógio da parede marcava quase dez horas. Anélisse desceu as escadas, o som dos seus passos ecoaram, no hall da sua casa, o eco bastou para acordar a furia do seu pai.
George Tomeras estava sentado na poltrona diante da lareira, semblante endurecido.
— Saiu de casa hoje pela manhã, Anélisse? — a voz soou baixa, mas carregada de ameaça.
Ela engoliu em seco.
— Sim, fui dar uma volta nos jardins.
— Dar uma volta? — ele riu, mas sem humor— Não minta pra mim, acha que sou bobo ?
O olhar dele era afiado como uma lâmina.
— Você foi atrás daquele maldito, não foi?
O coração dela disparou.
Por um segundo, quis negar. Quis fingir. Mas o tom do pai a travava.
— Pai… — começou, tentando manter a calma — Mattheo é meu amigo, só isso.
— Amigo? — ele se levantou, o ar ao redor mudando de temperatura. — Você sabe quem ele é. O que corre nas veias dele.George deu um passo à frente, o olhar frio.
— Ele não é o pai dele! — a voz dela subiu sem controle, carregada de raiva e defesa. — Mattheo não é igual a James Ross.
Por um instante, o silêncio foi sufocante.
Anélisse sentiu as mãos tremerem. Ela o encarava, mas por dentro a confusão e o medo se misturavam.
George permanecia diante de Anélisse, os punhos cerrados, os olhos fixos nela como se tentasse ler sua alma.
— Pai, eu não sinto nada por ele! — Anélisse afirmou respirando fundo para controlar o nervosismo. — Ele é só… um amigo.
George arqueou uma sobrancelha, o semblante frio.
— Só um amigo, é? — ele repetiu, como se desafiasse a própria palavra.
Com um gesto rápido, sacou a varinha e murmurou algo baixo, quase inaudível
“Revelare Memoriae!”
Um brilho azulado surgiu da ponta da varinha e envolveu Anélisse, prendendo-a no lugar.
Ela sentiu um formigamento, um frio correndo pela espinha.
— Pai… o que está fazendo? — sua voz vacilou, e ela tentou se afastar, mas não conseguiu.
George a olhou nos olhos, determinado.
— Vou ver a verdade. E você não poderá mentir para mim, como vêm fazendo nos últimos dias.
De repente, sua mente foi invadida por uma cena vívida.
Ela estava deitada na grama, o sol batendo em seus cabelos, e lá estava Mattheo, rindo dela enquanto segurava suas mãos.O coração dela acelerou instantaneamente .
Era a memória mais feliz que tinha: o primeiro beijo entre ela e Mattheo.
Ela sentiu o calor do momento, a suavidade dos lábios dele, o toque delicado das mãos dele em seu rosto.
As cores das rosas, o cheiro da grama e o som da risada dele tornaram-se intensos, quase sufocantes.
— Isso não… não! — ela tentou gritar, mas a magia impedia qualquer resistência.
George permaneceu impassível, observando cada reação.
— Viu? — disse em voz baixa, quase triunfante. — Isso não é “só amizade”, Anélisse.
O salão ficou silencioso, exceto pelo som da respiração de ambos, carregada de tensão e emoção.