Capítulo 6. Bruxa?

769 Words
Mattheo manteve-se nas sombras, invisível aos olhos distraídos da multidão. Seus passos eram calculados, o corpo misturado à massa de pessoas, mas a atenção dele estava inteira naquela figura pequena à frente. A moça caminhava tranquilamente, como qualquer jovem londrina. Passou por uma banca de rua, comprou uma bebida quente em um copo descartável — provavelmente café ou chá —, agradeceu com um leve sorriso ao atendente e seguiu andando, absorta em seus próprios pensamentos. Nada nela gritava “bruxa”. Nenhum gesto suspeito, nenhuma varinha à mostra, nenhuma atenção maior ao que se passava nas sombras. Apenas uma mulher normal, vivendo uma vida comum. Mattheo estreitou os olhos. Impossível. Ela atravessou mais duas ruas iluminadas, o vento frio fazendo-a apertar o casaco contra o corpo. Depois, entrou em uma travessa mais calma, até parar diante de um edifício alto e moderno, claramente normal, destinado a moradias. Mattheo se aproximou devagar, mantendo-se a uma distância segura. Observou-a abrir a porta com uma chave comum, de metal. Subir os degraus, desaparecendo no interior do prédio. O bruxo permaneceu parado na calçada, o olhar fixo na entrada do edifício. O incômodo crescia dentro dele como uma chama silenciosa. Um prédio normal? Seria ela apenas uma moça comum ? Mas, como ? Como ela estava em seus pensamentos sem nem ao menos saber disso?. Seria ela uma bruxa também ?. Mattheo tinha tantas perguntas. Era uma possibilidade perturbadora. Ela poderia ser apenas uma moça normal, perdida na multidão, sem ideia de quem ele era ou do que significava sonhar com ela, Mas se fosse apenas isso… por que o chamara pelo nome? Por que aparecia há tantos anos em seus sonhos, pedindo por ele? Outra hipótese se formou, mais lógica, mais aceitável: talvez fosse uma bruxa. Uma bruxa que escolhera viver discretamente entre os humanos, disfarçada, escondida. Talvez estivesse fugindo de algo. Ou de alguém. Mattheo encostou-se em um poste, os olhos castanhos observando o prédio como se pudesse atravessar as paredes e vê-la lá dentro. — normal ou bruxa… não importa. — murmurou para si mesmo, a voz grave carregada de determinação. — Vou descobrir. Ele permaneceu ali por alguns minutos, apenas refletindo. Cada detalhe da cena gravava-se em sua mente: o número do prédio, a rua, até a cor da porta de entrada. Agora ele tinha o ponto de partida. Mattheo aparatou de volta para sua casa em meio à escuridão da madrugada, o corpo rígido e a mente um completo caos.O estalo do feitiço ecoou pelo quarto silencioso, e ele retirou o sobretudo, jogando-o de lado com força. Sentou-se na poltrona próxima à lareira, onde as brasas ainda ardiam fracamente. Seus olhos castanhos fixaram-se no fogo, refletindo o movimento das chamas. Lá estava ela. Não em sonho. Não em um feitiço malformado. Mas em carne e osso. Mattheo passou a mão pelos cabelos, respirando fundo. Por anos aquela mulher habitara seus sonhos, tornando-se quase uma obsessão que ele jamais admitira em voz alta. Agora, a imagem dela caminhando pelas ruas de Londres, tão real, tão próxima, o perseguia mais do que qualquer ilusão onírica. — Morando entre meros mortais... — murmurou com desdém, a voz baixa e grave ecoando no cômodo. O pensamento o incomodava. Não porque menosprezasse as pessoas em si — ainda que tivesse herdado parte desse desprezo da sua família ( que odiava os que não eram bruxos)—, mas porque isso tornava tudo mais confuso. Se fosse uma bruxa, por que escolher viver escondida em um prédio comum, apagada em meio à multidão? E se fosse apenas uma humana… como diabos conseguia entrar nos seus sonhos, chamando-o pelo nome? Ele inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos, o olhar sério e atento. Nada disso é acaso. Mattheo nunca acreditara em coincidências. O mundo era feito de intenções, escolhas e manipulações. Se aquela mulher estava conectada a ele de alguma forma, era porque algo — ou alguém — havia criado essa ligação. O fogo estalou baixo, quebrando o silêncio. — O que você quer de mim? — sussurrou, como se a pergunta pudesse atravessar o tempo e o espaço até alcançá-la. Ele se recostou na poltrona, o maxilar travado, a mente já começando a arquitetar os próximos passos. Segui-la não seria suficiente. Ele precisava descobrir quem ela era, o que escondia, e principalmente, por que parecia estar ligada ao seu destino. Mattheo fechou os olhos por um instante. A imagem dela voltava: o olhar sério, a expressão perdida em pensamentos, o jeito de caminhar. Ela parecia comum. Mas não era. Não podia ser. E ele faria de tudo para descobrir a verdade.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD