Noite turbulenta

1256 Words
- Eu fiz um teste de DNA, para que não existam questionamentos, quando eu assumi-la publicamente como a minha primogênita e herdeira. - Ele continuou falando, como se não fosse a informação mais devastadora da minha vida. - Senhor Walker! - Fiquei de pé, em desespero. - Deve ter algum engano. - As lágrimas caiam dos meus olhos sem parar agora. Ele não pareceu abalado com a minha recusa. Muito pelo contrário. Ele teve a vida inteira para se acostumar com aquela ideia. - Aqui está tudo o que você precisa saber. - Ele me estendeu uma pasta grossa, preta e lisa, com o meu nome escrito. - Vá para casa, veja tudo, e volte quando estiver pronta. - Encarei a pasta como se fosse uma bomba. - Achei que ia me demitir. - Falei, me apegando a realidade conhecida. A única realidade que eu conhecia. - Não preciso dizer que desse momento em diante você não é mais uma empregada nesta casa. - O meu coração batia tão forte dentro de mim que eu achei que ia desmaiar. - Você é dona dessa casa, Amanda. - Senhor … - E não me chame mais de Senhor. Se não conseguir me chamar de pai, tudo bem. Me chame de John ou de Walker. - Eu estava incrédula, completamente, chocada. Ele colocou a pasta mais para frente, me oferecendo mais uma vez. - Vá para casa, Amanda. Leia os documentos, processe todas as informações e quando estiver pronta, volte aqui, e decidimos os próximos passos. - Segurei a pasta por puro reflexo. Eu não falei nada, somente virei, com a pasta na mão, e me dirigi para a porta. Dei uma última olhada para ele, que estava com um semblante muito mais leve, como se tivesse resolvido um problema gigante. E de fato tinha, mas agora, eu é tinha um problema gigante. Andei pelo corredor, quase correndo, sem realmente pensar nos últimos minutos. Parei mesmo de pensar, enquanto pegava a minha bolsa no quarto, enfiava a pasta dentro, e me dirigia à saída. Passei pelas pessoas, me despedindo de qualquer jeito, porque eu sabia que se eu parasse de me mover, eu ia desabar. E eu não podia desabar ainda. Eu estacionava o meu carro do outro lado da propriedade Walker, e a caminhada fez o meu sangue correr com mais força, e quando sai com o carro, precisei respirar fundo algumas vezes, para não passar do limite de velocidade ou causar um acidente. Dirigi por um tempo, sem rumo, apenas chorando e repassando a conversa que acabei de ter na minha cabeça. Tudo se encaixava agora. Eu conseguia ver cada momento de interação que presenciei entre a minha mãe e o Senhor Walker. Os olhares carinhosos e cheios de admiração. O cuidado dela. O respeito dele. E o ódio que a Patricia e a Dona Ruth pareciam nutrir por mim fazia total sentido agora. Quando me dei conta, eu estava no hospital, subindo pelas escadas, até o quinto andar, onde ficava o quarto da minha mãe. Corri pelos corredores e quando parei na porta do quarto, que estava aberta, eu finalmente desabei. Ela estava com um tubo na boca, completamente apagada, e a aparência dela era a mais abatida que eu já vira. Me aproximei da cama e sentei na cadeira ao lado dela. As minhas lágrimas não paravam, e agora eu chorava por outro motivo. Ela estava em coma e era impossível questionar sobre a história que o Senhor Walker tinha acabado de me contar. Eu queria entender, queria ouvir da minha mãe se aquilo tudo era verdade. Nunca pensei muito como o meu pai era. Nunca sonhei com o momento que o encontraria, ou que ele ia me assumir. Eu nunca precisei disso. Sempre fomos nós duas. E ela sempre me bastou. E descobrir que o meu pai sempre esteve ali, o tempo todo, que ele me viu crescer, que eu era fruto de um amor entre dois jovens que viviam realidades tão diferentes … Isso tudo realmente foi um choque. E tudo o que eu queria era que ela me contasse. Eu me sentia traída de muitas formas. E mesmo assim, não conseguia ficar brava. O resto da noite foi um borrão, não lembro de sair do hospital e nem de chegar em casa. Sei que tomei um banho longo, regado por lágrimas, e me joguei na cama, ignorando completamente a pasta que parecia me chamar de dentro da minha bolsa. Tomei um dramin e levei dois minutos para pegar no sono. Os meus sonhos foram misturas de imagens envolvendo garrafas de champanhe quebrando, girassois e olhos castanhos e quando o dia finalmente nasceu, eu me sentia pior que na noite anterior. Eu com certeza não estava pronta para encarar a realidade, mas eu não podia esperar muito. E foi esse pensamento que me obrigou a levantar da cama. Passei no hospital de novo, antes mesmo de tomar café, e depois de conversar com o médico, que em poucas palavras me disse que a minha mãe poderia acordar amanhã ou nunca, eu finalmente saí para a rua sem rumo. Depois de andar por alguns quarteirões, eu avistei um Starbucks e decidi que era o melhor lugar para encher o meu corpo de cafeína, que era imensamente necessária, e enfrentar a pasta que queimava dentro da minha bolsa. Tomei dois Coffees latte gelados, antes de abrir a pasta. Com muito medo do que encontraria ali. Ele disse que ali dentro tinha tudo o que eu precisava saber, incluindo o teste de DNA, que ele diz ter feito. Ignorei o sentimento de pânico que corria pelos meus ossos e abri a pasta. Dentro tinham papeis demais. Muitos documentos, contratos e uma outra pasta menor, com fotos. Fotos dos meus pais. Jovens. Apaixonados. Muitas fotos. E agora, encarando o Senhor Walker jovem naquelas imagens, ao lado da minha mãe, a história toda se tornou real. Eu sempre me achei muito parecida com a minha mãe, fisicamente. Menos os olhos. Ela dizia que eu tinha os olhos do meu pai, mas nunca disse o nome dele, afirmando que não se lembrava. E nas minhas mãos eu segurava uma foto dos dois, abraçados, de rostos colados, na beira de algum lago, ambos estavam sorrindo, e eu vi os meus olhos no rosto dele. Exatamente o contorno amendoado, o exato tom de verde que era tão incomum. Os cilios claros e o vinco ao lado, que só aparecia quando sorriamos. Não sei quanto tempo encarei a imagem, mas eu já estava no quarto café, quando resolvi enfrentar os documentos. O primeiro era um contrato de trabalho, com cláusulas específicas de confidencialidade, assinado pela minha mãe. O segundo era dos pais do Senhor Walker, com as mesmas cláusulas e incluindo a garantia do emprego da minha mãe de forma vitalícia. O terceiro era um teste de DNA, e sim, o meu nome estava nele. O meu e do Senhor Walker, e eu li muitas vezes a frase que dizia “ 99,9% de compatibilidade de paternidade". Bebi um longo gole do café, ainda encarando o papel. - Amanda? - Levei alguns segundos para processar que era comigo que aquela voz forte estava falando. Levantei os olhos, ainda segurando o papel que mudaria a minha vida para sempre, e encontrei um par de olhos castanhos. Os mesmos olhos que estavam presentes nos meus sonhos da noite anterior. Com um sorriso contido e lindo de morrer, parado diante de mim estava o ex-noivo da Patricia. Ou melhor, o ex-noivo da minha meia irmã.
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