Capítulo 3

1030 Words
Lívia Vestir o vestido foi como aceitar a minha sentença. O tecido, justo e curto, abraçava cada curva do meu corpo, e a gargantilha de argola no pescoço era um constante lembrete da liberdade que eu havia perdido. No espelho recém-instalado, uma nova Lívia me encarava: a Lívia que agora pertencia a ele. Meus olhos, antes cheios de vida, estavam opacos, carregados de uma fúria contida. A porta se abriu de repente, revelando o mesmo capanga de antes. Seu olhar, neutro mas frio, avaliou-me com a mesma indiferença que eu já percebera em todos ali. Era evidente que serviam Micael como se ele fosse a única razão de suas existências. — Ele mandou chamar — disse o capanga. Assenti e o segui. Meus saltos afundavam nos tapetes do corredor, e cada passo era um grito de desconforto. Eu nunca havia usado saltos; era mais uma parte do intrincado espetáculo de controle de Micael. Fui levada a uma sala de jantar suntuosa, adornada com madeira nobre, lustres cintilantes e copos de cristal. Parecia um cenário de novela, mas o cheiro de poder e dominação que emanava do ambiente era inconfundível. Micael já estava à cabeceira da mesa, vestindo uma camisa preta com os primeiros botões abertos. Seus braços musculosos e a pulseira de couro no pulso esquerdo reforçavam sua presença. Sua postura era relaxada, mas seus olhos estavam fixos em mim, como se eu fosse o centro de sua atenção naquela noite. — Senta — ordenou ele, apontando para a cadeira à sua direita. Eu me sentei. Dois pratos de comida fina e perfumada estavam à nossa frente, mas eu não conseguia tocar em nada. Estava absorta, tentando decifrar o jogo. Ele se serviu com calma, cortando a carne com uma despreocupação perturbadora, como se a mulher que ele havia arrancado à força de sua vida não estivesse sentada ao seu lado. — Está bonita — disse ele, sem desviar os olhos do prato. — Bonita para quê? — Para mim. Engoli a raiva, fixando os olhos no copo d’água. — Pensei que você fosse me humilhar com um quarto escuro. Não com salto e maquiagem. Ele riu, um riso breve e seco. — Você vai entender, com o tempo, que existem muitos tipos de controle. O que eu aplico é o que molda. O que transforma. O quarto escuro quebra. Mas o espelho... o espelho faz você se enxergar como eu quero que se veja. — Como objeto? Ele ergueu os olhos, pousando o garfo. — Como minha. Calei-me. A comida esfriava no prato, mas a fome havia desaparecido. O silêncio entre nós era denso, carregado de palavras não ditas e limites sendo testados. — Coma — ele ordenou. Peguei o talher com as mãos trêmulas. Obedecer era horrível, mas desobedecer... seria pior. Comi devagar, a garganta apertada, o gosto da raiva misturado ao tempero. — Você terá regras aqui. E vai segui-las — disse ele, enquanto comia com uma elegância assustadora. — Como um cachorro? Ele deu um meio sorriso. — Cães são leais. E bem treinados, protegem seu dono com a vida. Mas você ainda está no estágio de mordida. Vai aprender. Meu rosto queimou, mas não respondi. — Regra número um — continuou ele, enxugando a boca com o guardanapo —: você fala quando eu permitir. Regra dois: você nunca sai do quarto sem ser chamada. Três: você não toca em mim sem minha ordem. E quatro… — ele se inclinou para mais perto — você pertence a mim. Aceitando ou não. Ele segurou meu queixo com firmeza, forçando-me a encará-lo nos olhos. — Se quebrar qualquer uma dessas, a punição não será com palavras. Ele me soltou devagar. — Entendido? Assenti, os dentes cerrados. Ele voltou a comer como se nada tivesse acontecido. — Vai ficar aqui quanto tempo? — arrisquei. — O tempo que eu quiser. — E depois? Vai me largar? Vai me vender? Ele parou o garfo no ar, olhando-me como se calculasse mil possibilidades. — Isso vai depender de você. E de como você vai aprender a se encaixar no meu mundo. — Eu não sou desse mundo — rebati. — Agora é. Após o jantar, fui levada a um cômodo diferente. Era escuro, com paredes acolchoadas e uma cadeira de madeira no centro. Não era um quarto, nem uma sala. Era... estranho. Intimidador. Micael apareceu alguns minutos depois, sozinho. — Esse é o lugar onde a maioria aprende — disse ele, trancando a porta. — Aprende o quê? — A obedecer com prazer. Meu coração disparou. Ele se aproximou, os passos lentos. Sua mão alcançou meu braço, e mesmo que fosse um toque leve, o arrepio foi imediato. — Você está aqui porque foi entregue. Mas pode escolher como será sua experiência. Pode tornar isso um inferno... ou uma transformação. — Isso é loucura. — Não, Lívia. Isso é controle. E controle é tudo o que tenho. Ele me girou de leve, até que eu ficasse de costas para ele. Suas mãos passaram pelos meus ombros, descendo até minha cintura. Não foi carícia. Foi posse. — Hoje, só vou mostrar. Ele pegou uma fita de tecido preto e amarrou delicadamente meus pulsos, atrás das costas. Não forcei, não por submissão, mas por medo de piorar a situação. — Isso não é violência — ele sussurrou em meu ouvido. — Isso é entrega. Você só não percebeu ainda. Fiquei imóvel, a respiração acelerada. Ele não fez mais nada. Virou-me de frente, tirou a fita com calma e me olhou nos olhos. — Quando você entender o que é prazer na obediência... vai me agradecer. Ele saiu da sala sem dizer mais nada, deixando-me ali, tremendo. Não de frio. Mas de algo que eu não sabia nomear. Horas depois, sozinha no quarto, encarei o teto escuro e tentei organizar meus pensamentos. Ele não me tocou. Não me machucou. Mas me feriu com algo muito mais profundo: o controle que entrava sorrindo, que se instalava devagar, que confundia o que era certo e errado dentro de mim. Eu ainda odiava Micael. Mas pela primeira vez, temi não o que ele faria comigo… e sim o que ele já estava fazendo dentro de mim.
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