A Selva de Pedra

677 Words
Maitê Enquanto o ônibus seguia em direção a cidade grande, tentei limpar meus pensamentos. Eu já tinha feito uma escolha. Estava feliz, então, não podia deixar o medo me consumir. Quando o ônibus finalmente parou no terminal, a primeira coisa que me atingiu foi o barulho. Um turbilhão de buzinas, vozes, motores, música alta e um cheiro estranho de fumaça e... suor. Não parecia em nada com o ar puro do interior. Na verdade, era quase sufocante. Sorri! O choque foi imediato. As pessoas andavam rápido, com se estivesse com pressa. Algumas corrias, outras gritavam e outras quase se jogavam para dentro do ônibus em busca de lugar. Eu tentei sorrir para algumas, mas parecia que elas não tinham nem mesmo tempo para retribuir meu sorrio. Na verdade, me dei conta de que eu estava invisível. De que era só mais uma no meio de tanta gente. Eu era só mais uma formiga nesse formigueiro gigante. Cheguei aqui com um plano traçado. Na minha cabeça o acolhimento do novo lugar chegaria assim que colocasse meus pés nessa cidade. Meu plano inicial era simples: conseguir um emprego, qualquer um, juntar dinheiro e alugar um quartinho. Mas a realidade me deu um tapa na cara logo de cara. O dinheiro que eu tinha não dava para muita coisa, mas teria que ser o bastante para me virar por pelo menos uma semana. Ainda com as malas nas mãos comecei a procurar por emprego. E quando o dia chegou ao final uma ponta de pavor começou a surgir. As vagas de emprego exigiam experiência que eu não tinha. Os aluguéis eram exorbitantes. Eu me senti minúscula, perdida no meio de tantos edifícios imponentes que pareciam rir da minha ingenuidade. Os dias foram passando. Passei as primeiras noites em um albergue barulhento e impessoal, dividindo quarto com umas cinco mulheres que entravam e saíam a qualquer hora. O dinheiro que trouxe estava derretendo mais rápido do que um picolé no sol de meio-dia. Tudo aqui era caro demais, e as minhas economias que já não eram muitas estavam se desfazendo enquanto eu piscava os olhos. O desespero começou a apertar. Eu ligava para casa, inventando histórias sobre como tudo estava dando certo, para não preocupar minha mãe. Eu não queria mostrar fraqueza. Eu quis sair, eu quis vir para um lugar onde não conhecia. Eu quis me aventurar. Mas a verdade era que eu estava à beira de desistir. As pessoas não me olhavam. Não se importavam quando eu dizia que aceitaria até mesmo o serviço com faxina. Aparentemente, até para fazer faxinas eu precisava de experiência. E não é como se eu não soubesse como limpar uma cozinha, um quarto, uma sala, ou seja lá o que fosse. O problema é que eu não tinha como comprovar. Eu não tinha experiência comprovada em lugar nenhum. Um dia, vasculhando anúncios de emprego e moradia em um jornal velho que alguém deixou num banco de praça, vi um aviso colado com fita adesiva num poste: — Aluga-se casa pequena no morro. Bom preço. Falar com Dona Neide. — O tal "morro" me deu um arrepio na espinha. No interior, "morro" era sinônimo de perigo, de gente r**m, de coisas que a gente via na televisão e fingia que não existia. Mas o "bom preço" me fisgou. Eu já tinha tentado de tudo e não tinha mais opções. Com o coração na mão, peguei o endereço. As direções eram vagas, algo sobre "subir a rua principal e perguntar na padaria do Zé". Não era como os endereços organizados do asfalto. Era o começo de uma jornada que eu não imaginava. Eu estava entrando em um mundo que me parecia mais distante do que qualquer outro lugar que eu já tinha pisado. A esperança se misturava ao medo, uma sensação estranha, mas que me impulsionava para frente. O morro, a temida favela, era a minha última cartada. E eu estava disposta a jogar. Ou era isso, ou eu teria que pegar minhas coisas e voltar para casa me sentindo uma fracassada por ter desistido.
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