A penitenciária
A noite parecia um véu pesado, uma névoa estranha tingia os prédios, os tons de cinza de uma cidade podem ser milhares, o concreto, o metal, a noite... A frieza que ninguém vê e que todos sentem. Dentro da penitenciaria o ar era carregado de uma tensão palpável, que pairava sobre os corredores estreitos e as celas escuras, todos ali conheciam a violência, não eram inocentes apesar de muitos jurarem que sim, podiam estar pagando por crimes que não cometeram, mas havia pecados a serem pagos, sempre havia.
Entre eles, Cristiano, o homem que recebeu o nome de um dҽmôniơ, ainda lembrava da história que ouvia da mãe quando era criança.
Marcia dizia que o marido havia provocado um “holgan”, mestre de uma religião tão antiga quanto a humanidade, depois de uma noite com Sibila o senhor recém-chegado à Bahia nunca mais foi o mesmo, passou a fazer ruídos estranhos durante a noite, sacrificou e comeu a carne de um cachorro de rua. A mulher em desespero pelo marido perguntou ao “espírito” o que ele queria para deixá-los em paz, a resposta?
“Está grávida! Será um menino, dê a ele meu nome e seu homem vive.”
Ela concordou e o marido caiu no chão como se fosse um saco vazio, quando José se levantou embaixo do seu corpo havia um nome queimado. CRISTIANO.
Ninguém jamais questionou e Marcia cumpriu sua promessa, o primogênito foi batizado com o nome que amaldiçoaria cada passo do seu caminho.
Na detenção recebeu o vulgo de Muralha, ele costumava evitar algumas brigas e execuções, raramente lutava, mas o tamanho e o porte físico eram o bastante para que apenas ficando parado entre os líderes de gangue e a vítima fosse o bastante. Com o tempo, Muralha passou a ser conhecido como um mediador entre os carcereiros e os presos, o homem dificilmente perdia a paciência, mas todas as vezes que se irritou foi até o fim, só houve uma pessoa que conseguiu controlar o ímpeto do homem. Helen, uma menina de pouco mais de treze anos, cabelos longos e pele clara, ele estava no ensino médio, gostava de rock and roll, fumar mαcơnhα e passar as noites entre confusões e orgias, ela, filha única de uma família de classe média, gostava de literatura, estudar e sonhava com o dia em que seria advogada. Foram um por muito tempo, a menina se fez mulher nos braços dele, mas foi ela quem ofereceu equilíbrio, cuidado, conselhos... Entrou no infernơ para resgatá-lo, abriu mãos dos próprios sonhos, mas também foi feliz.
Ela era a única que ele jamais seria capaz de ferir, mesmo o mαl que habitava seu corpo parecia respeitar a força daquela garota. Só que nem todo grande amor é para sempre e o deles chegou ao fim, um dia Helen simplesmente se cansou de ser forte, de ser base e partiu.
Da tarde em que ela entrou no carro levando apenas uma mala com roupas e o fundo do poço, foi pouco tempo. Ele voltou para as drogαs, o álcool, se envolveu em confusões, mulheres que só o usaram e tiraram tudo o que construiu, por fim, não havia sobrado nada.
A cela fria estava silenciosa, o único som que ecoava era o arrastar metálico das grades quando alguém se movia. Sentado no beliche, Muralha deixava os olhos vagarem pelo teto sujo, tentando não pensar no que o aguardava. Suas mãos estavam geladas, e o frio da noite penetrava nos ossos através das paredes úmidas.
Havia um clima estranho naquela noite. A maioria dos detentos estava absorta em seus próprios pensamentos ou cochilava em um canto escuro. Muralha, no entanto, estava alerta. O incidente que o trouxera até ali ainda parecia um borrão em sua mente. A discussão acalorada, o empurrão, o sangue... Lembra de pouco, mas conhecia a teoria, seu advogado, um defensor público apareceu duas vezes, o julgamento foi uma piada e a condenação a pior.
Um barulho distante o tirou de seus devaneios. Passos, lentos e deliberados, ecoaram pelo corredor. Muralha ergueu a cabeça e seus olhos se encontraram com os de outro detento. Um homem de meia-idade, olhos sombrios e um semblante carregado de culpa. Erick era um mercenário, expulso do exército usou o que sabia para ganhar dinheiro, mas o poder o fez ultrapassar alguns limites e alguns foram pesados demais. O aceno de Erick foi quase imperceptível, mas também uma demonstração de respeito, Muralha apenas o encarou, não fazia alianças com esse tipo de homem, nem mesmo estando no fundo do poço.
As horas se arrastavam, cada minuto parecendo uma eternidade. Finalmente, a porta de ferro rangeu quando um guarda entrou, a silhueta iluminada apenas pela luz fraca de uma lanterna. Ele caminhou até a cela, deslizou a chave na fechadura, abrindo-a com um som metálico que ecoou pelo lugar.
- Seu advogado está aqui
O carcereiro disse com a voz soando dura e sem emoção, odiava aquele trabalho e gostava menos ainda quando a lei o obrigava a trabalhar. Muralha se levantou, suas pernas rígidas pela falta de movimento, a dor irradiou até a coluna, o peso dos músculos também cobra o seu preço. Seguiu o guarda pelos corredores até uma pequena sala de visitas.
Do outro lado do vidro embaçado, quem o aguardava era uma mulher com cabelos escuros e um olhar determinado. Ela se levantou quando o viu, uma mescla de alívio e preocupação em seu rosto. Muralha se aproximou e apoiou a mão no vidro, do lado oposto ao dela. Os olhos dos dois se encontraram, compartilhando um momento de conexão em meio ao desespero.
- Está tudo bem?
Ela perguntou, sua voz carregada de sentimento quase não foi ouvida através do interfone. Muralha assentiu, forçando um sorriso que não alcançou seus olhos. Sempre tentava brincar, muito tempo havia se passado, mas a reconheceria em qualquer lugar.
- Vamos resolver isso.
Ela prometeu com a determinação e força que sempre estiveram presente naquele rosto angelical e meticulosamente bonito.
Ele assentiu novamente.
- Agora eu sei
Muralha murmurou, sua voz quase se perdendo no som abafado da sala de visitas.
Ela balançou a cabeça, seu olhar nunca deixando o dele.
O tempo parecia congelar enquanto eles se olhavam, separados por uma barreira invisível. No entanto, naquele momento, naquela noite escura e sombria na cadeia, havia uma promessa silenciosa entre eles.
Helen estava casada e Bruno era o oposto completo do ex-companheiro, um empresário que construiu o patrimônio com esforço e dedicação, o atual marido era gentil, carinhoso, admirava a mulher que conheceu vendendo chocolate na rua para pagar a faculdade de direito em que passou como aluna destaque.
Se apaixonaram e ela pela primeira vez ela pode ser cuidada ao invés de cuidar, mas quando soube de Muralha por uma coincidência em um churrasco na casa da mãe, ela decidiu que não podia simplesmente esquecer.