Durante dois dias, Eleonora permaneceu reclusa no quarto da mansão.
A correria dos empregados, os ensaios, a movimentação da mídia do lado de fora… tudo pareceu distante. O quarto, silencioso e decorado com flores brancas que ela não escolhera, tornou-se o seu refúgio e sua cela. A única certeza que a acompanhava era a de que o casamento aconteceria — e rápido.
Do lado de fora, o escândalo envolvendo Dom Carlo havia sido abafado com a mesma força que se esconde um corpo: com pressa, dinheiro e um casamento de fachada. Agora, Eleonora seria a noiva salvadora de reputações.
No espelho, o vestido tomara-corpo moldava sua figura com delicadeza, e o véu caía suave pelos ombros. Ela estava linda. Mas não se sentia linda. Sentia-se invadida, usada… e ao mesmo tempo, determinada.
A mãe entrou devagar no quarto.
— Está pronta?
— Nunca vou estar — respondeu Eleonora, olhando para o próprio reflexo. — Mas é hora, não é?
A mãe apenas assentiu, com os olhos marejados.
— Você está fazendo algo que poucos teriam coragem. Eu te amo por isso.
Eleonora sorriu de canto, segurando o choro.
— Mãe… eu decidi entrar sozinha.
A mulher a olhou, surpresa.
— Tem certeza?
— Tenho. Eu quero guardar a lembrança de meu pai me levando ao altar para o dia em que isso acontecer por amor. Quando for real. Quando for meu.
— Você está certa — disse a mãe, com um nó na garganta. — E ele vai entender.
E entendeu.
Pouco antes da cerimônia começar, o pai de Eleonora foi chamado ao altar. Dom Carlo o aguardava, cercado por flores brancas, convidados importantes e câmeras discretas.
— Ela quis entrar sozinha — explicou o pai, ainda com o coração apertado. — E eu respeitei. Mas antes que tudo comece, preciso ouvir de você, mais uma vez, a sua palavra.
Dom Carlo o encarou.
— Tudo será cumprido conforme prometido.
— Isso inclui respeitá-la.
— Isso, principalmente — respondeu ele, firme. — Eu não tocarei nela sem consentimento. E não a forçarei a nada. Essa foi a condição, e ela será mantida.
O pai assentiu, com olhos marejados.
— Ela está aqui por nós. Pela irmã. Pela dívida que nos afundou.
— E por isso será protegida — disse Dom Carlo, e pela primeira vez, sua voz pareceu humana. — Palavras de honra.
Os sinos começaram a tocar.
As portas se abriram.
Eleonora surgiu no fim do corredor, vestida de branco e sozinha.
Não era a entrada que sonhara desde criança.
Mas era a mais corajosa de todas.
Eram os próprios pés que a levavam, com o coração apertado e o queixo erguido.
Os olhos fixos em Dom Carlo.
Ela não era conduzida.
Ela estava indo por escolha.
Por amor à irmã.
Por sacrifício.
Por algo maior.
E mesmo Dom Carlo, acostumado a manipular o mundo, sentiu-se pequeno diante dela.
Os passos de Eleonora soavam como marteladas em sua própria consciência, mesmo que a música fosse suave, delicada, quase sagrada. Cada olhar lançado em sua direção, cada sorriso discreto dos convidados, parecia parte de um espetáculo onde todos fingiam não saber que ela estava ali por obrigação.
Quando parou diante do altar, o silêncio pareceu mais alto que os sinos.
Dom Carlo estendeu a mão.
Ela hesitou por meio segundo — o bastante para que ele notasse. Então, segurou a mão dele. Fria. Firme. Controlada.
a cerimônia prosseguiu como um casamento comum até que o celebrante sorriu com solenidade e anunciou:
— Os noivos prepararam seus votos. Vamos ouvi-los.
Dom Carlo foi o primeiro a se virar para Eleonora. Havia algo de quase ameaçador na calma que ele exalava, mas sua voz foi surpreendentemente suave — não doce, mas medida. Pensada. Impecável.
— Eleonora…
Desde o primeiro momento, sua presença me desafiou.
Você é força disfarçada de delicadeza. É a prova de que coragem também pode usar véu.
Hoje, diante de todos, eu prometo que caminharei ao seu lado com honra.
Prometo proteger o que é seu, respeitar quem você é, e construir com você algo que seja real — mesmo quando o mundo ao redor for só fachada.
Não prometo que será fácil. Mas prometo não te deixar sozinha diante do que vier.
Eleonora sentiu um arrepio.
Não pelas palavras em si. Mas pelo que havia por trás delas. Ele não mentiu — apenas disse tudo com camadas. Como sempre.
Chegou sua vez.
Ela respirou fundo e virou-se de frente para ele. Sua voz saiu firme. Não havia tremor, nem hesitação. Apenas verdade disfarçada de promessa.
— Carlo…
Hoje eu recebo seu nome, mas trago comigo tudo o que sou.
A força da minha história. O amor pela minha família. E a coragem de quem escolheu não fugir.
Prometo respeitar você em público e em silêncio, mesmo quando discordarmos em voz baixa.
Prometo construir paz onde houver guerra. E manter minha essência, mesmo vestida de aliança.
E, acima de tudo, prometo lembrar todos os dias por que estou aqui — para dar o meu melhor, mesmo nas condições mais improváveis.
Alguns convidados sorriram, emocionados com o que parecia ser uma união improvável que floresceu.
Ninguém imaginava a verdade.
O padre assentiu, com um leve brilho nos olhos.
— Pelo poder a mim concedido, declaro vocês marido e mulher. Que este seja o início de uma jornada marcada pela verdade, pelo respeito… e pela construção de algo duradouro.
Dom Carlo não se aproximou para o beijo. Apenas levou a mão de Eleonora aos lábios e depositou ali um toque breve, formal… e estrategicamente gentil.
E assim, o contrato foi selado.
Perante o mundo, um casamento de amor.
Entre eles, o início de uma guerra silenciosa.
A festa de casamento era deslumbrante — como tudo o que envolvia o nome Dom Carlo.
Cristais pendiam do teto, como estrelas congeladas. As mesas reluziam com porcelanas finas e arranjos florais que pareciam impossíveis de tão perfeitos. Os convidados mais influentes da cidade se espalhavam pelo salão, brindando, rindo, especulando.
O casal da noite, no entanto, mantinha o mesmo ar de distanciamento elegante que tinha no altar.
Eleonora seguia Dom Carlo de perto, sempre com um sorriso leve, polido, medido. Era como se ela tivesse treinado anos para parecer a esposa ideal — mas, por dentro, ela queimava.
Os flashes das câmeras eram incessantes. Era óbvio que aquela festa estava sendo registrada para ser capa de revista, manchete de colunas, imagem de vitrine.
Foi então que anunciaram o momento do bolo.
Todos se reuniram à frente do imenso arranjo branco e dourado. O bolo tinha sete andares, cada um com detalhes esculpidos à mão. Era tão simbólico quanto exagerado.
Dom Carlo pegou a faca prateada. Eleonora apoiou a mão sobre a dele.
As lentes se voltaram para eles.
Corte feito. Aplausos.
Esperava-se um brinde. Um gesto de carinho. Um beijo.
Mas Dom Carlo não se moveu. Mantinha o mesmo semblante calculado.
Foi aí que Eleonora tomou o controle.
Sem avisar, virou-se para ele, levou a mão à nuca do marido e o puxou para um beijo.
Não foi um beijo comum.
Foi quente, firme, inesperado.
Um beijo que deixou os convidados boquiabertos.
As câmeras dispararam em sequência.
Dom Carlo, pego de surpresa, por um instante retribuiu — ou talvez tenha perdido o controle que tanto prezava.
Quando ela se afastou, os olhos dele estavam entre o choque e o desejo.
E então Eleonora sorriu. Um sorriso doce, ensaiado… mas seus olhos ardiam.
— Se precisamos fingir na frente de todos — sussurrou, com os lábios quase tocando os dele — então por favor, faça direito.
Dom Carlo não disse nada. Mas seu maxilar estava tenso. O sangue corria sob a pele de maneira diferente.
Ela acabara de mexer uma peça no jogo que ele pensava controlar sozinho.
Naquela noite, Eleonora não era apenas a noiva.
Era uma jogadora.
E ele sabia que, a partir dali, subestimá-la seria um erro fatal.