Prólogo
Alice Martins sabia exatamente como sua vida tinha saído dos trilhos: um bolo de aniversário pegando fogo, uma criança pendurada no lustre e um pombo desorientado voando dentro da casa. O que ela não sabia era como tinha parado ali, segurando um telefone e ouvindo um homem que soava como se tivesse engolido um banco oferecer-lhe um trabalho irrecusável.
— Você tem experiência com crianças difíceis? — perguntou a voz séria do outro lado da linha.
Alice olhou para o caos ao seu redor. A pequena Sofia gritava porque um brigadeiro tinha sumido (Alice tinha comido, mas negaria isso até a morte), Miguel estava coberto de glitter até os dentes, e o gato da casa estava claramente tentando invocar alguma entidade maligna no canto do sofá.
— Digamos que eu sou uma espécie de domadora de ferinhas— respondeu, chutando discretamente um brinquedo que pegava fogo para debaixo da mesa.
A voz pigarreou.
— Precisamos de alguém que seja firme. Profissional. Que não se impressione fácil.
Alice riu. O homem claramente nunca tinha levado um chute de uma criança de três anos vestida de princesa enquanto segurava um balde de vômito.
— Meu nome é Ethan Blackwood. Preciso de uma babá para os meus sobrinhos. Urgentemente. Me disseram que você é a melhor com crianças temperamentais.
Alice congelou. Ethan Blackwood. O tubarão de Wall Street?! O homem que demitia pessoas por e-mail usando um emoji de "joinha".
— Ah. Você é o magnata sem alma.
Houve um silêncio mortal do outro lado.
— Você sabe que eu ainda estou na linha, certo?
— E eu sei que você ainda é um magnata sem alma. Mas prossiga.
Mais silêncio. Depois, um suspiro.
— Meus sobrinhos precisam de uma babá. Eles são... exigentes. Todas as candidatas anteriores desistiram.
Alice sentiu um arrepio na espinha. Crianças que assustavam babás normalmente vinham em duas categorias: "pequenos gênios do crime" ou "animais selvagens criados por lobos". Ambas eram sua especialidade.
— Costumo lidar bem com crianças difíceis.
— Pago o dobro do que você ganha atualmente.
Ela quase engasgou.
— Você nem sabe quanto eu ganho.
— Não importa. O triplo. Eu preciso urgente.
Alice estreitou os olhos. Era pegadinha? Uma câmera escondida? O que vinha depois? Uma exigência absurda, como usar um uniforme vitoriano e servir chá pontualmente às cinco?
— Tem pegadinha nisso?
— Nenhuma. Você aceita ou não? São filhos da minha irmã. Ela não está e eu preciso de alguém que fique com eles. Isso não é uma brincadeira, senhorita.
Alice olhou ao redor. O bolo continuava pegando fogo. O pombo agora tentava escapar pela televisão. E, no meio da sala, Miguel esfregava glitter na cara como se fosse um ritual de purificação.
Ela respirou fundo.
— Quando começo?
Ethan Blackwood sorriu do outro lado da linha. Alice até escutou o suspiro aliviado.
Era sempre assim. Pais desesperados com emergências com crianças.
— Amanhã de manhã. E não se atrase. Meu RH vai falar com você.
Alice desligou o telefone, olhando para o caos à sua frente.
— Bom, gente... acho que acabei de vender minha alma.
Miguel, ainda coberto de glitter, ergueu os braços e gritou:
— VIVA A BRUXA DO GLITTER!
Definitivamente, ela estava pronta para qualquer coisa.
Ou assim pensava.