HELENA NARRANDO:
Eu ainda estava com as mãos geladas, segurando aquele pedaço de plástico como se ele tivesse o poder de acabar de vez com a minha vida. O resultado me encarava, as duas linhas vermelhas quase gritando para mim. Era como se cada traço fosse uma sentença definitiva: positiva.
O ar parecia mais tenso, difícil de puxar para dentro dos pulmões. Eu estava tremendo dos pés à cabeça, e não sabia se era raiva, medo ou as duas coisas misturadas. O coração batia tão rápido que eu sentia cada pulsação na garganta. Engoli seco, as lágrimas já queimando atrás dos olhos. Uma gravidez fruto de algo que eu nem gosto de lembrar, algo que me tirou a paz, o sono, a fome... tudo.
Eu respirei fundo, tentando me controlar, mas a cada segundo que passava, mais uma sensação de sufocamento tomava conta de mim. Eu precisava falar com ele. Precisava jogar na cara dele o resultado disso tudo. Meu pai. O homem que deveria ter me protegido, mas preferiu proteger um maldito sobrenome.
Desci as escadas com passos pesados, o barulho ecoando pelo mármore frio da casa. Cada degrau que eu pisava era como se a raiva crescesse mais. Eu estava nervosa, quase em um estado de transe. O corredor parecia mais longo do que de costume, mas quando cheguei à porta do escritório dele, respirei fundo.
Ele estava sentado atrás daquela mesa enorme de madeira, falando ao telefone, com o tom de voz autoritário de sempre. Quando me viu na porta, arqueou a sobrancelha, como se estivesse se perguntando o que eu queria. Eu não disse nada. Só entrei, caminhei até a mesa e joguei o teste em cima dela.
— Tá feliz agora?! — minha voz saiu alta, quebrada pelo choro que eu tentava segurar.
— Olha a merda que aconteceu porque você não queria manchar a p***a do nome dessa família de merda!
Ele franziu o cenho, ainda com o telefone na orelha, e por um segundo pareceu não entender. Então, calmamente, desligou a ligação. Os olhos dele caíram sobre o teste, e eu vi seu rosto endurecer.
Ele se levantou devagar, contornou a mesa e veio na minha direção. Eu, por um instante, pensei que ele fosse dizer alguma coisa… mas o que veio foi um tapa tão forte que minha cabeça virou para o lado. A dor ardida espalhou-se pelo meu rosto.
Levei a mão à bochecha, sentindo as lágrimas finalmente transbordarem.
— Você é um lixo — falei, minha voz trêmula.
— Você devia ter me protegido, mas não…
— Se você tivesse em casa como uma pessoa normal, nada disso teria acontecido! — ele berrou, cuspindo cada palavra com desprezo.
— Mas não! Você estava bebendo, usando roupa vulgar…
Senti o peito queimar.
— f**a-se! Ninguém tem o direito de me tocar! Ninguém! — gritei de volta, a garganta queimando.
Ele estreitou os olhos, respirando fundo, como se minha resposta tivesse atravessado a última linha de paciência que ele tinha.
— Pega suas coisas e vai embora dessa casa.
Por um segundo, achei que tinha escutado errado.
— O quê? — minha voz falhou.
— Você ouviu. Esquece que tem família. Pega tudo o que é seu e some daqui.
Eu fiquei parada, olhando para ele, tentando entender se ele realmente tinha dito aquilo. Mas não havia arrependimento no rosto dele, só frieza. Era como se eu não fosse nada além de um peso inconveniente que ele queria se livrar.
O mundo girou. Meu corpo estava leve demais, como se fosse desabar a qualquer momento. Sem dizer mais nada, virei as costas e subi as escadas com as pernas trêmulas. Cada passo parecia pesar toneladas. Quando cheguei ao meu quarto, fechei a porta com força e finalmente deixei o choro escapar de verdade.
Caí sentada no chão, encostada na cama, abraçando meus próprios joelhos. Eu não conseguia acreditar. Eu não conseguia entender como um pai poderia dizer algo assim para uma filha, ainda mais em um momento como esse.
Mas não havia escolha. Eu precisava ir embora.
Comecei a abrir as gavetas, pegando minhas roupas e jogando dentro da mala sem dobrar. Meus dedos tremiam tanto que eu m*l conseguia segurar os zíperes. Entre um movimento e outro, minhas lágrimas caíam nas roupas, deixando manchas escuras no tecido.
Fui até a caixinha onde guardava as joias que eu tinha, presentes de aniversário, presentes da minha mãe e e joguei tudo dentro da bolsa. Abri a gaveta secreta no fundo do armário, onde eu mantinha um pouco de dinheiro escondido. Peguei cada nota, cada centavo, e coloquei junto.
Enquanto enfiava minhas coisas na mala, minha mente corria. Eu não sabia para onde ir, não tinha um plano, não tinha ninguém próximo que pudesse me acolher sem fazer perguntas que eu não queria responder. Só sabia que não podia ficar ali.
Fechei a mala com força, peguei a bolsa e respirei fundo. Meu corpo parecia feito de chumbo, e cada passo até a porta foi como atravessar um campo minado.
Quando desci as escadas, ele não estava na sala. Talvez tivesse ainda no escritório, talvez estivesse em outro cômodo, não me importava. Eu só queria sair antes que minha coragem se desfizesse.
Abri a porta da frente, e o vento frio da bateu no meu rosto molhado de lágrimas. Caminhei até o portão com o coração disparado, como se fosse uma criminosa fugindo da própria casa.
Assim que coloquei o pé na calçada, a sensação de vazio tomou conta. Eu estava sozinha. Sozinha, grávida, e sem ter para onde ir.
Apertei o passo, segurando a mala com força, tentando engolir o choro que insistia em escapar. Não queria que ninguém na rua me visse nesse estado.
Mas, por dentro, eu sabia… essa era apenas a primeira noite de um longo e doloroso caminho.