HELENA NARRANDO:
Um mês depois...
Quatro semanas inteiras desde que aquele inferno invadiu minha vida e arrancou de mim a sensação de segurança que eu achava que tinha. Desde então, parecia que tudo tinha perdido a cor. As pessoas continuavam andando pelas faculdade, rindo, vivendo, mas para mim… nada tinha graça. Era como se eu estivesse presa atrás de um vidro grosso, vendo o mundo se mover, mas sem conseguir fazer parte dele.
Meus dias eram sempre os mesmos: de casa para a faculdade, da faculdade para casa. Às vezes nem lembrava do que tinha assistido nas aulas. Eu anotava, respondia chamada, mas minha cabeça estava em outro lugar. Quando chegava em casa, subia direto para o quarto, trancava a porta e ficava deitada, encarando o teto.
Minha mãe tentava conversar comigo. Mas eu… simplesmente não tinha forças. O apetite desapareceu. As roupas começaram a ficar largas. No espelho, meu rosto estava mais pálido, e as olheiras eram profundas, como se eu não tivesse dormido por anos.
E talvez não tivesse mesmo.
As poucas vezes que o sono vinha, ele trazia junto pesadelos que me faziam acordar com o coração disparado e a respiração pesada. Sempre a mesma sensação sufocante, como se eu ainda estivesse lá, presa, sem saída.
Mas, naquela manhã, algo diferente aconteceu.
Eu estava na aula de Teoria Geral do Direito, tentando me concentrar nas palavras do professor, quando uma náusea forte subiu do nada. Não era aquela pontada leve de quando a gente come algo estragado, era intensa, como se o estômago tivesse virado de ponta-cabeça.
Fechei os olhos, respirei fundo e tentei disfarçar. Mas a cada minuto que passava, a sensação piorava. Tive que pedir licença e sair correndo até o banheiro.
Me apoiei na pia, respirando com dificuldade, esperando que a tontura passasse. Olhei meu reflexo no espelho: eu estava ainda mais pálida que de costume. Passei um pouco de água no rosto, mas a náusea não cedia.
De repente, algo me atravessou como um raio.
Não… não podia ser.
Eu me lembrava claramente de tudo que aconteceu depois daquele maldito dia. Do hospital, do médico, das enfermeiras. E, principalmente, de ter tomado a pílula do dia seguinte. Eu tinha feito tudo o que era possível para evitar.
Sacudi a cabeça, tentando afastar aquele pensamento.
— Não, não… isso é impossível. — murmurei para mim mesma, mas a voz saiu fraca, quase como se eu estivesse tentando me convencer à força.
Voltei para a sala fingindo que estava melhor. Mas minha mente já não estava mais lá. Cada segundo parecia se arrastar. Eu olhava para o relógio, torcendo para o tempo passar logo.
Assim que o professor encerrou a aula, eu saí apressada,
Encontrei com Gael, o motorista, já me esperando encostado no carro. Eu m*l consegui cumprimentá-lo, meu estômago ainda revirando com aquele enjoo estranho. Entrei no banco de trás e pedi, com a voz mais neutra possível:
— Gael, pode parar na farmácia antes de ir pra casa?
Ele apenas assentiu e seguiu o caminho. Assim que estacionou, desci rápido, sem olhar para os lados. Caminhei até o balcão, pedi o teste de gravidez e senti minhas mãos suarem quando a atendente colocou a caixinha na minha frente. Paguei e voltei para o carro, tentando não pensar demais… mas meu coração já batia como se soubesse a resposta.
Quando finalmente cheguei, a primeira coisa que fiz foi subir correndo as escadas. Meu coração batia tão rápido que parecia que ia sair do peito.
Tranquei a porta do quarto e fui direto para o banheiro.
Minhas mãos tremiam quando segurei a embalagem.
Eu não queria. Eu realmente não queria confirmar o que estava passando pela minha cabeça. Mas a possibilidade estava martelando dentro de mim, e ignorar não ia fazer com que desaparecesse.
A cada minuto, minha respiração ficava mais curta.
Fechei a porta, encostei as costas nela e fiquei parada por alguns segundos, tentando reunir coragem. As instruções do teste estavam claras. Eu sabia exatamente o que fazer.
Com mãos trêmulas, abri a embalagem e tirei o teste. Meu coração parecia estar no meu ouvido, batendo rápido demais.
Me sentei, fechei os olhos por um instante e inspirei fundo, como se isso fosse me dar forças. Mas no fundo eu sabia… qualquer que fosse o resultado, minha vida poderia mudar para sempre.
E, quando finalmente comecei a fazer o teste…
O mundo pareceu parar.
Eu fiquei parada, olhando para aquelas duas linhas vermelhas como se fossem uma sentença. O teste de gravidez descansava sobre a pia do banheiro, mas parecia que ele me encarava de volta, c***l, impassível, me lembrando de tudo o que eu queria esquecer.
Meu peito começou a apertar, e antes que eu percebesse, as lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto. Elas caíam quentes, misturando-se com o gosto amargo que subia da minha garganta. Eu tremia. Tremia tanto que precisei me apoiar na pia para não desabar ali mesmo.
— Não… não pode ser… eu tomei a pílula no hospital… eu fiz tudo certo… não pode ser… — eu repetia para mim mesma, como se as palavras pudessem reescrever a realidade. Mas as duas linhas continuavam ali, tão nítidas, tão reais.
Uma gravidez.
E não qualquer gravidez.
Uma gravidez fruto de um pesadelo que eu nunca pedi para viver. Um pedaço vivo do trauma que ainda me sufocava todas as noites.
Senti o chão se abrir sob meus pés. Eu não sabia o que fazer. Não sabia como respirar. Não sabia como seguir em frente com isso.
Meus dedos apertaram a borda da pia com força, e eu fechei os olhos, tentando expulsar as imagens. Mas era inútil.
Me sentei no chão frio do banheiro, abraçando as próprias pernas, e chorei. Chorei até sentir a garganta arder, até meus olhos latejarem. Eu não queria esse bebê. Mas ao mesmo tempo, a culpa por pensar assim já começava a me esmagar. Como se o mundo fosse me julgar antes mesmo de eu abrir a boca.
Estava sozinha. Comigo, com meu trauma… e agora com isso crescendo dentro de mim.
Olhei para o teste mais uma vez, e as lágrimas voltaram. Eu queria que aquelas linhas desaparecessem, que tudo fosse um engano, que eu acordasse de um pesadelo. Mas não era um sonho r**m. Era a minha realidade. Uma realidade da qual eu não poderia simplesmente fugir.
E, pela primeira vez desde aquele dia, eu percebi que o inferno não tinha acabado. Ele estava só começando.