Silêncio.
Era isso que tomava conta da sala quando entrei.
Ailin estava em pé, diante da janela que dava vista para o caos iluminado da cidade. Sua silhueta era recortada pela luz das lâmpadas dos postes e pelos faróis dos carros. Braços cruzados, o corpo imóvel, como uma deusa em fúria contida. Alex estava encostada na parede ao lado da lareira, com uma taça de vinho entre os dedos — girava o líquido como se estivesse prestes a jogá-lo no rosto de alguém.
Jack me fitava com um cansaço antigo nos olhos.
— Espero que tenha boas notícias — disse Ailin, sem se virar.
Fechei a porta atrás de mim. O clique da madeira ecoou como um tiro.
— Depende do que você considera “boa”, Mistress.
Ela girou suavemente o corpo, como uma cobra se preparando para o bote.
— Fale.
Cruzei os braços.
— Meyer e eu fomos até a Affection. Encontramos um entregador. Disse que foi mandado por alguém chamado Corvo. Um nome que não ouço faz tempo.
Alex ergueu uma sobrancelha.
— Corvo? O mesmo que trabalhava com os Serpentes?
— Ele mesmo. E agora parece estar operando por conta própria… ou a mando de alguém.
A taça parou de girar. Jack expirou alto, como se confirmasse um pensamento antigo.
— Isso significa duas coisas — disse ele. — Ou os Serpentes estão nos desafiando, ou perderam o controle dos ratos que alimentaram.
Ailin caminhou lentamente até a cabeceira da sala. Sentou-se no trono com a elegância de quem nasceu para mandar.
— Os Laurent também estão com problemas. — disse, como quem solta uma bomba casual. — Tiveram que fechar dois clubes por causa de overdoses de “DreamFire”.
Meu coração gelou.
DreamFire.
Essa droga era nova. Mortal. Um pó brilhante, que explodia os sentidos e destruía o cérebro em semanas. Extremamente viciante. Um lixo químico saído do inferno. E agora estava circulando nos quatro territórios.
— Os Laurent não permitiriam algo assim — falei, e logo odiei a certeza na minha própria voz.
Alex me olhou com curiosidade.
— Desde quando você confia em alguém que cheira mais do que respira?
Me calei.
A verdade é que os Laurent sempre foram conhecidos pelos excessos. Mas DreamFire… era diferente. Era descontrole total. Caos. Isso não combinava com o modo como eles operavam. Pelo menos, não com o modo como ele operava.
— O nome dele foi mencionado? — perguntei antes que pudesse me impedir.
— Quem? — Ailin indagou, embora seus olhos negros já soubessem a resposta.
— Ian.
O silêncio caiu como uma navalha.
Jack apertou os lábios, como se mordesse uma lembrança r**m.
— Ainda é o principal contato dos Laurent. E está investigando por conta própria. — disse ele por fim.
— Ótimo — falei, o sarcasmo escorrendo da voz. — Um viciado metido a artista. Que reconfortante.
— Ele é eficaz, Ray. — disse Alex, com um sorrisinho irritante nos lábios. — Pelo menos mais eficaz do que assassinar entregadores na primeira visita.
Sorri de volta.
— Você devia tentar. É terapêutico.
— Chega — rosnou Ailin. Ela se inclinou levemente, os cotovelos sobre os joelhos. — Isso é maior do que pensávamos. Três territórios afetados. E os Lycans…?
Jack balançou a cabeça.
— Ainda silenciosos. Mas segundo nossos informantes, Cam — o filhinho querido do chefe — já está investigando algo na fronteira norte. Deve ser apenas uma questão de tempo até tudo explodir.
Ailin sorriu, e o sorriso dela nunca significava coisa boa.
— Então vamos acelerar a explosão.
Eu conhecia aquele tom. Frio, c***l e inteligente.
— Quero uma reunião entre representantes. Um de cada facção. Aqui. Em três dias.
Fitei os olhos dela, tentando entender se tinha ouvido certo.
— Você quer juntar representantes das quatro facções numa mesma sala? Aqui?
— Exatamente. — Ela se levantou, cada movimento calculado como uma coreografia de morte. — Se não conseguimos proteger nosso território sozinhos, vamos ver se conseguimos fazer isso... juntos.
— Isso não vai acabar bem. — murmurei.
— Não vai — ela respondeu, e sorriu como se isso fosse parte do plano.
Mais tarde, deitada na minha cama, fitei o teto escuro e me perguntei o que Jack havia dito antes.
“Você é melhor do que isso.”
Talvez eu fosse. Ou talvez estivesse tão ferrada quanto todo mundo ali.
E se fosse o caso... talvez fosse hora de encontrar os outros dois coringas desse baralho sujo.