CAPÍTULO 2

1248 Words
Os dias ali se passaram com uma lentidão entediante, a vontade de levantar da cama se tornou um empecilho, já que todas às vezes que insistia em me mexer a dor lucilante invadia os ferimentos que conseguiam roubar até o ar dos meus pulmões. Diversas pastas esverdeadas e com um cheiro nada agradável eram colocados pelas mãos hábeis da senhora tagarela, que insistia em puxar sempre o mesmo assunto. Como você conseguiu sobreviver? Como a sua recuperação está a ser rápida e milagrosa. Alguém lá em cima realmente te ama. – Seu corpo está reagindo bem ao tratamento de ervas e pastas cicatrizantes. Logo poderá se levantar da cama e dar mais do que alguns passos. – Ainda bem – admito com felicidade, o colchão macio a muito já havia se tornado como espinhos que cravavam em minha pele fina e dolorida. As ataduras que me amarravam eram trocadas constantemente e com o tempo, foram diminuindo cada vez mais. O corpo por fora estava quase cicatrizado, só faltava a parte de dentro da carne que levaria mais tempo. – Deveria ter costurado em vez de tentar colar com essas pastas – falei o que fez a velha pesar a palma da mão sobre meu seio direito fazendo a queimação surgir com intensidade no lugar onde havia um pequeno corte. Minha cara de dor talvez tenha sido o suficiente para ela perceber o que tinha acabado de fazer. – Desculpa – ela tira rapidamente a mão dali. – Mas a especialista aqui sou eu e não você, que se soubesse o que teria que fazer, não tinha saído correndo quando os ferimentos iniciavam sua cicatrização com facilidade. A única culpada pela demora aqui ainda é você. Então fique quieta e pare de reclamar, a não ser que queira ficar deitada por mais alguns dias? – Seus olhos se estreitam como uma ameaça que prefiro não contestar. – Assim é melhor. E como sabe que uma costura seria mais eficiente? – Meus irmãos, um deles em especifico vivia arrumando confusão, então como eu era uma excelente costureira, acabei aprendendo a fechar seus ferimentos e lhe dar cicatrizes que ele adorava se gabar de as ter ganhado – admiti sentindo a dor daquela lembrança, eu não estava por perto para fechar seus diversos machucados. Pouquíssimas eram as pessoas que adentravam aquele casebre que tinha o chão de areia, a brisa marítima constantemente entrava pela grande porta que dava a vista para o mar calmo que de uma maneira tão convidativa me chamava para um mergulho. Céus! Até quando ela pretendia me prenderia sobre aquela cama desconfortável? Nem seu nome eu sabia, apenas do seu neto que constantemente ela dava um jeitinho de introduzir em nossos papos o qual eu era a ouvinte e ela a mulher que falava e falava sem parar um segundo. Xamãs não deveriam ser sábios e silenciosos? O pouco que entendia daquele povo recluso, era que eles pareciam indefesos à primeira vista, mas que ao se sentirem acuados, atacavam como bestas selvagens. – Posso fazer uma pergunta? – Sim – ela afirma terminando de dar um nó no pano e cobrindo a parte nua de meu corpo com a vestimenta estranha. Aquilo não era um vestido e muito menos uma camisa longa. – Vocês não estão me preparando para ser a próxima oferenda, estão? – A mulher gargalha como uma doida insana. Seus pés descalços sobre a areia branca tornava a pele morena e enrugada em algo simples e confortável. – De onde tirou essa ideia? – pergunta se virando para mim. – Vocês me embalsamaram em óleo e além disso já ganhei alguns tratamentos de beleza bem estranhos e questionáveis. Então posso deduzir que estão amaciando minha carne para a próxima refeição. – Não somos canibais e você seria uma péssima oferenda, além de estar machucada seu corpo possui cicatrizes, e apenas esse fato já a torna imperfeita e nada digna de virar um prato em homenagem aos deuses. – Isso soou como uma ofensa a minha pessoa – respondo com um sorriso, quando me inclino para o lado não sinto a pontada e isso me impulsiona a tentar levantar. – Tome cuidado – ela diz me ajudando a sentar-se na cama. – Você não consegue ficar mais deitada, não é? – Balanço a cabeça em negação. – Bem, vou te ajudar a se levantar, mas lembre-se “nada de muito esforço”, pode esticar as pernas um pouco e quando for se deitar, peça ajuda para alguém, entendeu? – Sim, senhora. Após um tempo girando pelo espaço arenoso podia perceber que ali não era bem uma casa e sim um tipo de lugar onde se tratava os enfermos. Prateleiras de madeira dispostos por alguns cantos onde vidros de vários tamanhos tinham líquidos, pós e pedaços de folhas, raízes e cascas que preenchiam os recipientes transparentes. A areia em contato com meus pés traz a sensação de conforto o qual tanto precisava e a água salgada no horizonte me chama com intensidade. Minhas origens recém-descobertas nunca se tornaram tão pesada como naquele instante. Tinha vontade de sair correndo e mergulhar entre as águas frias das profundezas, mas não o faria. Alguns segredos deveriam ficar bem guardados quando se tratava daquilo, mesmo que pouco entendesse realmente quem era. – Você está aqui a tanto tempo, e até agora não sei o seu nome. – É Viviane, Viviane du Lac. – Um sobrenome peculiar para uma jovem que parece ter nadado muito até encontrar terra firme – ela diz pensativa. – É verdade, minhas antigas raízes me dão alguns dons os quais me mantem viva. – Deveria tomar cuidado, criança, nem todos a entenderiam como eu a entendo. – Vocês são druidas, mas em vez de morar em meio a floresta se afastaram dela para esconder sua descendência com a natureza – falei fazendo a mulher parar de andar. – Como você mesmo disse “nem todos os entenderiam como eu entendo” – fiz suas as minhas palavras. – Não nos afastamos completamente da natureza, só mudamos a maneira como vivemos. Para a segurança dos mais jovens e o conforto de noites tranquilas e sem medo para os mais velhos. Não somos mais bem vindos a esse mundo e as mortes aumentam a cada dia. Sangue inocente é derramado sobre as águas e pinheiros junto com os carvalhos que são derrubados para destruir os espíritos que vivem ali. A beleza antigas dos deuses está sendo extinta por homens cruéis que só desejam conquistar terras e possuir nossas riquezas. – Eu a entendo, e agradeço por ter me ajudado quando mais precisei – disse olhando diretamente para seus olhos que no fundo transmitia a sabedoria daquele povo antigo que um dia foi considerado poderoso e detentor do maior saber já existente. A conversa com ela se tornou agradável, suas observações e a maneira que agia poderiam ser consideradas agora como zelar pela segurança de seu povo. Eles eram as pessoas que um dia ganharam conhecimento provindos das fadas e que deveriam espalha-los pelo mundo, mas não, com o passar dos anos aqueles que pregavam a fé dos deuses também morriam por acreditar em um falso deus, já as criaturas mágicas foram vistos como anjos caídos e que aprisionados em novos corpos eram obrigados a viver nessa terra como um castigo divino, m*l sabiam todos que suas crenças não passavam de balelas inventadas para pôr rédeas e padronizar uma sociedade até então voltada para a beleza da natureza.
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