A minha mente vai acabar me matando.
- Autor desconhecido
Otávio Santore
Estou desde as quatro da manhã acordado. Apenas aqui, deitado na cama olhando para o teto branco iluminado pelo pouco de luz do sol que entra pela grande janela que dá para a varanda do meu quarto, que tem uma vista linda para meu quintal, onde tem um belo jardim com algumas rosas e diversas flores. E eu amo flores, por mais que eu não saiba o nome de algumas, só as mais comuns como rosas. Mas nem isso está me animando agora. Me sinto vazio.
Já se passaram três meses desde que voltei para cá, e desde que voltei a ter pesadelos com aqueles dias terríveis para mim. Onde não pude fazer nada para salvar minha melhor amiga. Só pude vê-la morrer na minha frente.
Já se passaram muitos anos, mas não consigo esquecer seu rosto cheio de medo ao ir aos poucos perdendo a vida. Posso sentir meus olhos cheios de lágrimas nesse momento.
Já perdi as contas de quantas vezes acordava assustado a noite, tendo pesadelos com aquele dia. Meus pais assim como meus irmãos insistiram para que eu fosse ao psicólogo antes de eu viajar, mas nunca tive coragem, não queria me lembrar daqueles dias de agonia em que tive que relatar a história mais de três vezes para a polícia, para no final ninguém achar o culpado. E o maldito ainda continua solto.
Então eu viajei, conheci um mundo diferente, os prazeres da vida, e me foquei nisso, esquecendo de tudo por uns anos. Mas foi eu voltar para o Brasil e tudo aquilo, todo o medo, voltou junto. Me deixando cada vez me afundar nessa escuridão que nem ao menos tenho força para lutar e sair disso. Me vejo cada vez mais viciado em sentir essa dor. Em me ver infeliz e não poder fazer nada. E isso me deixa cada vez mais triste. Pois nem ao menos lutar pela minha vida estou conseguindo.
Me levanto, abrindo as janelas de vidro e me sentando num sofá grande que tem na varanda, olhando para as diversas rosas vermelhas ali embaixo.
As lágrimas agora já pararam, apenas a dor está impregnada em meu peito, me deixando por alguns segundos sem ar, sem chão.
Minha vontade nesse momento é seguir até meu pequeno bar particular, e beber até não sobrar mais nenhuma garrafa cheia dessas bebidas caras. Eu só queria esquecer. Só queria que o culpado por isso pagasse pelo que me fez, pelo que fez a ela.
Mas amanhã pela manhã eu volto a ser o Otávio que todos conhecem, o rapaz que brinca e rir de tudo. Esse sou eu, mas com uma dor e tristeza disfarçada que a cada dia mais está acabando comigo, só penso em pôr um fim em toda essa merda. Mas como vou deixar as pessoas que amo para trás? Como posso fazê-los viverem num luto como eu estou vivendo, nessa tristeza que eu me enfiei por perder alguém que amo? Como posso fazer isso com minha família?
E, mas, meu coração i****a ainda tem esperança de ver aquele moleque novamente. E por enquanto é apenas isso e minha família que me mantém aqui. Mas não sei por quanto tempo eu vou aguentar isso. Só queria olhar naqueles olhos novamente, ver aqueles cabelos ruivos brilhosos, a boca rosa e pequena. É tudo o que eu quero ver. Para que talvez assim eu tenha algo na minha vida pela qual lutar.
Eu já teria desistido a muito tempo se não fosse por meus irmãos e meus pais, e agora, por causa daquele homem lindo que eu vi, minhas esperanças estão renascendo, são mínimas, mas estão lá, brilhando como um pequeno vagalume solitário em meio uma floresta banhada pelo breu completo, e eu não sei se isso é bom ou r**m, pois eu posso me quebrar mais ainda depois. E apesar dos meus pensamentos, lá no fundo eu sei que ainda quero viver, quero ver meus sobrinhos e meu pequeno irmão João crescerem. Quero envelhecer ao lado da pessoa que vem tomando meus pensamentos sem nem ao menos eu conhecê-lo. Eu quero viver. Mas no momento tem uma força sinistra, uma tristeza que não me abandona me puxando para baixa. Posso até dar sorrisos sinceros e verdadeiros, mas horas depois eu me encontro encolhido na minha cama chorando por tudo que vi e que ainda carrego na memória, assim como toda a dor que me vem fazendo parar de respirar por alguns segundos. Que me sufoca. Eu não quero mais isso, mas as vezes pensamentos terríveis tomam conta de mim, e eu posso lutar como for, não consigo vencê-los, eles se apoderam de mim, me colocam no chão e me deixam ali, chorando e definhando aos poucos, caindo num buraco da qual eu não vejo mais saída.
Está sendo difícil, muito difícil.
As vezes nem mesmo me lembrar de minha amiga me traz essa tristeza, o que me faz pensar que ela e toda aquela merda não é a causa completa, eu apenas estou triste, sem proposito, sem conseguir enxergar felicidades nas coisas que antes eu enxergava.
Eu só quero ser feliz. Mas me sinto cansado, muito cansado.
Suspiro, me deito sobre o sofá e jogo meu braço em cima de meus olhos, fico ali, pensando em notas musicais, para que nada de r**m tome conta da minha mente. As notas vão surgindo, eu cantarolo baixinho a letra de uma música qualquer, imaginando meus dedos passando sobre as teclas fria do meu piano, e assim fico por uns cinco minutos, toda a p***a dos meus problemas e tristezas ficam de lado, e apenas por um momento, eu sou eu verdadeiramente. O eu, Otávio a qual eu quero me tornar um dia, um homem forte, sem medos, que ama e que é amado, com uma família talvez? Me permito sorrir por uns segundos, imaginando meus dedos pelas teclas, mas não mais sozinho, com mãozinhas pequenas me acompanhado.
Mas o toque do meu celular me traz muito rápido para minha realidade triste.
Levanto e sigo a passos lentos para onde o som vem, debaixo do meu cobertor, vejo ser Marcia, minha secretária, uma mulher linda de seus 40 anos, mas sempre com um lindo e gentil sorriso.
- Oi Marta querida? - Falo, minha voz saindo um pouco baixa.
- Oi senhor, bom dia, quero apenas lhe lembrar que tem uma reunião importante as 9. - Afasto o celular da minha orelha e a coloco no viva-voz, olhando as horas vejo que são 7:40. Era para mim está na minha joalheria a 40 minutos atrás. Fiquei tão imerso assim nos meus pensamentos? Como não escutei o despertador?
- Desculpe Marta, não escutei meu despertador tocar. - Escuto sua risadinha baixa do outro lado da linha.
- Tudo bem senhor, você não me deve satisfação.
- Ora, como não? Tenho uma responsabilidade com o meu trabalho e meus funcionários. Não é só porque eu sou o chefe que posso chegar a hora que quero.
- Se o senhor diz. - Ela rir novamente. - Vou esperar o senhor. Tome seu café da manhã, não quero você passando m*l, você acha que não menino, mas vejo que tem se alimentado m*l. Não me faça ligar para sua mãe. - Suspiro.
- É o que dar ter funcionários que conhecem minha mãe. - Assim que contratei Marta, mamãe e papai foram conhecer a cede da minha joelharia, assim conheceram Marta, e se tornaram amigos, como se já conhecessem a centenas de anos.
- Não reclama, agora cuide, vá comer e tomar um banho.
Ela desliga e eu solto um novo suspiro. Volto para a minha sala, me escorando sobre as grades da sacada, olhando as diversas cores das flores ali embaixo. Tão colorido, mas ao mesmo tempo tão vazio, por baixo delas, algumas ervas daninhas prontas para acabarem com o bonito contraste de cores, acabar com suas vidas. Sorte delas, as flores, que têm um jardineiro para cuidar delas. Mas e eu? Onde está meu jardineiro? Olho para os meus pés, encarando minhas pantufas pretas, da mesma cor que o jardim dentro de mim, antes colorido, está agora, preto.
Me desencosto e viro sobre meus pés, indo em direção ao meu quarto novamente, passo pelo cômodo, abrindo a porta do meu banheiro, a fecho atrás de mim, tirando minhas roupas e jogando no cesto. Entro no box e ligo a água fria, sentindo meus ossos reclamarem, mas não ligo, apenas deixo a água cair sobre meus cabelos e corpo, passo minhas mãos sobre meus cabelos, empurrando os fios que caiam sobre meu rosto, meu cabelo não é grande, mas quando lavo ele escorre todo para a minha testa. Ensaboo todo meu corpo e minha cabeça está em branco, tento não pensar em nada, nada mesmo. Mas logo sinto aquele vazio, é como se eu não existisse de verdade, como se eu estivesse de telespectador da minha própria vida, como se eu não estivesse dentro do meu corpo, parece que estou olhando tudo de fora, é uma coisa tão maluca que não consigo colocar em palavras, não sei como descrever esses momentos de vazio completo, sinto que sou inútil, que estou ficando de lado, que sou apenas um peso morto, um nada, sem amor, sem sonhos, sem vida, sem nada, apenas uma cabeça paranoica que pensa que morrer é o melhor caminho, o mais fácil...mas e se realmente for?
Me coloco para fora do box, cambaleando chego em frente meu espelho, meus olhos vermelhos, meu rosto mais magro que o de costume, meus olhos fundos, sem brilho...olho a gaveta da cômoda da pia, a abrindo vejo a pequena caixinha branca pequena, nelas, algumas laminas que comprei a uns meses atrás, mas que ainda não tive coragem de usar...mas agora elas me parecem tão chamativas, tão atraentes...meus dedos passam pelas pequenas letrinhas, puxo uma para fora da caixa, a seguro por entre meus dedos, sentindo o aço frio entre eles, encaro meus olhos no espelho.
- Você não é um inútil. - Tento me convencer, aproximo a lâmina do meu pulso, a coloco perto da carne e logo posso sentir a queimação...é, isso parece aliviar, isso parece colocar as coisas no lugar, talvez me impedir de fazer algo pior, mais grave, mais mortal e eficiente para o fim dos meus problemas e minha dor, foco na queimação que se inicia, tirando minha mente de pensamentos ruins e me levando a focar naquela sensação de alivio, é como uma droga, você não para até estar totalmente satisfeito, totalmente fora da realidade...mas escuto batidas na porta, o que me assusta, afasto a lâmina de mim, vendo o vermelho do sangue por toda a pia, foi mais fundo do que pensei...
- Filho? - Encaro a porta, começando ficar um pouco nervoso.
- Mamãe? - Falo, minha voz meio rouca por causa do choro recente.
- Querido, está tudo bem? estou te esperando a uns vinte minutos. Eu...- Ela para de falar, então escuto ela bufar do outro lado da porta. E eu tento me acalmar, voltando a respirar novamente mais calmo, é bom ao menos escutar a voz dela. - Desculpe querido, é que eu me senti um pouco incomodada quando acordei, eu...eu tive um sonho muito r**m com você Otávio, mamãe apenas queria saber se você estava seguro. - Minha vontade agora é de gritar, mas apenas agarro com força meus cabelos. Solto o ar. Deixando a vontade de correr para seus braços e chorar feito uma criança que caiu de bicicleta e ralou o joelho.
- Estou bem mamãe, você está se preocupando atoa. - Tento soar no meu tom alegre e descontraído de sempre.
- Tem certeza? Por que não abre a porta? - Posso notar a preocupação na sua voz.
- Já passou do tempo em que a senhora me dava banho. - Ela rir baixinho e funga em seguida, sei que a estou deixando bastante preocupada, ela pode não saber, mas sei que ela sente que tem algo errado, ela sempre sente. E eu me encaro no espelho, sem expressão, apenas meus olhos vermelhos pelas lágrimas que já se foram.
- Eu te amo. Sabe que você e seus irmãos são minha vida? certo? - Mordo meus lábios com força para não chorar, tenho que aguentar, aguentar tudo, por ela, eu tenho que viver, eu...eu vou conseguir...certo?
- Eu sei mamãe, eu te amo.
- Vou te esperar para o café, depois você me leva até em casa, deixei seu pai e João sozinhos em casa e eu ainda não confio naqueles dois travessos, então depois você vai trabalhar.
- Ok. - Rio baixinho, papai com toda certeza colocaria João a perder, deixando o pequeno fazer dele gato e sapato, assim fazendo o que bem entendesse, então eu poderia imaginar a catástrofe.
Escuto seus passos se afastarem, vejo ainda o sangue escorrendo direto para o ralo, ligo a torneira e deixo que a água lave tudo, minha fraqueza, meus medos, minha dor, minha escuridão, mesmo assim, com bastante água limpa, os sentimentos ruins não vão embora, não me deixam. E por uns segundos apenas fico ali, encarando o corte recém feito, por cima de uns já cicatrizados, aparecendo apenas uma marca esbranquiçada, que agora essa mais recente fazia um contraste da cor vermelha por cima da marca a muito esquecida.