O silêncio que veio depois da tempestade parecia um descanso.
Mas era só a calmaria antes de um novo golpe.
Eu deveria ter previsto.
Camila nunca perde fácil.
Mulheres como ela não suportam ser esquecidas, muito menos substituídas — ainda que apenas nas manchetes.
Na manhã seguinte ao meu pronunciamento, as redes sociais estavam divididas.
Metade me defendia, metade me atacava.
E no meio desse caos, alguém reapareceu com mais força do que nunca.
Camila Duarte.
A mulher de sorriso calculado e veneno na língua.
A ex-namorada que sabia transformar uma mentira em espetáculo.
A primeira bomba veio por uma entrevista.
Um vídeo, espalhado como fogo nas redes.
Camila sentada num estúdio, maquiada, elegante, com o olhar sereno e o tom ensaiado de quem sabe manipular corações.
“Eu só quero que a verdade venha à tona.
Eu e Leonardo nunca deixamos de nos falar.
Quando ele se casou, foi... um momento complicado.
Ele me contou que não era amor, e sim uma questão de negócios.
Que ele estava sendo chantageado.”
As palavras saíam suaves, mas cada uma delas era um punhal.
Senti o chão sumir sob meus pés.
“Eu não quero causar dor a ninguém.
Mas não posso fingir que não existo.
Ele nunca quis esse casamento.
Todos sabem disso.”
Parei o vídeo.
Minhas mãos tremiam.
O sangue fervia.
A raiva subiu feito fogo.
— Chantageado… — murmurei. — Então agora eu sou a chantagista?
O telefone tocou.
Era Helena.
— Filha, não veja mais nada — pediu. — Isso é baixaria.
— Eles estão me pintando como uma criminosa, mãe.
— A verdade vence.
— Só quando alguém se importa com ela.
Helena suspirou. — E ele?
— Ele não ligou.
— Nem vai. — A voz dela ficou triste. — Porque o orgulho é a muleta dos covardes.
Fechei os olhos.
Ela estava certa.
À tarde, o portal da empresa dele publicou uma nota oficial.
Eu li, e cada palavra me arrancou o ar.
“O Grupo Valença esclarece que a vida pessoal do Sr. Leonardo Valença não interfere nas suas responsabilidades profissionais.
As alegações recentes de sua esposa sobre sua vida conjugal não refletem a realidade.
Pedimos respeito e privacidade neste momento.”
“Não refletem a realidade.”
A frase se repetiu na minha mente como um eco c***l.
Leonardo havia permitido — ou mandado — publicar aquilo.
Ele tinha acabado de me desmentir diante do mundo.
Mais uma vez, me tornando a vilã da própria história.
As câmeras voltaram a aparecer no portão.
Mas agora, os flashes vinham acompanhados de risadas e comentários venenosos.
“Ei, Isabella! Dizem que você inventou essa gravidez pra prender ele!”
“Camila disse que o bebê nem pode ser dele!”
“Acha justo destruir a reputação do CEO mais importante do país?”
As palavras deles me atravessaram como tiros.
Tentei manter o olhar firme, mas o peito ardia.
Abaixei a cabeça e entrei de volta em casa.
As portas se fecharam, abafando o barulho — mas não o peso da humilhação.
Horas depois, recebi um envelope.
Sem remetente.
Dentro, fotos impressas.
Leonardo e Camila.
Num restaurante, num hotel, num carro.
Algumas recentes, outras antigas.
E uma frase escrita à mão:
“Ele sempre foi meu.”
Senti as mãos gelarem.
O ar sumir.
A garganta fechar.
Aquelas fotos eram o recado que ela queria me dar: você nunca teve lugar aqui.
Sentei no chão da sala, o envelope aberto ao meu lado.
As lágrimas caíram, pesadas, silenciosas.
O bebê se mexeu dentro de mim, como se sentisse o impacto.
Toquei o ventre, tremendo.
— Desculpa, meu amor… — sussurrei. — Você não merecia nascer nesse inferno.
O choro veio forte.
Não o tipo bonito, de novela.
O verdadeiro — aquele que rasga por dentro.
Quando o telefone tocou, eu ainda chorava.
Atendi sem olhar o número.
Era ele.
— Isabella.
A voz dele era fria, controlada.
Mas eu ouvi o incômodo.
— Veio se certificar de que eu vi as fotos? — perguntei, amarga.
— Não sei do que está falando.
Ri, entre soluços. — Claro que não. Sempre o mesmo discurso: inocente, racional, distante.
— Eu só liguei pra saber se você está bem.
— Depois de desmentir tudo publicamente? — gritei. — Depois de me deixar parecer uma mentirosa diante do país inteiro?
— Eu precisava proteger o nome da empresa.
— E o da mulher que carrega o seu filho, quem protege?
Silêncio.
— Você sabe que Camila mente.
— E mesmo assim deixou ela vencer de novo.
Ele suspirou, irritado. — Você não entende o que está em jogo.
— Eu entendo, Leonardo. — minha voz saiu firme. — O que está em jogo é o seu orgulho. Sempre foi.
— Isabella…
— Não. — interrompi. — Agora é minha vez de falar.
A raiva se transformava em coragem.
— Eu fui humilhada, abandonada e agora difamada.
E você, o homem que jurou me proteger, virou cúmplice do meu silêncio.
Mas sabe o que é pior?
Eu ainda te amava até ontem.
Do outro lado da linha, ele ficou mudo.
— Parabéns, Leonardo. — continuei. — Você conseguiu matar o que ainda restava de mim.
E desliguei.
A noite caiu.
A casa estava em completa escuridão.
Sentei no chão do quarto, as costas contra a parede, o envelope com as fotos ainda nas mãos.
A dor era tanta que o corpo parecia não caber nela.
Fechei os olhos e deixei as lágrimas correrem em silêncio.
Mas quando o cansaço venceu, algo mudou.
Entre o choro e o vazio, um pensamento me atravessou: isso não pode ser o fim.
Eu toquei o ventre de novo, mais forte.
— Você vai nascer, meu amor.
E vai saber quem eu fui.
Não a mulher que ele destruiu, mas a que aprendeu a se reconstruir.
Levantei devagar, o corpo tremendo, mas a alma acendendo.
Fui até o espelho.
O rosto inchado, os olhos vermelhos — mas havia algo novo ali.
Um brilho.
Determinação.
Peguei o diário e escrevi, com letras firmes:
Hoje, Camila venceu uma batalha.
Mas a guerra ainda é minha.
Porque nenhuma mentira sobrevive quando uma mulher decide falar por si.
Fechei o caderno.
Olhei pra janela.
Lá fora, a chuva começava outra vez.
Mas, pela primeira vez, eu não a temi.
A chuva não era mais o som da dor — era o batismo da minha nova versão.
Sorri entre lágrimas.
— Você mexeu comigo, Camila.
Mas não me derrubou.
Deitei, abracei o travesseiro e sussurrei pro bebê:
— A mamãe não é fraca.
Só estava aprendendo a se tornar forte.
O coração batia firme.
E, pela primeira vez em muito tempo, o medo deu lugar a algo diferente.
A raiva virou combustível.
E a dor, propósito.
Porque se o amor tinha me destruído…
agora seria a minha própria força que iria me salvar.