Resultado e o Desprezo

1281 Words
Dois dias. Foram só dois dias de espera. Mas pareceram uma vida inteira. Dois dias sem conversa, sem olhar, sem nada além do barulho do relógio ecoando pelos corredores da mansão. Leonardo se trancava no escritório. Eu, no quarto. E entre nós, o abismo — silencioso, pesado, cheio de coisas que não podiam mais ser ditas. O pior não era o silêncio. Era saber o motivo dele. A dúvida. A mancha. O teste. Eu nunca imaginei que o homem que um dia me fez promessas olhando nos olhos seria o mesmo que pediria uma prova de que o amor não mentia. Na manhã do terceiro dia, o som do interfone quebrou o ar parado. O coração disparou. Eu sabia. Antes mesmo de ouvir, já sabia. Leonardo atendeu. As palavras dele foram curtas: — Pode subir. O som dos passos ecoou pela escada de mármore, e por um instante, desejei desaparecer. Mas fiquei. Porque fugir seria admitir que ainda esperava algo dele. A campainha tocou. Leonardo abriu. Um homem de terno entrou, portando um envelope pardo com o selo da clínica. Formal, direto, como se carregasse apenas papéis — e não o peso de uma história inteira prestes a se partir. — Senhor Valença. — disse o entregador. — Documento confidencial. Leonardo assinou, agradeceu e fechou a porta. O som seco do trinco foi como um trovão. Ele ficou ali, parado, com o envelope nas mãos. Olhou pra mim, depois pro papel. E por um instante, parecia não saber se queria abrir ou queimar aquilo. — É o resultado. — murmurei. Ele assentiu, sem voz. O olhar fixo no envelope, as mãos trêmulas. — Abre. — pedi. — Ou vai continuar fingindo que ainda precisa de certeza? Leonardo respirou fundo, puxou o lacre e abriu o papel. O som do r***o pareceu maior do que tudo. Os olhos dele correram pelas linhas. O tempo parou. Silêncio. Até que ele fechou os olhos e deixou o papel cair sobre a mesa. — É meu. — disse, baixo. — O bebê é meu. A dor veio junto com o alívio. Não por mim. Mas porque eu sempre soube. O que me destruía não era o resultado — era o fato de ele precisar de um pra acreditar. — Parabéns. — murmurei, amarga. — Agora você tem o que queria: a verdade em papel timbrado. Leonardo levantou o olhar. — Isabella, me escuta… — Eu já te escutei demais. — levantei-me, mesmo com o corpo cansado. — Eu te dei o benefício da dúvida, e você me pagou com humilhação. — Eu não quis te ferir. — Mas feriu. — respondi, firme. — E pior: me fez duvidar de mim mesma. Ele deu um passo, hesitante. — Eu não sabia mais em quem acreditar. — Então acreditou na mentira mais conveniente. — rebati. — Era mais fácil pra você imaginar que eu menti do que aceitar que alguém poderia te amar de verdade. Os olhos dele marejaram, mas não desviei. Porque eu estava cansada. Cansada de ser sempre a que sangra, a que explica, a que entende. — Eu tô arrependido, Isabella. — O arrependimento vem depois que o estrago já tá feito. — sussurrei. — E o meu já não tem conserto. Ele se aproximou mais, com as mãos erguidas, como se tentasse tocar sem permissão. — Eu sei que não mereço seu perdão. Mas me deixa tentar. — Tentar o quê? — perguntei. — Me convencer de novo? Fazer promessas que você não sabe cumprir? — Tentar ser diferente. Ri, sem humor. — Tarde demais. Você não entende, Leonardo. Eu não preciso que você mude. Eu só precisava que tivesse acreditado quando ainda dava tempo. O silêncio voltou. Denso. Cortante. Leonardo olhou pro papel sobre a mesa. As mãos dele tremiam, mas o rosto era o retrato da culpa. — Eu olhei pro resultado e senti vergonha. — confessou. — De mim, do que fiz, do que duvidei. — Então sente o que eu senti. — murmurei. — Porque a vergonha foi o que me sustentou por todos esses meses. Ele passou a mão pelos cabelos, exasperado. — Eu te perdi, não foi? — Talvez nunca tivesse me ganhado. — respondi, fria. — Porque amor sem confiança é só cativeiro disfarçado de carinho. As lágrimas começaram a queimar nos meus olhos, mas não deixei cair. Dessa vez, não. — Eu jurei que nunca seria como meu pai. — ele continuou, a voz trêmula. — Que nunca deixaria o orgulho destruir o que eu amava. — E foi exatamente o que você fez. Ele abaixou a cabeça, derrotado. — Eu não sei como reparar isso. — confessou, num sussurro. — Talvez não tenha como. — respondi. — Às vezes o perdão não é recomeço, é só fim. Leonardo respirou fundo, tentando conter o choro. — Eu queria voltar no tempo. — Pra quando? — perguntei. — Pro dia em que me chamou de interesseira? Pro dia em que virou as costas quando eu mais precisei? Ou pro dia em que decidiu que eu mentia? Ele não respondeu. O silêncio dele era a confissão que eu precisava. Fui até a mesa e peguei o envelope. Olhei o papel com o nome dele, o meu e o selo da clínica. O papel da vergonha. O atestado de desconfiança. — Guarda isso. — disse, entregando o envelope nas mãos dele. — Vai te lembrar de quem você se tornou. — Eu me tornei um covarde. — murmurou. — Não. — corrigi. — Você sempre foi. Só agora percebeu. Ele recuou, ferido, mas não revidou. Talvez porque soubesse que não havia mais espaço pra defesa. — Eu mereço cada palavra que você disse. — admitiu, com a voz rouca. — Mas eu ainda amo você. Fechei os olhos. As lágrimas finalmente caíram. — E o que adianta amar alguém quando o amor vem depois da dúvida? O som da minha voz soou como o estalo de algo se partindo. E talvez fosse mesmo o fim. Leonardo se aproximou mais uma vez, a poucos passos. — Isabella… me dá uma chance de provar que eu posso ser o homem certo pra você e pra esse bebê. Olhei pra ele, cansada, mas firme. — O homem certo não precisa provar. Ele só não duvida. Ele ficou imóvel, a respiração pesada, o olhar perdido. Eu toquei o ventre e sussurrei, mais pra mim do que pra ele: — Agora é você quem carrega a dúvida. A de merecer ou não esse filho. Leonardo levou a mão ao rosto, pressionando os olhos. Quando olhou pra mim de novo, o olhar era o de um homem despido do poder. Sem o CEO. Sem o orgulho. Só ele. Quebrado. — Eu vou fazer o que for preciso pra mudar. — Começa acreditando em alguma coisa. — respondi. — Nem que seja em você. Ele assentiu, devagar, os olhos marejados. E então, sem mais palavras, pegou o envelope, saiu do quarto e fechou a porta atrás de si. O som da porta ecoou como um ponto final. Mas dentro de mim, algo dizia que ainda havia vírgulas. Fiquei sozinha, o papel frio da cama sob as mãos quentes, o coração cansado demais pra sentir ódio. Toquei o ventre e senti o bebê se mover. — Pelo menos nós dois sempre soubemos a verdade. — murmurei. — E isso já basta. Olhei pela janela. A chuva voltava, fina, insistente. E percebi que o amor, quando duvidado, nunca volta igual. Mas às vezes… é da ruína que nasce o recomeço. Fechei os olhos e respirei fundo. Dessa vez, sem lágrimas. Porque o que doía agora não era a perda. Era o peso de ter sobrevivido a ela.
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