Um Jantar de Negócios

1344 Words
Três dias se passaram desde nossa última discussão. Três dias em que m*l trocamos palavras, mas o ar entre nós seguia pesado — como se cada respiro fosse mais uma provocação. A manhã de sexta começou com uma notícia inesperada: uma funcionária entrou no quarto, carregando uma caixa grande, coberta por papel prateado. — O senhor pediu que entregasse isto à senhora — disse, nervosa. Olhei desconfiada. — O que é isso? — Um vestido. Para o jantar de hoje. Fechei os olhos e respirei fundo. — Claro. Porque eu não posso nem escolher o que visto. — Ele pediu que eu dissesse que o carro sairá às sete. — A funcionária baixou o olhar. — Disse que seria... inaceitável se a senhora recusasse. Inaceitável. Essa era a palavra favorita dele. Abri a caixa. O vestido era deslumbrante — longo, de seda preta, decote discreto, mas elegante. E frio. Frio como o homem que o escolheu. Por um momento, me perguntei se o ódio podia ter bom gosto. Quando desci as escadas, ele já me esperava. Terno escuro, gravata vinho, olhar firme. Ao me ver, ergueu uma sobrancelha. — Pelo menos sabe obedecer quando quer. — Não se acostume. — Você fica bem quando não fala. — E o senhor fica suportável quando cala. Um leve sorriso curvou seus lábios. — Vamos? — Só se eu tiver escolha. — Não tem. O evento acontecia em um hotel luxuoso no centro da cidade. O salão estava lotado — empresários, investidores, rostos conhecidos da elite. Câmeras, flashes, música baixa. O tipo de ambiente que Leonardo dominava como um rei. Assim que entramos, senti os olhares. Alguns curiosos. Outros julgadores. Todos tentando entender quem era a mulher ao lado dele. Ele colocou a mão nas minhas costas, leve, mas firme o suficiente pra parecer posse. — Sorria, Isabella. — Não sou um troféu. — Hoje é. As palavras dele foram como um tapa. Mas, em vez de reagir, ergui o queixo. Se ele queria uma boneca decorativa, teria uma com espinhos. As conversas se misturavam ao som de taças e risadas contidas. Leonardo falava com naturalidade, o típico homem que sabia comandar uma sala. Eu o observava de longe, fingindo um sorriso. Uma mulher se aproximou — loira, elegante, o tipo de beleza fria e calculada. — Leonardo — disse ela, tocando o braço dele com i********e. — Que surpresa te ver aqui. Ele retribuiu o toque, o sorriso profissional. — Elisa. Está linda, como sempre. A frase doeu mais do que deveria. Ela me olhou, curiosa. — E esta é...? — Minha esposa — respondeu ele, rápido. — Isabella. Ela sorriu, aquele tipo de sorriso que diz tudo sem precisar dizer nada. — Ah, claro. Li algo sobre o casamento relâmpago. Parabéns. — Obrigada — murmurei, forçando educação. — Foi tudo... inesperado. Elisa soltou uma risadinha. — Imagino. Leonardo sempre foi... intenso. — É uma palavra pra isso. — Cruzei os braços. Leonardo lançou um olhar de advertência. — Isabella. — O que foi? Só estou concordando. O clima entre nós se tornou espesso, quase palpável. Elisa percebeu e se afastou, sorrindo desconfortável. — Eu te avisei — murmurou ele, entre os dentes. — Controle sua língua. — Eu não sou uma funcionária. — Mas é a minha esposa. E isso exige postura. — Postura? — Inclinei a cabeça. — Ah, entendi. Quer uma esposa de porcelana, muda, que combina com a gravata e não o contradiz. — Quero uma mulher que não me faça parecer um i****a em público. — Isso o senhor faz muito bem sozinho. Os olhos dele brilharam, perigosos. — Cuidado, Isabella. — Com o quê? Com a sua reputação? — sorri, amarga. — Acho que ela aguenta bem mais do que eu. Ele respirou fundo, mas não respondeu. Pegou uma taça de vinho e me ofereceu. — Beba. Vai te ajudar a parecer menos… ácida. Peguei a taça, olhei nos olhos dele e bebi tudo de uma vez. — Melhor assim? — Ainda não. — Então me avise quando eu alcançar o padrão da esposa perfeita. Ele riu, sem humor. — Vai precisar de várias vidas pra isso. — E o senhor de várias almas pra aprender a sentir. A noite seguiu com conversas forçadas. Ele me apresentou a investidores, diretores e jornalistas. A cada “prazer em conhecê-la”, eu sentia que a palavra esposa soava como um rótulo de vitrine. Em um momento, o apresentador do evento subiu ao palco. — Senhoras e senhores, um brinde ao CEO do Grupo Valença, pela fusão bem-sucedida deste trimestre. As pessoas aplaudiram. Leonardo se levantou, agradeceu com aquele charme ensaiado e… segurou minha mão. — Nada disso seria possível sem o apoio da minha esposa — disse, olhando pra mim. O salão inteiro nos observava. E, pela primeira vez, senti o que era ser uma peça no tabuleiro dele. Senti o sangue ferver. — Que generoso — murmurei, com um sorriso falso. — Apoiar o marido é fácil quando ele avisa depois que decide tudo sozinho. Alguns convidados riram, desconfortáveis. Leonardo me lançou um olhar de advertência, mas era tarde. Aquela noite não terminaria em silêncio. — Isabella — disse ele, tentando manter a calma. — Talvez esse não seja o momento. — Claro que não. O momento ideal seria quando eu aprendesse a fingir como o senhor. O silêncio foi absoluto. As pessoas fingiram olhar pra outro lado. E ele apenas ficou ali, imóvel, com o copo na mão e o orgulho ferido. Por dentro, eu tremia. Por fora, sorri. Voltamos pra casa em silêncio. O som dos pneus na estrada era o único ruído. Ele dirigia firme, o maxilar travado. — Está orgulhosa? — perguntou por fim. — Estou viva. Já é um milagre. — Você me envergonhou diante de todos. — O senhor me humilha todos os dias. Estamos empatados. — Empatados? — Ele riu, sem humor. — Você não tem ideia do que é perder comigo. — Então me ensine. O olhar dele foi rápido, intenso. Por um instante, o ar pareceu queimar. Mas ele desviou o olhar e acelerou o carro. O resto do caminho foi mudo. Chegamos à mansão pouco antes da meia-noite. Assim que entramos, ele tirou o paletó e jogou sobre o sofá. — Parabéns, Isabella. Conseguiu transformar um jantar de negócios num circo. — E o senhor conseguiu provar que é o palhaço que acha que comanda o espetáculo. — Cuidado com as palavras. — Cuidado com o silêncio. — Cruzei os braços. — Ele também machuca. Ele se aproximou devagar, o olhar queimando no meu. — Está tentando me destruir? — Não. Estou tentando sobreviver a você. — Não sabe com quem está lidando. — E o senhor não sabe com quem se casou. Por um segundo, ficamos cara a cara, tão próximos que eu podia sentir o perfume dele e o calor da raiva entre nós. O olhar dele baixou pros meus lábios e subiu de novo. Eu recuei, o coração disparado. — Vá dormir, Isabella — disse, baixo. — Antes que diga algo que não possa voltar atrás. — Já passei desse ponto no dia em que aceitei seu sobrenome. Ele respirou fundo, virou as costas e subiu as escadas sem olhar pra trás. Fiquei sozinha na sala, as luzes baixas e o som distante da chuva batendo nas janelas. Tirei os sapatos, sentei no sofá e deixei o corpo relaxar. Mas a mente não parava. A imagem dele, a forma como olhava pra mim, o controle que tentava exercer. Tudo me deixava furiosa. E, ainda assim, algo em mim tremia por motivos que eu não queria admitir. Olhei pro anel no dedo e o girei lentamente. — Você pode ter me levado pra aquele jantar — murmurei. — Mas eu juro que um dia vai se arrepender de ter me feito sua esposa. Aquela noite, eu aprendi que humilhação e raiva são combustíveis perigosos. E dentro de mim, algo começava a acender. Uma chama que Leonardo Valença ainda não sabia — mas que, em breve, o queimaria também.
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