Três dias se passaram desde nossa última discussão.
Três dias em que m*l trocamos palavras, mas o ar entre nós seguia pesado — como se cada respiro fosse mais uma provocação.
A manhã de sexta começou com uma notícia inesperada:
uma funcionária entrou no quarto, carregando uma caixa grande, coberta por papel prateado.
— O senhor pediu que entregasse isto à senhora — disse, nervosa.
Olhei desconfiada.
— O que é isso?
— Um vestido. Para o jantar de hoje.
Fechei os olhos e respirei fundo.
— Claro. Porque eu não posso nem escolher o que visto.
— Ele pediu que eu dissesse que o carro sairá às sete. — A funcionária baixou o olhar. — Disse que seria... inaceitável se a senhora recusasse.
Inaceitável.
Essa era a palavra favorita dele.
Abri a caixa.
O vestido era deslumbrante — longo, de seda preta, decote discreto, mas elegante.
E frio. Frio como o homem que o escolheu.
Por um momento, me perguntei se o ódio podia ter bom gosto.
Quando desci as escadas, ele já me esperava.
Terno escuro, gravata vinho, olhar firme.
Ao me ver, ergueu uma sobrancelha.
— Pelo menos sabe obedecer quando quer.
— Não se acostume.
— Você fica bem quando não fala.
— E o senhor fica suportável quando cala.
Um leve sorriso curvou seus lábios.
— Vamos?
— Só se eu tiver escolha.
— Não tem.
O evento acontecia em um hotel luxuoso no centro da cidade.
O salão estava lotado — empresários, investidores, rostos conhecidos da elite.
Câmeras, flashes, música baixa.
O tipo de ambiente que Leonardo dominava como um rei.
Assim que entramos, senti os olhares.
Alguns curiosos. Outros julgadores.
Todos tentando entender quem era a mulher ao lado dele.
Ele colocou a mão nas minhas costas, leve, mas firme o suficiente pra parecer posse.
— Sorria, Isabella.
— Não sou um troféu.
— Hoje é.
As palavras dele foram como um tapa.
Mas, em vez de reagir, ergui o queixo.
Se ele queria uma boneca decorativa, teria uma com espinhos.
As conversas se misturavam ao som de taças e risadas contidas.
Leonardo falava com naturalidade, o típico homem que sabia comandar uma sala.
Eu o observava de longe, fingindo um sorriso.
Uma mulher se aproximou — loira, elegante, o tipo de beleza fria e calculada.
— Leonardo — disse ela, tocando o braço dele com i********e. — Que surpresa te ver aqui.
Ele retribuiu o toque, o sorriso profissional. — Elisa. Está linda, como sempre.
A frase doeu mais do que deveria.
Ela me olhou, curiosa.
— E esta é...?
— Minha esposa — respondeu ele, rápido. — Isabella.
Ela sorriu, aquele tipo de sorriso que diz tudo sem precisar dizer nada.
— Ah, claro. Li algo sobre o casamento relâmpago. Parabéns.
— Obrigada — murmurei, forçando educação. — Foi tudo... inesperado.
Elisa soltou uma risadinha. — Imagino. Leonardo sempre foi... intenso.
— É uma palavra pra isso. — Cruzei os braços.
Leonardo lançou um olhar de advertência.
— Isabella.
— O que foi? Só estou concordando.
O clima entre nós se tornou espesso, quase palpável.
Elisa percebeu e se afastou, sorrindo desconfortável.
— Eu te avisei — murmurou ele, entre os dentes. — Controle sua língua.
— Eu não sou uma funcionária.
— Mas é a minha esposa. E isso exige postura.
— Postura? — Inclinei a cabeça. — Ah, entendi. Quer uma esposa de porcelana, muda, que combina com a gravata e não o contradiz.
— Quero uma mulher que não me faça parecer um i****a em público.
— Isso o senhor faz muito bem sozinho.
Os olhos dele brilharam, perigosos.
— Cuidado, Isabella.
— Com o quê? Com a sua reputação? — sorri, amarga. — Acho que ela aguenta bem mais do que eu.
Ele respirou fundo, mas não respondeu.
Pegou uma taça de vinho e me ofereceu.
— Beba. Vai te ajudar a parecer menos… ácida.
Peguei a taça, olhei nos olhos dele e bebi tudo de uma vez.
— Melhor assim?
— Ainda não.
— Então me avise quando eu alcançar o padrão da esposa perfeita.
Ele riu, sem humor. — Vai precisar de várias vidas pra isso.
— E o senhor de várias almas pra aprender a sentir.
A noite seguiu com conversas forçadas.
Ele me apresentou a investidores, diretores e jornalistas.
A cada “prazer em conhecê-la”, eu sentia que a palavra esposa soava como um rótulo de vitrine.
Em um momento, o apresentador do evento subiu ao palco.
— Senhoras e senhores, um brinde ao CEO do Grupo Valença, pela fusão bem-sucedida deste trimestre.
As pessoas aplaudiram.
Leonardo se levantou, agradeceu com aquele charme ensaiado e… segurou minha mão.
— Nada disso seria possível sem o apoio da minha esposa — disse, olhando pra mim.
O salão inteiro nos observava.
E, pela primeira vez, senti o que era ser uma peça no tabuleiro dele.
Senti o sangue ferver.
— Que generoso — murmurei, com um sorriso falso. — Apoiar o marido é fácil quando ele avisa depois que decide tudo sozinho.
Alguns convidados riram, desconfortáveis.
Leonardo me lançou um olhar de advertência, mas era tarde.
Aquela noite não terminaria em silêncio.
— Isabella — disse ele, tentando manter a calma. — Talvez esse não seja o momento.
— Claro que não. O momento ideal seria quando eu aprendesse a fingir como o senhor.
O silêncio foi absoluto.
As pessoas fingiram olhar pra outro lado.
E ele apenas ficou ali, imóvel, com o copo na mão e o orgulho ferido.
Por dentro, eu tremia.
Por fora, sorri.
Voltamos pra casa em silêncio.
O som dos pneus na estrada era o único ruído.
Ele dirigia firme, o maxilar travado.
— Está orgulhosa? — perguntou por fim.
— Estou viva. Já é um milagre.
— Você me envergonhou diante de todos.
— O senhor me humilha todos os dias. Estamos empatados.
— Empatados? — Ele riu, sem humor. — Você não tem ideia do que é perder comigo.
— Então me ensine.
O olhar dele foi rápido, intenso.
Por um instante, o ar pareceu queimar.
Mas ele desviou o olhar e acelerou o carro.
O resto do caminho foi mudo.
Chegamos à mansão pouco antes da meia-noite.
Assim que entramos, ele tirou o paletó e jogou sobre o sofá.
— Parabéns, Isabella. Conseguiu transformar um jantar de negócios num circo.
— E o senhor conseguiu provar que é o palhaço que acha que comanda o espetáculo.
— Cuidado com as palavras.
— Cuidado com o silêncio. — Cruzei os braços. — Ele também machuca.
Ele se aproximou devagar, o olhar queimando no meu.
— Está tentando me destruir?
— Não. Estou tentando sobreviver a você.
— Não sabe com quem está lidando.
— E o senhor não sabe com quem se casou.
Por um segundo, ficamos cara a cara, tão próximos que eu podia sentir o perfume dele e o calor da raiva entre nós.
O olhar dele baixou pros meus lábios e subiu de novo.
Eu recuei, o coração disparado.
— Vá dormir, Isabella — disse, baixo. — Antes que diga algo que não possa voltar atrás.
— Já passei desse ponto no dia em que aceitei seu sobrenome.
Ele respirou fundo, virou as costas e subiu as escadas sem olhar pra trás.
Fiquei sozinha na sala, as luzes baixas e o som distante da chuva batendo nas janelas.
Tirei os sapatos, sentei no sofá e deixei o corpo relaxar.
Mas a mente não parava.
A imagem dele, a forma como olhava pra mim, o controle que tentava exercer.
Tudo me deixava furiosa.
E, ainda assim, algo em mim tremia por motivos que eu não queria admitir.
Olhei pro anel no dedo e o girei lentamente.
— Você pode ter me levado pra aquele jantar — murmurei. — Mas eu juro que um dia vai se arrepender de ter me feito sua esposa.
Aquela noite, eu aprendi que humilhação e raiva são combustíveis perigosos.
E dentro de mim, algo começava a acender.
Uma chama que Leonardo Valença ainda não sabia — mas que, em breve, o queimaria também.