O Teste Positivo

1337 Words
O silêncio daquela manhã parecia mais alto que qualquer grito. Eu andava pela casa como quem carrega um segredo nas mãos — e dentro de mim, o segredo crescia, pulsando junto com o medo. O teste que havia trazido da casa da minha mãe estava guardado no fundo da gaveta, como uma bomba-relógio pronta pra explodir. Passei a madrugada inteira encarando aquele objeto pequeno e terrível. Um pedaço de plástico que decidiria o rumo da minha vida. O corpo não mentia. O atraso, os enjoos, o cansaço constante. Mas uma parte de mim ainda se agarrava à negação, como quem tenta impedir o inevitável. Peguei outro teste novo com as mãos trêmulas e fui até o banheiro. O coração batia rápido, como se quisesse fugir antes de mim. Sentei no chão frio e fechei os olhos por alguns segundos, tentando respirar. — É só um teste — murmurei pra mim mesma. — Só um teste. Mas o que eu sentia no fundo já era certeza. Os minutos que seguiram pareceram uma eternidade. A ampulheta invisível dentro da minha cabeça girava devagar, como se o universo se divertisse me torturando. Quando finalmente olhei, os dois traços estavam lá. Fortes. Claros. Inquestionáveis. Por um segundo, o mundo sumiu. Não ouvi mais nada — nem o som da chuva lá fora, nem o vento batendo na janela. Apenas aquele pequeno símbolo, dizendo que nada nunca mais seria igual. As lágrimas vieram sem aviso. Não eram só de medo. Havia algo mais. Uma centelha de amor, pequena e inesperada, nascida do caos. Apoiei a mão sobre o ventre e sussurrei: — Oi, meu amor. Foi a primeira vez que chamei aquele pequeno ser de algo tão simples e tão grande. E o coração respondeu com um aperto quente, como se o universo me dissesse: “agora é você e ele.” O som do motor do carro na entrada me fez congelar. Leonardo. O homem que transformava tudo em guerra, até o silêncio. Corri até o banheiro e escondi o teste dentro da gaveta. Olhei o espelho — olhos marejados, rosto pálido. Respirei fundo e tentei parecer normal. Quando desci, ele já estava na sala, tirando o paletó. — Está cedo em casa — arrisquei. — Cansei de reuniões inúteis. — E veio pra cá… procurar o quê? — Paz. Ri, amarga. — No lugar onde mora o caos? Interessante. Ele ergueu o olhar, estudando meu rosto. — Você está diferente. — Cansada. — Mentiu melhor quando me odiava. — E o senhor mentia melhor quando fingia que não sentia nada. Por um instante, o silêncio pesou. Era como se cada palavra dita desde o casamento tivesse se acumulado entre nós, esperando o momento certo pra explodir. — Isabella… — começou ele, mas a voz falhou. — O que está escondendo? Meu coração disparou. — Nada. — Não minta. — A voz ficou mais baixa, mais grave. — Eu conheço seu olhar. — O senhor não conhece nada. Ele deu um passo à frente. — Está pálida. m*l se alimenta. Dorme pouco. — Virou médico agora? — Virei alguém que nota quando você muda. Os olhos dele buscavam os meus, como se tentassem atravessar a armadura que eu construía. Mas eu não podia ceder. Ainda não. — Leonardo… — tentei manter a calma. — Eu preciso te dizer algo. Ele esperou, imóvel. A garganta travou, mas as palavras saíram, baixas, quase num sussurro: — Estou grávida. O tempo parou. Nem o som da chuva ousou interromper aquele segundo. Os olhos dele se arregalaram, e o ar pareceu sumir da sala. Por um momento, achei que não tivesse ouvido direito. Mas ele ouviu. E entendeu. — O quê? — a voz saiu rouca. — Eu estou grávida, Leonardo. Silêncio. E então, veio o golpe: — Não. — Não? — Isso não pode estar acontecendo. — Acredite, está. Ele deu alguns passos pra trás, a respiração pesada. — Como tem tanta certeza? — Fiz o teste. — Pode estar errado. — Não está. O olhar dele ficou frio, duro. O homem que eu conhecia — o CEO implacável — voltou à superfície. — Isso é uma armadilha? Meu corpo gelou. — O quê? — Uma forma de me prender? De garantir sua posição? — Está me chamando de interesseira? — Estou dizendo que tudo o que cerca você é consequência de um erro. A raiva subiu. — E essa criança é o quê? Um erro também? — Eu não pedi por isso. — Nem eu pedi pra ser vendida pelo meu pai, mas aqui estou. Ele passou as mãos pelo cabelo, irritado. — Não posso ter um filho agora. — Pois já tem. — Isabella… — Ele suspirou, nervoso. — Você não entende. Isso muda tudo. — Sim. Muda. E eu não esperava que fosse fácil. — Não estou preparado pra isso. — Ninguém está, Leonardo. Ele virou de costas, andando pela sala como um animal preso. — Eu não sou o tipo de homem que sabe amar. — Então aprenda. — Eu não quero. — Eu também não quis estar aqui, mas a vida nem sempre pergunta o que a gente quer. As lágrimas queimavam, mas eu as engoli. Não daria o gosto da minha fraqueza. — Eu não posso ser pai. — Ele disse, por fim. — Não sei o que isso significa. — Significa que há um pedaço de você crescendo aqui dentro. — Toquei o ventre. — E, querendo ou não, ele existe. — Eu… — Ele hesitou, os olhos perdidos. — Eu não sei como lidar com isso. — Então não lide. Mas não ouse ignorar. Ele ficou em silêncio por longos segundos. E, quando falou, a voz era um sussurro cheio de raiva contida. — Não era pra isso ter acontecido. — Eu sei. Mas aconteceu,caro Sr. Leonardo quando se transam sem proteção ou já esqueceu? — Eu não quero essa criança. As palavras caíram como lâminas. O ar sumiu. Meu coração se partiu em mil pedaços. — Repete, se for essa bosta de homem que e. — Pedi, com a voz trêmula. — Eu não quero ser pai. Fechei os olhos. As lágrimas finalmente escaparam. — Pois eu quero ser mãe, Leonardo. E essa criança não tem culpa do mostro que você e. Ele me olhou como se eu tivesse acabado de desafiá-lo. Mas não havia mais medo em mim. Só determinação. — Isabella… — tentou dizer algo, mas eu o interrompi. — Chega. — Minha voz saiu firme. — Você pode fingir que nada aconteceu entre nós, mas eu não vou fingir que essa vida não existe. — Está cometendo um erro. — Talvez. Mas é o meu erro, e vou sustentá-lo até o fim entendeu? Seu filho da p**a! O silêncio se instalou de novo, denso, pesado. Leonardo desviou o olhar, incapaz de me encarar. O homem que sempre teve o controle agora parecia pequeno diante da verdade. — Não quero discutir isso agora — disse ele, por fim. — Ótimo. Mas da próxima vez que quiser fugir, lembre-se: o que está crescendo dentro de mim não vai desaparecer só porque você finge que não existe. Virei as costas e subi as escadas. Senti o chão tremer sob meus pés, o coração descompassado, a alma exausta. Fechei a porta do quarto e desabei. Chorei até o corpo doer, até o som da chuva se confundir com meus soluços. Mas, no meio do desespero, toquei o ventre e sussurrei: — Eu te escolho. Sempre. Peguei o diário e escrevi com letras trêmulas: Hoje ele disse que não quer ser pai. Mas eu descobri que quero ser mãe. Mesmo que o mundo desabe. Mesmo que ele nunca me olhe da mesma forma. Porque, às vezes, amar é resistir quando ninguém mais acredita.  Fechei o caderno e encarei o espelho. Os olhos vermelhos, o rosto inchado, mas havia algo novo ali: força. O homem que me quebrou jamais entenderia o quanto eu era capaz de me reconstruir. E, no fundo, talvez fosse isso que mais o assustava.
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