A dor não desaparece de uma vez.
Ela se recolhe, como o mar depois da tempestade, mas ainda deixa rastros na areia.
Nos dias seguintes ao escândalo, o mundo lá fora continuava girando, mas aqui dentro o tempo parecia ter parado.
O relógio marcava as horas, mas o coração, não.
E, no entanto, algo dentro de mim começou a mudar — silenciosa e inevitavelmente.
A barriga crescia.
E junto com ela, um sentimento que eu não sabia nomear.
Não era apenas amor.
Era força.
Naquela manhã, o sol entrou pela janela como quem pedia licença.
O brilho invadia o quarto e tocava meu rosto, e por um instante, eu esqueci de tudo.
Levantei devagar.
A imagem no espelho me assustou no início.
Meu corpo não era mais o mesmo.
Os traços delicados da cintura haviam desaparecido, o rosto estava mais cheio, e as olheiras contavam a história de noites em claro.
Por muito tempo, aprendi a me odiar diante do espelho.
A me cobrar ser perfeita, a tentar caber na versão que o mundo esperava de mim.
Mas naquele dia… foi diferente.
Toquei o ventre e senti o calor sob a pele.
— Você está crescendo, né, meu amor? — sussurrei. — E a mamãe está crescendo junto.
Senti o bebê se mover, suave, como resposta.
Sorri entre lágrimas.
Foi nesse instante que entendi: meu corpo não estava perdendo beleza — estava criando vida.
Passei a tarde reorganizando o quarto.
Abri as janelas, deixei o vento entrar, tirei as cortinas pesadas que ele, Leonardo, havia escolhido.
Queria leveza.
Queria respirar.
Troquei os lençóis, espalhei flores pelo cômodo, coloquei uma música baixa.
A casa, antes fria, começou a parecer lar.
Enquanto limpava a penteadeira, encontrei um batom antigo — vermelho, esquecido no fundo da gaveta.
Lembrei de quantas vezes ele dissera:
“Não gosto dessa cor em você. É chamativa demais.”
Olhei o batom, abri a tampa e passei.
Olhei o reflexo no espelho e sorri.
— Agora eu gosto.
O gosto era de liberdade.
As horas seguintes foram silenciosas, mas pela primeira vez, o silêncio não doía.
Era um silêncio diferente — o tipo que conforta, não o que destrói.
Sentei no sofá, uma xícara de chá nas mãos, e olhei o jardim pela janela.
O vento balançava as árvores, e o som das folhas era quase uma canção.
Pela primeira vez em meses, respirei fundo sem sentir medo.
Talvez a paz não fosse a ausência de dor, pensei.
Talvez fosse aprender a viver mesmo com ela.
Naquela noite, antes de dormir, fiquei observando o corpo no espelho novamente.
As estrias começavam a surgir.
O quadril parecia mais largo, os s***s mais sensíveis.
Mas eu não vi defeitos.
Vi marcas de guerra.
Peguei o diário e escrevi:
Meu corpo muda a cada dia, mas é a minha alma que está se transformando.
Já não quero ser a mulher que espera por amor.
Quero ser a mulher que se ama o suficiente pra não implorar por migalhas.
Fechei o caderno e deixei o olhar se perder no teto.
O bebê se mexeu outra vez, e uma lágrima escorreu — mas era leve, quase doce.
— Você sente, né? — perguntei baixinho. — A mamãe está mudando.
Nos dias seguintes, adotei pequenas rotinas.
Comecei a caminhar no jardim ao amanhecer.
Os primeiros raios de sol tocavam a pele e me lembravam que a vida continuava, mesmo quando o coração queria parar.
As flores, o vento, o cheiro da grama molhada — tudo parecia novo.
Talvez porque, pela primeira vez, eu olhava o mundo sem precisar de alguém pra me segurar.
Às vezes, os empregados da casa me observavam de longe, confusos.
Talvez esperassem que eu desmoronasse.
Mas eu já havia desmoronado.
Agora, estava aprendendo a levantar.
Helena começou a ligar todos os dias.
Às vezes, não dizíamos nada importante.
Falávamos de receitas, de novelas antigas, de trivialidades.
Mas cada ligação era um lembrete: eu ainda era amada.
Em uma das chamadas, ela disse:
— Filha, você parece diferente.
— Estou.
— Mais calma.
— Mais livre.
Ela sorriu, e eu senti mesmo sem vê-la.
— Então o pior já passou.
— Não, mãe. — respondi. — Mas agora eu sei quem sou no meio da tempestade.
À tarde, recebi uma encomenda.
Um berço, montado por um funcionário da loja.
Enquanto ele terminava, eu observava as peças se encaixando.
Madeira, parafusos, pequenos detalhes… tudo ganhando forma.
Era como ver a mim mesma se reconstruindo.
Quando o berço ficou pronto, toquei a madeira e senti o cheiro novo.
Um cheiro de começo.
De esperança.
— Vai ser aqui que você vai dormir, meu amor — sussurrei. — E a mamãe promete que esse quarto vai ser o lugar mais seguro do mundo.
Fechei os olhos e imaginei o bebê ali, dormindo tranquilo.
O coração apertou — mas dessa vez, de ternura.
No início da noite, recebi uma mensagem inesperada.
De um número desconhecido.
“Você é mais forte do que ele pensa. — C.”
Meu estômago se revirou.
Camila.
Apaguei a mensagem sem responder.
Não valia mais a pena alimentar o veneno de quem vive de dor alheia.
Olhei o celular por um instante e o deixei de lado.
Eu não precisava mais provar nada pra ninguém.
Preparei um banho quente.
A água escorria pelos ombros, levando embora o cansaço e a lembrança de cada humilhação.
Fechei os olhos e deixei a mente vagar.
Por tanto tempo, eu havia associado o toque da água ao choro.
Mas agora, ela me lavava de verdade — como se limpasse o peso da culpa que não era minha.
Quando saí do banho, me olhei no espelho novamente.
O corpo estava diferente, sim.
Mas não era feio.
Era vivo.
Era meu.
Passei as mãos sobre a barriga e sorri.
— Obrigada por me salvar, meu amor. — sussurrei. — Sem você, eu teria me perdido de vez.
À noite, sentei no sofá e liguei o rádio.
Uma música antiga começou a tocar — lenta, melancólica, bonita.
As notas me envolveram como um abraço.
Deixei a cabeça encostar no encosto e fechei os olhos.
A imagem de Leonardo surgiu por um instante.
O sorriso, o toque, o olhar.
Mas, pela primeira vez, a lembrança não me destruiu.
Ela apenas… passou.
Como vento que atravessa e vai embora.
— Um dia, você vai entender — murmurei pro vazio. — Que a mulher que você tentou controlar se tornou exatamente o que você temia: livre.
Antes de dormir, voltei ao espelho uma última vez.
Olhei para o corpo inteiro, sem medo, sem vergonha.
Cada curva, cada marca, cada sinal de mudança.
E pela primeira vez desde que tudo começou, eu não quis ser outra.
Não quis voltar a quem eu era.
Sorri.
— Eu gosto de quem estou me tornando.
Fechei a luz, deitei e toquei o ventre.
O bebê se moveu devagar, como um aceno.
E naquele instante, entendi o que era amor de verdade:
não o que se implora — o que se constrói.
No meio da madrugada, acordei com o som da chuva.
Mas não senti medo.
Fiquei ali, ouvindo.
Cada gota parecia uma canção nova, diferente das anteriores.
Peguei o diário e escrevi:
Meu corpo mudou, e minha alma acompanhou.
Antes eu pedia pra ser amada.
Agora eu me amo.
Antes eu queria que ele me visse.
Agora, eu me enxergo.
Fechei o caderno, apaguei o abajur e respirei fundo.
A escuridão já não me assustava.
Porque, mesmo sem luz, eu finalmente sabia quem era.