A Briga que Partiu o Coração

1128 Words
O som do vidro estilhaçado ecoou pela mansão como um tiro. Por um segundo, o silêncio se transformou em medo — e o medo, em raiva. Desci as escadas com o coração acelerado, o corpo inteiro tremendo, mas a voz firme. Ele estava lá, de costas, diante do bar. O whisky escorria pelos dedos, o chão coberto de pedaços de cristal. Parecia um homem tentando se afogar no próprio orgulho. — Quebrou o copo ou o resto que ainda sobrava da gente? — perguntei, fria. Ele se virou devagar. Os olhos vermelhos denunciavam a ressaca emocional. — Não começa, Isabella. — Eu não comecei nada. Quem começou foi você, quando decidiu que o silêncio era mais fácil do que olhar pra mim. — Você quer discutir agora? — Não. Quero que me ouça. — Cruzei os braços. — E dessa vez, você não vai me calar. Ele riu, amargo. — Eu nunca te calei. — Não? — Dei um passo à frente. — Então o que é ignorar uma mulher grávida dentro da própria casa? — Eu precisava de tempo. — O tempo não cura covardia, Leonardo. A mandíbula dele tensionou. — Eu não sou covarde. — É, sim. — Minha voz saiu firme, cortante. — Porque é mais fácil me odiar do que admitir o que sente. — Eu não sinto nada. — Então por que está tremendo? Ele desviou o olhar. Um segundo de silêncio. Um segundo que dizia mais do que mil desculpas. — Eu não pedi esse filho, Isabella. — E acha que eu pedi? — Você podia ter evitado. — O senhor também. O ar ficou pesado. Era a primeira vez que eu o via sem máscara, sem frieza. Apenas um homem com medo de si mesmo. — Não quero brigar. — Ele passou a mão no rosto. — Não hoje. — Então me escute. — Respirei fundo. — Eu vou criar esse bebê. Sozinha, se for preciso. — Você não entende as consequências disso. — Entendo mais do que imagina. — A mídia, os negócios, as aparências… — Que se dane tudo isso! — gritei. — Eu não estou lutando por uma imagem. Estou lutando por uma vida! Ele me olhou, surpreso com a explosão. Mas não respondeu. Ficou apenas parado, respirando pesado, como quem tenta conter um furacão. — Eu não sou sua funcionária, Leonardo. — Continuei. — Nem um investimento falido. Eu sou a mulher que você tentou apagar. — E conseguiu? — perguntou, rouco. — Não. — Dei um meio sorriso. — Porque o que cresce aqui dentro é maior que o seu ego. Ele fechou os olhos, exausto. — Eu não sei lidar com isso. — Então aprenda. — Eu não quero aprender. — Que pena. Porque a lição vai acontecer mesmo sem você. Por um momento, achei que ele fosse quebrar outro copo. Mas, em vez disso, ele apenas afundou as mãos no cabelo e respirou fundo. — Você vai se arrepender — murmurou. — Não. Quem vai é você. Ele levantou o olhar. — Está dizendo que vai ficar? — Sim. Nessa casa. Nessa vida. Até o bebê nascer. — E depois? — Depois eu decido. — Você acha que pode me enfrentar? — Eu não acho. Tenho certeza. O olhar dele se escureceu. Por um segundo, o homem frio voltou — o CEO, o dono do mundo. Mas algo nele vacilou. Talvez fosse o cansaço. Ou o medo de finalmente ter encontrado alguém que não se curvava. — Você quer guerra, Isabella? — Não. Quero respeito. — E se eu não souber dar isso? — Então não merece estar aqui. Ele ficou em silêncio. Longo. Doloroso. O tipo de silêncio que destrói mais do que as palavras. Dei as costas e subi as escadas. Ele não me seguiu. E, dessa vez, eu também não olhei pra trás. Arrumei uma mala pequena e fui até o quarto de hóspedes. O mesmo quarto onde dormi nas primeiras semanas após o casamento. Na hora, era solidão. Agora, era liberdade. Sentei na cama, respirei fundo e deixei as lágrimas caírem em silêncio. Não de dor. Mas de alívio. Pela primeira vez, não era medo o que eu sentia. Era força. — Vamos ficar bem, meu amor — sussurrei, tocando o ventre. — Mesmo que o mundo desabe, eu prometo que você nunca vai sentir o peso do ódio que nos cerca. Fechei os olhos e me deixei cair sobre o travesseiro. O corpo cansado, a alma leve. Horas depois, ouvi passos no corredor. Leonardo. A porta ficou entreaberta, e vi a sombra dele parada ali. Não entrou. Não falou nada. Apenas ficou. Por um instante, pensei que fosse dizer algo. Mas ele apenas observou — talvez tentando entender em que momento me perdeu. E, sem uma palavra, se virou e foi embora. O som dos passos sumindo no corredor foi o adeus que ele nunca teve coragem de dizer. Na manhã seguinte, desci para o café. A mesa estava posta, mas ele não estava. Apenas um bilhete: Viajei por alguns dias. Preciso de distância. Ri, amarga. Distância era o que ele mais sabia oferecer. Peguei o bilhete, amassei e joguei no lixo. Depois, olhei pro espelho da sala e vi meu reflexo: a mulher que ele tentou diminuir agora ocupava o espaço inteiro. E percebi que, talvez, essa fosse a verdadeira revolução — não o grito, não a briga, mas o simples ato de permanecer de pé. Peguei o diário e escrevi: Ele foi embora outra vez. Mas dessa vez, eu não fiquei esperando. Porque, quando uma mulher decide ser mãe sozinha, ela deixa de ser vítima pra se tornar herdeira da própria coragem. Fechei o caderno, inspirei fundo e senti o cheiro de café fresco no ar. A vida seguia. Dentro de mim, e apesar de tudo. À noite, o quarto dele estava escuro. A porta entreaberta revelava o lençol bagunçado, a garrafa pela metade, e o vazio ao lado. Entrei em silêncio, apenas pra olhar. Aquele homem que se achava dono de tudo agora dormia sozinho, cercado por paredes que o protegiam de si mesmo. Deixei um último olhar e murmurei: — Um dia, você vai entender. Mas vai ser tarde demais. Voltei pro meu quarto. Fechei a porta. E pela primeira vez em muito tempo, dormi em paz. A madrugada veio calma. Sem trovões, sem gritos. Apenas o som da chuva leve, como uma canção de ninar. Acariciei o ventre e sorri. — Você vai crescer forte, meu amor — E vai aprender que o amor verdadeiro nunca pede permissão pra existir. O coração bateu calmo. A dor ainda estava lá, mas diferente. Era uma dor de renascimento. Porque, naquele instante, percebi que não precisava mais de um salvador. Eu já era o meu próprio recomeço.
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