A dor tem muitas vozes.
Mas a que mais machuca é a do silêncio — aquele que vem quando quem você ama escolhe duvidar de você.
Foram dois dias de inferno desde a entrevista de Camila.
Dois dias de manchetes, especulações, mentiras repetidas até virarem verdades.
“Camila Duarte diz que bebê pode não ser de Leonardo Valença.”
“Triângulo amoroso, traição e uma herdeira em disputa.”
“Quem é o verdadeiro pai do bebê Monteiro-Valença?”
As notícias corriam como fogo.
E cada nova notificação era uma facada diferente.
Naquela manhã, eu estava no quarto, sentada à beira da cama, tentando respirar entre as ondas de enjoo e angústia.
A TV ligada no volume baixo.
De repente, a voz dela outra vez — Camila — ecoou da tela.
“Eu só quero o bem dele.
E se há alguma dúvida sobre essa criança, é justo que ele saiba a verdade.”
O sangue gelou.
Não pelo que ela dizia.
Mas porque eu sabia o que vinha depois.
O mundo conhece o peso de uma frase como essa.
E o homem que eu amava… conhecia também.
A porta se abriu devagar.
Leonardo entrou.
O rosto tenso, o olhar cansado, a gravata meio solta como se o dia já tivesse sido longo antes mesmo de começar.
— Precisamos conversar. — disse, fechando a porta atrás de si.
Meu corpo inteiro ficou alerta.
A respiração prendeu.
— Sobre o quê? — perguntei, mesmo já sabendo a resposta.
Ele hesitou por um segundo.
Mas quando os olhos dele encontraram os meus, já não havia espaço pra dúvidas.
— Sobre o bebê.
A alma pareceu se partir.
— O que tem o bebê, Leonardo?
Ele engoliu em seco.
— Eu preciso que a gente faça o teste de paternidade.
O ar sumiu.
Literalmente.
Senti o corpo endurecer, os dedos formigando, o coração batendo em algum lugar entre o peito e o chão.
— Repete. — pedi, num fio de voz.
— Isabella… — ele deu um passo. — Eu preciso ter certeza.
O tapa veio antes das lágrimas.
Não físico.
Mas dentro de mim.
Tão forte que quase me derrubou.
— “Ter certeza”? — repeti, incrédula. — Depois de tudo?
— É só um exame.
— Não, Leonardo. — o interrompi. — É uma acusação.
Ele passou as mãos pelos cabelos, exasperado.
— Não é isso. Eu só… eu preciso encerrar essa história de uma vez. Camila tá usando isso pra nos destruir.
— E você acha que ela conseguiria se você realmente confiasse em mim.
O silêncio dele foi a resposta mais c***l que eu já recebi.
— Eu não acredito nisso. — falei, firme, mesmo com a voz trêmula. — Não depois do que passamos.
Ele tentou se aproximar. — Isabella, eu tô tentando proteger você.
Ri, amarga. — Não. Você tá tentando proteger a própria reputação.
O CEO que não quer ser o i****a enganado pela esposa grávida.
Ele cerrou o maxilar. — Não fala assim.
— Assim como? A verdade dói, não é?
Você prefere acreditar numa mulher que mentiu pra você, que te usou, que te humilhou em rede nacional, do que em mim — que tô aqui, sozinha, lutando pra não desmoronar.
A voz saiu mais alta do que eu queria.
Mas não havia como segurar.
Porque ali não era só raiva.
Era humilhação.
Era a ferida reabrindo com força.
Leonardo baixou o olhar.
— Eu tô sendo pressionado, Isabella. A imprensa, os acionistas, os advogados… todo mundo quer respostas.
— Então dá a eles o que querem. — respondi, fria. — O meu corpo. O meu sangue. O meu bebê.
Faz o maldito teste.
As lágrimas escorriam, mas o tom da minha voz era puro gelo.
Porque naquele momento, algo dentro de mim morreu — o restinho de confiança que ainda acreditava nele.
Ele fechou os olhos, visivelmente abatido.
— Não fala assim. Eu não quero te machucar.
— Mas já machucou. — sussurrei. — E o pior é que você nem percebe.
O silêncio ficou pesado.
O som do relógio parecia zombar do tempo que a gente estava perdendo se destruindo.
— Eu só preciso de uma prova, Isabella.
Depois disso, nada mais importa.
— Uma prova? — sorri com amargura. — O amor não foi prova o suficiente?
O que você quer, Leonardo? Um papel com carimbo pra acreditar no que sente?
Ele não respondeu.
E o silêncio confirmou tudo.
Peguei o celular e disquei o número da clínica.
— Eu mesma vou marcar. — disse, seca. — Assim você pode dormir tranquilo.
Ele tentou falar, mas eu levantei a mão.
— Não precisa dizer nada. As palavras só pioram quando o coração tá sujo de dúvida.
— Eu nunca duvidei do seu caráter.
— Então duvidou do quê? Do meu corpo? Da minha barriga?
A pergunta ficou entre nós, como uma faca girando devagar.
Ele não respondeu.
Horas depois, no carro, o silêncio era mortal.
A chuva batia fraca nos vidros, o som abafado das gotas parecendo o compasso do que restava da nossa relação.
Leonardo dirigia sem olhar pra mim.
Eu observava as luzes da cidade passando rápido, borradas, como tudo o que eu sentia.
Na clínica, as enfermeiras foram gentis.
Sorrisos automáticos, mãos habilidosas.
Coletaram meu sangue, registraram o pedido.
E eu não chorei.
Não por fora.
Quando o médico explicou o procedimento, Leonardo ficou ao lado, tenso.
— Em alguns dias o resultado sai.
Assenti.
— Claro. Afinal, é importante saber se o bebê da esposa realmente é do marido, não é?
O médico desviou o olhar, constrangido.
Leonardo suspirou, impotente.
No caminho de volta, ele tentou falar.
— Eu sei que parece injusto, mas eu só quero resolver tudo de vez.
— Resolver? — murmurei. — Você quer limpar seu nome, Leonardo. Não limpar a alma.
Ele apertou o volante com força. — Eu tô tentando fazer o certo.
— O certo pra quem? Pra você ou pra nós?
— Pra nós dois.
— Não existe “nós” quando só um confia.
As lágrimas me cegavam.
Olhei pra janela e deixei que ele falasse sozinho.
O som do motor, o vento, a distância — tudo misturado num silêncio que gritava mais do que qualquer discussão.
Quando chegamos em casa, desci do carro sem esperar que ele abrisse a porta.
Entrei, subi as escadas e fui direto pro quarto.
Aquele mesmo quarto que, dias antes, parecia uma trégua agora voltava a ser prisão.
Sentei na beira da cama, o corpo tremendo.
Toquei o ventre e senti o bebê se mexer.
— Ele não sabe, meu amor. — sussurrei. — Ele não entende o que é amor de verdade.
Fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem.
Chorar não era mais fraqueza.
Era o único jeito de ainda sentir que havia algo vivo dentro de mim.
Mais tarde, Leonardo apareceu na porta.
Ficou ali, imóvel, como se o simples ato de respirar perto de mim fosse um crime.
— Isabella…
— Não fala. — interrompi. — Não tem mais nada pra dizer.
— Eu sei que errei.
— Não, Leonardo. — olhei pra ele, firme. — Você não errou. Você escolheu.
Ele engoliu em seco. — Eu só quero que você saiba que… eu te amo.
Ri, amarga. — Amor que precisa de teste não é amor, é contrato.
As lágrimas escorreram devagar.
— Você não precisa de um exame pra saber a verdade.
Só de coragem pra acreditar nela.
Ele tentou se aproximar, mas eu me levantei.
— Quando o resultado sair, me avisa. — falei, seca. — Assim a gente encerra de vez esse espetáculo.
— Isabella, por favor…
— Boa noite, Leonardo.
Entrei no banheiro e fechei a porta antes que ele visse o quanto eu tremia.
O som da tranca ecoou alto, cortante.
Do outro lado, ouvi o som abafado da respiração dele — pesada, quebrada.
Mas eu não abri.
Não dessa vez.
No espelho, meu reflexo era o de uma mulher que não sabia mais se chorava por raiva ou por amor.
Talvez pelos dois.
Porque amar alguém que não confia em você é o tipo mais silencioso de abandono.
Toquei a barriga outra vez.
— Um dia, meu amor, você vai saber o que é amor de verdade.
Mesmo que o seu pai nunca descubra.
E naquele instante, jurei pra mim mesma:
se ele precisava de um teste pra acreditar…
então eu ia deixar que o resultado dissesse o que o coração dele nunca teve coragem de sentir.