O Teste de Paternidade

1418 Words
A dor tem muitas vozes. Mas a que mais machuca é a do silêncio — aquele que vem quando quem você ama escolhe duvidar de você. Foram dois dias de inferno desde a entrevista de Camila. Dois dias de manchetes, especulações, mentiras repetidas até virarem verdades. “Camila Duarte diz que bebê pode não ser de Leonardo Valença.” “Triângulo amoroso, traição e uma herdeira em disputa.” “Quem é o verdadeiro pai do bebê Monteiro-Valença?” As notícias corriam como fogo. E cada nova notificação era uma facada diferente. Naquela manhã, eu estava no quarto, sentada à beira da cama, tentando respirar entre as ondas de enjoo e angústia. A TV ligada no volume baixo. De repente, a voz dela outra vez — Camila — ecoou da tela. “Eu só quero o bem dele. E se há alguma dúvida sobre essa criança, é justo que ele saiba a verdade.” O sangue gelou. Não pelo que ela dizia. Mas porque eu sabia o que vinha depois. O mundo conhece o peso de uma frase como essa. E o homem que eu amava… conhecia também. A porta se abriu devagar. Leonardo entrou. O rosto tenso, o olhar cansado, a gravata meio solta como se o dia já tivesse sido longo antes mesmo de começar. — Precisamos conversar. — disse, fechando a porta atrás de si. Meu corpo inteiro ficou alerta. A respiração prendeu. — Sobre o quê? — perguntei, mesmo já sabendo a resposta. Ele hesitou por um segundo. Mas quando os olhos dele encontraram os meus, já não havia espaço pra dúvidas. — Sobre o bebê. A alma pareceu se partir. — O que tem o bebê, Leonardo? Ele engoliu em seco. — Eu preciso que a gente faça o teste de paternidade. O ar sumiu. Literalmente. Senti o corpo endurecer, os dedos formigando, o coração batendo em algum lugar entre o peito e o chão. — Repete. — pedi, num fio de voz. — Isabella… — ele deu um passo. — Eu preciso ter certeza. O tapa veio antes das lágrimas. Não físico. Mas dentro de mim. Tão forte que quase me derrubou. — “Ter certeza”? — repeti, incrédula. — Depois de tudo? — É só um exame. — Não, Leonardo. — o interrompi. — É uma acusação. Ele passou as mãos pelos cabelos, exasperado. — Não é isso. Eu só… eu preciso encerrar essa história de uma vez. Camila tá usando isso pra nos destruir. — E você acha que ela conseguiria se você realmente confiasse em mim. O silêncio dele foi a resposta mais c***l que eu já recebi. — Eu não acredito nisso. — falei, firme, mesmo com a voz trêmula. — Não depois do que passamos. Ele tentou se aproximar. — Isabella, eu tô tentando proteger você. Ri, amarga. — Não. Você tá tentando proteger a própria reputação. O CEO que não quer ser o i****a enganado pela esposa grávida. Ele cerrou o maxilar. — Não fala assim. — Assim como? A verdade dói, não é? Você prefere acreditar numa mulher que mentiu pra você, que te usou, que te humilhou em rede nacional, do que em mim — que tô aqui, sozinha, lutando pra não desmoronar. A voz saiu mais alta do que eu queria. Mas não havia como segurar. Porque ali não era só raiva. Era humilhação. Era a ferida reabrindo com força. Leonardo baixou o olhar. — Eu tô sendo pressionado, Isabella. A imprensa, os acionistas, os advogados… todo mundo quer respostas. — Então dá a eles o que querem. — respondi, fria. — O meu corpo. O meu sangue. O meu bebê. Faz o maldito teste. As lágrimas escorriam, mas o tom da minha voz era puro gelo. Porque naquele momento, algo dentro de mim morreu — o restinho de confiança que ainda acreditava nele. Ele fechou os olhos, visivelmente abatido. — Não fala assim. Eu não quero te machucar. — Mas já machucou. — sussurrei. — E o pior é que você nem percebe. O silêncio ficou pesado. O som do relógio parecia zombar do tempo que a gente estava perdendo se destruindo. — Eu só preciso de uma prova, Isabella. Depois disso, nada mais importa. — Uma prova? — sorri com amargura. — O amor não foi prova o suficiente? O que você quer, Leonardo? Um papel com carimbo pra acreditar no que sente? Ele não respondeu. E o silêncio confirmou tudo. Peguei o celular e disquei o número da clínica. — Eu mesma vou marcar. — disse, seca. — Assim você pode dormir tranquilo. Ele tentou falar, mas eu levantei a mão. — Não precisa dizer nada. As palavras só pioram quando o coração tá sujo de dúvida. — Eu nunca duvidei do seu caráter. — Então duvidou do quê? Do meu corpo? Da minha barriga? A pergunta ficou entre nós, como uma faca girando devagar. Ele não respondeu. Horas depois, no carro, o silêncio era mortal. A chuva batia fraca nos vidros, o som abafado das gotas parecendo o compasso do que restava da nossa relação. Leonardo dirigia sem olhar pra mim. Eu observava as luzes da cidade passando rápido, borradas, como tudo o que eu sentia. Na clínica, as enfermeiras foram gentis. Sorrisos automáticos, mãos habilidosas. Coletaram meu sangue, registraram o pedido. E eu não chorei. Não por fora. Quando o médico explicou o procedimento, Leonardo ficou ao lado, tenso. — Em alguns dias o resultado sai. Assenti. — Claro. Afinal, é importante saber se o bebê da esposa realmente é do marido, não é? O médico desviou o olhar, constrangido. Leonardo suspirou, impotente. No caminho de volta, ele tentou falar. — Eu sei que parece injusto, mas eu só quero resolver tudo de vez. — Resolver? — murmurei. — Você quer limpar seu nome, Leonardo. Não limpar a alma. Ele apertou o volante com força. — Eu tô tentando fazer o certo. — O certo pra quem? Pra você ou pra nós? — Pra nós dois. — Não existe “nós” quando só um confia. As lágrimas me cegavam. Olhei pra janela e deixei que ele falasse sozinho. O som do motor, o vento, a distância — tudo misturado num silêncio que gritava mais do que qualquer discussão. Quando chegamos em casa, desci do carro sem esperar que ele abrisse a porta. Entrei, subi as escadas e fui direto pro quarto. Aquele mesmo quarto que, dias antes, parecia uma trégua agora voltava a ser prisão. Sentei na beira da cama, o corpo tremendo. Toquei o ventre e senti o bebê se mexer. — Ele não sabe, meu amor. — sussurrei. — Ele não entende o que é amor de verdade. Fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem. Chorar não era mais fraqueza. Era o único jeito de ainda sentir que havia algo vivo dentro de mim. Mais tarde, Leonardo apareceu na porta. Ficou ali, imóvel, como se o simples ato de respirar perto de mim fosse um crime. — Isabella… — Não fala. — interrompi. — Não tem mais nada pra dizer. — Eu sei que errei. — Não, Leonardo. — olhei pra ele, firme. — Você não errou. Você escolheu. Ele engoliu em seco. — Eu só quero que você saiba que… eu te amo. Ri, amarga. — Amor que precisa de teste não é amor, é contrato. As lágrimas escorreram devagar. — Você não precisa de um exame pra saber a verdade. Só de coragem pra acreditar nela. Ele tentou se aproximar, mas eu me levantei. — Quando o resultado sair, me avisa. — falei, seca. — Assim a gente encerra de vez esse espetáculo. — Isabella, por favor… — Boa noite, Leonardo. Entrei no banheiro e fechei a porta antes que ele visse o quanto eu tremia. O som da tranca ecoou alto, cortante. Do outro lado, ouvi o som abafado da respiração dele — pesada, quebrada. Mas eu não abri. Não dessa vez. No espelho, meu reflexo era o de uma mulher que não sabia mais se chorava por raiva ou por amor. Talvez pelos dois. Porque amar alguém que não confia em você é o tipo mais silencioso de abandono. Toquei a barriga outra vez. — Um dia, meu amor, você vai saber o que é amor de verdade. Mesmo que o seu pai nunca descubra. E naquele instante, jurei pra mim mesma: se ele precisava de um teste pra acreditar… então eu ia deixar que o resultado dissesse o que o coração dele nunca teve coragem de sentir.
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