Camila Espalha Mentiras

1445 Words
A paz é um animal selvagem. Aparece mansa, deixa você acreditar que aprendeu a viver com ela — e, de repente, arranha, morde e vai embora. Fazia apenas três dias que eu estava de volta à mansão. O ar parecia diferente, as conversas curtas, o silêncio habitável. Leonardo cumpria sua promessa: ficava, cuidava, mas mantinha distância. Não me forçava a nada. E, pela primeira vez, eu começava a acreditar que talvez a trégua pudesse durar. Mas a calmaria não dura no mundo de quem já foi ferido demais. Naquela manhã, acordei com o som do celular vibrando sobre a mesa. Mensagens, notificações, chamadas não atendidas. As telas piscavam com um nome que eu jurava nunca mais querer ver. Camila Duarte. O coração acelerou. Peguei o aparelho, hesitando. Abri o primeiro link. Um vídeo. Gravado num estúdio luxuoso, fundo branco, maquiagem impecável, o mesmo sorriso venenoso que eu lembrava. A legenda dizia: “Camila Duarte quebra o silêncio: a verdade por trás do casamento de Leonardo Valença e Isabella Monteiro.” Apertei o play. Camila apareceu ajeitando o cabelo, teatral como sempre. A voz doce, modulada, ensaiada. “Eu não queria falar sobre isso. Mas tem coisas que a gente precisa esclarecer, principalmente quando a verdade é distorcida.” Senti o estômago revirar. Ela sorriu com os lábios, mas os olhos brilhavam de malícia. “Leonardo é um homem bom. Só que foi enganado. Por pena, ele se casou. Por obrigação, ele permaneceu.” Meu corpo inteiro gelou. “Eu sei o que ele sente, porque a gente se fala. Ele me procurou. Disse que o casamento é um fardo. Que a Isabella usa a gravidez pra mantê-lo preso.” Pausei o vídeo. O coração batia descompassado. O mundo girava. As palavras ecoavam dentro de mim, cortando o ar. Pena. Fardo. Enganado. Três palavras bastaram pra destruir a paz que eu tentava costurar. A porta do quarto se abriu. Leonardo entrou, distraído, com uma bandeja nas mãos. — Trouxe o café da manhã. Quando ele me viu, percebeu na hora. O rosto perdeu a cor. — O que foi? Levantei o celular e dei o play de novo, o som alto enchendo o quarto. Camila sorria para as câmeras, debochada, venenosa. “Eu o conheço. Ele tem um coração enorme, mas se culpa demais. Ele só está lá porque acha que deve. Porque tem medo de abandoná-la grávida. Mas um dia… vai voltar pra quem realmente o ama.” Parei o vídeo. O silêncio que se seguiu foi mais alto do que qualquer grito. Leonardo ficou imóvel. — Isso é mentira. — É? — perguntei, fria. — Porque ela fala como quem sabe. — Ela tá tentando nos separar de novo. Ri. Aquela risada amarga que sai quando o coração sangra mais do que a boca. — Nos separar? Então existe um “nós”? Ele fechou os olhos. — Isabella, me ouve… — Eu ouvi demais. — interrompi. — Agora eu quero respostas. Andei até ele. O chão parecia balançar. — Você falou com ela, Leonardo? — Eu… — hesitou. — Depois que você foi ver sua mãe, ela mandou mensagens. Eu não respondi. — E antes disso? Silêncio. — Antes disso, Leonardo! Ele respirou fundo. — Ela me procurou no escritório. Disse que estava preocupada com você. A raiva subiu como fogo. — E você acreditou. — Eu a mandei embora. — Mas deixou ela falar. — avancei um passo. — Deixou ela usar seu nome, sua história, e agora… olha o que ela fez. Ele se aproximou, mas eu recuei. — Isabella, eu juro que não tenho mais nada com ela. — Mas teve. — as lágrimas vieram, quentes. — E ela sabe disso. Sabe o suficiente pra me ferir com as palavras certas. Leonardo passou a mão no cabelo, exasperado. — Eu tô tentando consertar, droga! — E o que você acha que é consertar? — perguntei, a voz trêmula. — Ficar aqui, me olhando como quem sente culpa? Cuidar de mim pra aliviar o peso da consciência? Ele tentou se aproximar de novo. — Eu fico porque quero, não por pena. — Jura? — perguntei, os olhos marejados. — Porque é exatamente isso que ela disse: que você fica por pena. As lágrimas finalmente caíram. Não as de dor física. Mas as do cansaço. De lutar contra algo que sempre me colocava em segundo lugar. — Eu não tô aqui por pena. — ele repetiu, mais firme. — Eu tô aqui porque me importo. — Então prova. — o encarei. — Não com palavras. Com atitude. Com coragem de olhar pra ela e dizer o que você nunca disse: que acabou. Ele engoliu em seco. — Eu posso fazer isso. — Agora? — desafiei. — Porque enquanto você hesita, ela fala. E cada palavra dela me destrói um pouco mais. Leonardo olhou pro chão, derrotado. — Eu mereço isso. — Merece. — respondi. — Mas eu não mereço continuar pagando a conta dos seus erros. Fiquei em silêncio por alguns segundos. O ar estava pesado, o som da respiração dele misturado com o meu soluço contido. Ele se aproximou, hesitante. — Me deixa resolver isso. — Tarde demais, Leonardo. — falei, firme. — A mentira já saiu do controle. — Eu posso desmentir tudo. — Acha que o mundo vai ouvir? Eles acreditam nela porque ela fala com o tom certo, com a maquiagem certa, com a malícia certa. E eu? Eu sou só a mulher que você deixou sozinha, grávida, e agora quer consertar quando o estrago já tá feito. As palavras saíram rasgando. Ele ficou imóvel, o rosto endurecido pela culpa. A campainha tocou. Leonardo desceu pra atender, e eu aproveitei o silêncio pra respirar. As pernas tremiam. O coração doía. Sentei na beira da cama, o celular ainda na mão, a imagem de Camila parada na tela — congelada no meio de seu sorriso c***l. “Ele só está lá por pena.” Essas palavras rodavam dentro de mim como lâminas. Porque, no fundo, parte de mim acreditava nelas. Parte de mim sempre acreditou. Quando Leonardo voltou, trazia o semblante tenso. — Era o assessor de imprensa. Disse que a entrevista já viralizou. Assenti. — Claro que viralizou. Ela sabe como manipular o público. — Eu vou mandar um comunicado. — Não. — respondi. — Não fale mais nada. Ele franziu o cenho. — Por quê? — Porque quanto mais você fala, mais ela ganha palco. Deixa ela gritar sozinha. Eu já perdi o suficiente tentando me defender. Leonardo passou a mão no rosto, exausto. — Então o que você quer que eu faça, Isabella? — Nada. — respirei fundo. — Só me deixa em paz. O silêncio que se seguiu foi denso. Ele parecia querer dizer algo, mas conteve. Eu me levantei com dificuldade, indo até a janela. A chuva voltava, fina, como se o céu também se cansasse das nossas guerras. — Você sabe o que é pior? — perguntei, ainda de costas. — O quê? — É que, mesmo agora, parte de mim ainda acredita que você sente pena. Ele deu um passo, mas eu não me virei. — ISABELLA.... — Se é por pena que você está aqui… — virei o rosto, as lágrimas já caindo. — …é por amor que eu vou embora. O olhar dele se quebrou. O meu também. A chuva apertou lá fora. O som das gotas preenchia o espaço onde as palavras tinham acabado. Ele ficou parado, me olhando, sem saber o que fazer. E eu, sem forças pra continuar em pé, me sentei de novo, abraçando a barriga. — Eu cansei, Leonardo. — murmurei. — De ser o erro que você tenta remendar. Ele deu um passo à frente. — E eu cansei de me esconder do que sinto. As lágrimas escorriam pelos rostos de ambos. Mas o que mais doía não era o choro — era o que o silêncio dizia: nós ainda nos amávamos, mas estávamos exaustos demais pra continuar tentando. Horas depois, ele saiu do quarto. Ouvi a porta se fechar devagar. O som ecoou pelo corredor como o fim de uma promessa. Sentei na cama, o corpo tremendo, o coração cansado. Peguei o celular e abri a entrevista mais uma vez. Assisti até o fim. Quando acabou, desliguei o aparelho, olhei pro espelho e disse em voz alta: — Ela mente. Mas eu também não sei mais no que acreditar. Deitei e toquei o ventre. O bebê se mexeu, leve. — Vai ficar tudo bem, meu amor. — sussurrei. — Mesmo que o amor não fique. E naquele instante, compreendi: não era o fim da guerra. Era só o começo da última batalha.
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