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2947 Words
Era o fim do jogo. Cada um com sua última cartada na mão. Olhei para ele. Ele olhou para mim. Podia sentir o suor escorrer pelo meu rosto, mas esperava que ele não pudesse ver. Em alguma parte do jogo tínhamos trocado os sorrisos pela expressão séria e compenetrada. Sem joguinhos. - Sua vez de jogar – disse a ele, me esforçando ao máximo para não tremer. Eu não podia perder. Era uma questão de dignidade. As cartas que eu tinha na mão não eram ruins, mas não eram as melhores. Eu precisaria de muita sorte da minha parte e muito azar da parte dele para ganhar essa. Ele sabia disso, ainda que tivesse mantido o olhar voraz no rosto. Só para brincar, ele lançou um daqueles sorrisos e fez um pequeno mistério antes de abaixar suas cartas. Fitei elas e um calafrio percorreu todo o meu corpo. Fechei os olhos e respirei fundo. Quando abri os olhos de novo, ele estava sorrindo para mim, mas esse sorriso era diferente. Era o sorriso de quem sabia que tinha acabado de perder o jogo, mas não podia perder a pose. Dei meu melhor sorriso de vitória enquanto baixava as cartas. Ele as olhou em cima da mesa, curvou uma sobrancelha e sorriu debochado. - Foi por pouco – ele comentou. Ele tinha razão. Eu tinha ganhado por muito pouco. Muito pouco mesmo. Me inclinei sobre a mesa, puxando sua parte do dinheiro em minha direção. - Foi um prazer apostar com você. Lancei um olhar para Melissa no bar. Ela tinha desistido de assistir no meio da partida e foi beber algo. Ela me encarou e, quando sorri, ela largou tudo e veio em minha direção, abrindo a bolsa para jogar o dinheiro dentro. Olhei para o homem à minha frente. Ele ainda me encarava com aquele mesmo sorriso predatório e aquele mesmo olhar ardente. - Parece que te fiz suar hoje – comentei. - Não mais do que eu te fiz suar – ele afastou a cadeira e se levantou. De pé, ele era ainda mais alto do que eu imaginava – Seria uma bela visão se você estivesse nua na minha cama, a propósito. Retribui o sorriso malicioso e me aproximei dele. Ainda tinha algo que eu queria. E estava em seu bolso. Quando nossos corpos estavam colados, levantei o rosto, próximo ao dele. - Se eu tivesse deixado você escolher a aposta... – comecei, passando a mão lentamente por seu corpo, descendo um pouco de cada vez – O que você teria apostado?  Ele sorriu de lado. - Não sexo – ele sussurrou, aproximando seus lábios dos meus. Cheguei ainda mais perto do meu alvo – Isso eu consigo sem apostas. - Ah é? – curvei uma sobrancelha, roçando nossos lábios um no outro e, por fim, beijando sua boca. Calor percorreu todo o meu corpo quando sua língua encontrou a minha. Sentia minha pele ardendo e meu cérebro derretendo. Estava tão bom que por um momento eu quase esqueci o real motivo de estar o beijando. Quase... Assim que consegui o que queria, interrompi o beijo e me afastei sorrindo enquanto passava a língua pelos meus lábios, testando sua sanidade. Sem dizer nada, virei de costas e o deixei para trás, ainda me encarando com aquele sorriso no rosto. Esperava pelo menos ter deixado ele duro. - O que foi aquilo? – Melissa perguntou assim que saímos. - Aquilo o que? – acenei para um táxi. - O beijo. Dei de ombros e sorri. - Você viu o cara. Eu tive que experimentar aquela boca gostosa. Ela revirou os olhos enquanto eu abria a porta do táxi. - Eu sei que você roubou algo dele. - Shhhh!!! – olhei dela para o motorista do táxi, que pareceu perdido em pensamentos enquanto mudava a estação no rádio – Cadê a droga da discrição?! Ela apenas suspirou e entrou no carro logo depois de mim. - Pode, pelo menos, me dizer o que foi? – ela me olhou. Bufei e tirei o objeto, que nem sabia o que era, de dentro do sutiã onde o havia guardado. Nem havia tido tempo para ver. - Pronto – abri a mão com ele na palma para Melissa ver. Pude sentir a decepção na minha cara e na dela ao encararmos o pequeno objeto amarelo sem valor nenhum. - Um pen drive? – ela perguntou, erguendo as sobrancelhas. Revirei os olhos e bufei, guardando aquela inutilidade dentro do sutiã novamente. - Não acredito que fiz tudo isso para nada – reclamei. - Por favor, não finja que não aproveitou o beijo. - Quem é que anda com um pen drive no bolso da calça? – perguntei para mim mesma, ignorando seu comentário. - Muitas pessoas, na verdade – ela disse. Joguei a cabeça no encosto do banco, frustrada. - Achei que era algo mais interessante. - Que valesse pelo menos uns dez mil – ela completou. Eu ri. - Exatamente o que eu tinha em mente. ... Acordei com um barulho irritante que dessa vez eu tinha certeza que vinha do meu celular. Procurei ele pela cama, ainda de olhos fechados, determinada a jogá-lo contra a parede assim que o achasse. Não estava na cama. Não estava no quarto, para falar a verdade. O som vinha de algum outro cômodo do apartamento. Resmungando, levantei da cama só de regata e calcinha, os pés descalços. Melissa tinha acordado cedo e disse que iria fazer alguma coisa que eu não tinha ouvido direito porque estava dormindo. Provavelmente queimar cinco mil com drogas e bebidas. Era a cara dela. O telefone parou de tocar por um segundo, mas logo em seguida começou de novo. Procurei no banheiro, mas não vinha de lá. Passei pelo corredor de entrada e dei um esbarrão na porta aberta. - Droga! – bati ela com força enquanto o celular continuava tocando. Fui em direção à cozinha e parei na entrada, acordando completamente ao ver o celular e o lugar onde estava. Não era em cima da bancada, nem da pia, nem do armário e nem do fogão. Ele estava exatamente na mão do cara de quase dois metros, olhos verde-escuro e tatuado no braço direito. - Oh-ou! – foi o que saiu a princípio, antes de eu ficar encarando ele por tempo suficiente para minha ficha cair. Pisquei os olhos – O que você está fazendo aqui?! Ele não estava sorrindo dessa vez. E o olhar em seu rosto parecia perigoso, mas não o mesmo perigoso de ontem à noite. Parecia realmente perigoso. Ele finalmente teve a decência de desligar o celular e o colocar em cima da bancada. Em vez de me responder, ele colocou as mãos nos bolsos da calça e me encarou. Ainda estava com a mesma roupa de ontem. - Imagino que você tenha uma coisa que é minha – ele falou, finalmente. Enruguei a testa, olhando para ele sem entender. - O que? – perguntei. - Não se finja de lerda. - Eu não estou me fingindo de lerda! – aumentei o tom de voz e fui até a bancada pegar meu celular – Um infeliz que eu nem conheço resolveu invadir minha casa e me fazer uma ligação enquanto eu ainda estava dormindo... Como você queria que eu reagisse?! - Não teria feito isso se não tivesse pegado algo que é meu. Encarei ele e estreitei os olhos. - Como você descobriu onde eu moro? - Seu celular – ele disse – Estava tão distraída que não percebeu que o esqueceu em cima da mesa. Sinceramente, eu teria o guardado para fazer uma troca justa entre ele e você na minha cama. Mas então... – ele se aproximou de mim. Estava mais ameaçador do que nunca – Então eu senti falta de algo no meu bolso – encarei ele – Você pode imaginar o quão furioso eu fiquei quando descobri que você tinha me roubado? Enruguei a testa. - Está falando do pen drive? - É! – ele gritou, me dando um susto – Eu estou falando do pen drive! Minha cabeça estava doendo um pouco, e eu não estava conseguindo entender porque tudo aquilo só por conta de um pen drive. - Por acaso você bebeu? – perguntei. Ele não parecia muito bem. Ele fechou os olhos com impaciência e fez uma cara não muito boa. Um pouco mais e eu sabia que as coisas não acabariam bem. - Se você foi mandada por ele para pegá-lo de mim, eu juro que de hoje você não passa. Arregalei os olhos. Espera aí. O que?! - Mas que droga você está falando?! – foi minha vez de ficar histérica – Mandada por quem? Para pegar o que? Você por acaso bateu a cabeça com força e perdeu a sanidade?! Ele deu mais um passo para frente, me apertando entre seu corpo e a bancada. - Não brinca comigo! Você pegou a droga do pen drive por algum motivo! - Eu roubei a droga do pen drive! – retruquei, gritando mais alto que ele – Aliás, perca de tempo. Se eu soubesse que era um pen drive, nem teria me dado ao trabalho. Ele me encarou, sério. Ele era intimidante, mas eu estava acostumada a lidar com pessoas intimidantes. - O que? – ele perguntou, parecendo não entender nada. Empurrei ele para longe de mim com força. Ele não fez questão de resistir. - Eu peguei o pen drive porque achei que era algo de valor – sorri cinicamente – Imagina a minha surpresa quando vi que era um pen drive – revirei os olhos e virei de costas, indo em direção ao quarto e jogando o celular na bancada de novo – Pode ficar com ele se quiser. É inútil mesmo. Parei onde estava, no caminho de um cômodo para o outro. Se fosse só um pen drive inútil, então por que tudo isso? Não era mais fácil ir até uma loja e comprar outro? Duvidava que alguns arquivos ou fotos importantes levariam um cara como ele a procurar o local onde eu morava e armar aquela cena por conta de um pen drive. E além disso, que história era aquela sobre alguém me mandar para pegá-lo dele? Me virei lentamente e o encarei. - Ah não ser... – comecei – Que não seja um pen drive inútil. Ele não disse nada, apenas continuou me encarando. Dei dois passos em sua direção, até estar na cozinha novamente. Cruzei os braços. - O que tem no pen drive? – perguntei. Ele bufou. - Não é da sua conta. - Não é da minha conta? – estalei a língua, ponderando sobre isso – Acho que se tornou da minha conta a partir do momento que o roubei. - Não se meta nisso – ele esticou a mão – Cadê o pen drive? Olhei para a mão dele e resolvi ignorá-la. - O que tem no pen drive? – perguntei novamente. - Ah, droga! – ele praguejou, perdendo a paciência – Deixa que eu mesmo encontro. Ele passou por mim, esbarrando com força em meu ombro e indo em direção ao meu quarto. - Au! – resmunguei e fui atrás dele. - Tem que estar aqui em algum lugar – ele começou a revirar minhas coisas. - Hei! – protestei, indo em sua direção – Você não pode fazer isso. Eu vou chamar a polícia. - Aproveita e conta para eles que roubou algo meu! – ele arrancou a gaveta de calcinhas e jogou tudo no chão. Olhei sem acreditar no que ele estava fazendo. - Qual o seu problema, seu escroto?! – tentei impedir ele de arrancar a outra gaveta, mas falhei miseravelmente – Solta as minhas coisas! - É só me dizer onde está o pen drive – ele se dirigiu ao criado e começou a arrancar as gavetas também. - É só me dizer o que tem no pen drive – debochei de sua cara, ainda tentando parar ele – Dá para parar com isso! Puxei seu braço com força, mas nada adiantou. Tive que apelar para a força bruta. Puxei seus dois braços para trás e dei um chute na parte de trás dos seus joelhos, o fazendo cair. Ele soltou um gruído, mais de surpresa do que de dor. - O que...? – ele fez força para se soltar e me empurrou para trás – Você ficou maluca?! Tentei chutar ele nos países baixos, mas ele foi mais rápido e agarrou minha perna, me puxando e me jogando em cima da cama. - Onde está o pen drive?! – ele perguntou mais uma vez, segurando meus braços com força acima da minha cabeça para que eu não pudesse o atacar. - Vai para o inferno! – respondi. - Não vou perguntar de novo – ele disse. - Não vou responder de novo – arqueei as sobrancelhas, o desafiando. - Me diz onde está a droga do pen drive! - Guardado em um lugar que você nunca vai tocar – respondi, cerrando a mandíbula e o encarando ferozmente. Já havia lidado com caras piores do que ele e ainda estava viva. Ele me olhou sem entender por um segundo, mas logo as rugas em sua testa se desfizeram e ele desceu o olhar para os meus s***s. - Não vou? – ele inclinou a cabeça e curvou uma sobrancelha, soltando um dos meus braços para poder pegar o pen drive. Mas eu não deixei que ele fosse longe demais. Aproveitei meu braço livre e segurei o seu com força, depois o fiz se socar no rosto com o próprio punho. Ele ficou atordoado e acabei conseguindo me soltar, empurrando ele para o lado e o derrubando da cama. Ele gruiu do chão e levantou com ainda mais raiva. Seu queixo vermelho por conta do soco. - Não brinca comigo – ele foi para cima de mim, mas consegui me desvencilhar e rolar pela cama. Me joguei no chão e levantei rapidamente, pronta para sair correndo quando ele me agarrou com força pela cintura e me puxou. Deixei um grito escapar. Ele me jogou com força contra a parede e me lançou um olhar assassino. - Você... Ele foi interrompido pelo barulho da porta sendo, ao que parecia, chutada com violência. Revirei os olhos com vontade de gritar que estava aberta, mas antes que pudesse ao menos gritar por ajuda, ele já havia tampado minha boca. Tentei resmungar e me soltar, mas ele me segurou com mais força e colocou o indicador em frente aos lábios, indicando que eu deveria fazer silêncio. Não era do tipo que acatava ordens de caras que invadiam minha casa e me ameaçavam, mas eu fiz exatamente o que ele mandou porque estava olhando em seus olhos e sabia que havia algo errado. Quem quer que tivesse entrado, não era nada bom. Ele apontou para a janela atrás de mim e fez um gesto dizendo que iria me soltar e que era para eu sair por lá. Balancei a cabeça na afirmativa sem hesitar. Ele tinha falado de alguém e tinha falado de me matar se eu fosse enviada desse alguém. Esse alguém não parecia muito amistoso. Preferi não descobrir. Assim que ele me soltou, lentamente e sem fazer barulho, comecei a passar pela janela. O que tinha era uma escada de incêndio, o que facilitava muito as coisas para mim. Não esperei por ele para começar a descer, mas vi quando ele veio atrás, fechando a janela com cuidado e descendo logo em seguida. Assim que toquei o chão, tentei correr, mas ele foi mais rápido e me puxou, tapando de novo minha boca com a mão. - Aonde você pensa que vai? – ele perguntou enquanto caminhava em direção a um beco, me levando junto com ele – Você ainda tem... Foi então que os tiros começaram a soar. Dei um grito, abafado pela sua mão, enquanto ele corria, me levando junto. Olhei para trás a tempo de ver dois homens na janela do meu quarto, com duas armas apontadas para nós. O desespero tomou conta de mim e eu mordi sua mão com força, tentando me soltar. Ele praguejou e tirou sua mão. - Me larga! – tentei chutá-lo de todas as formas possíveis, mas não deu certo –Me deixa ir embora! A única coisa que ele fez diante minha reação foi me pegar pela cintura e me jogar por cima do seu ombro. Não gritei mais, sabia que era arriscado, mas continuei me debatendo. Ele segurou minhas pernas com firmeza, mas não pôde fazer nada em relação as mãos. - Dá para ficar quieta? - Não, não dá! Me põe no chão! Ele parou por um segundo ao lado de um carro e desferiu um golpe contra o vidro com o cotovelo. Enfiando a mão lá dentro, ele abriu o carro e me jogou no banco do passageiro. - Mas que merda você está fazendo?! – eu gritei enquanto ele se agachava e começava a mexer em alguns fios. Já tinha visto isso em filmes – Eu quero ir embora agora! - Ótima ideia – ele falou, ainda concentrado nos fios – Saia daqui e vá dar uma volta pelo quarteirão com sua cabeça à prêmio. Olhei assustada para ele. - O que?! O motor do carro rugiu quando ele conseguiu fazer a ligação. Ele se endireitou no banco e me olhou de lado. - Aliás, bela calcinha. Excelente para sair em um dia ensolarado como esse. Olhei para baixo. - Droga! – eu tinha me esquecido completamente que estava só de calcinha. - Foi o que pensei – ele disse, dando partida no carro e nos tirando dali.
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