Capítulo 01

1119 Words
Plim, plim...plim O sino soava revelando o caminho da carruagem pela cidade fantasma, a neve grossa cobria metade dos telhados, e a estrada de barro jazia esquecida e coberta pelo lençol de neve, era de fato o inverno mais longo em todos aqueles anos, povos passavam fome, outro morriam de frio em seus reinos corruptos, enquanto seus reis e príncipes, duques e condes se agasalhavam com as melhores peles e comiam a melhor comida ao mesmo tempo em que seus buchos gordos se aqueciam ao pé da lareira desfrutando do trabalho do povo que era ingênuo, ou melhor, asnos demais para pedir justiça pelos atos imundos dos poderosos. Todavia em Darkeng era diferente, o povo se aquecia em suas lareiras novas, comia a comida que sua rainha lhes vendera pelo preço mais baixo já visto, e descansavam abraçados aos seus amores e cobertores de pele quentinha. Enquanto Elisie percorria sua cidade silenciosa, as mãos aquecendo as bochechas por conta do vento frio que invadia a carruagem e beijava seu rosto descoberto, ela não estava em busca de agradecimentos ou quem sabe gratidão por sua misericórdia, pois sabia que não teria a gratidão deles, aos seus olhos ela era má, tanto quanto foi um dia o Cordial. Para eles a vida boa não lhes enchia os olhos, queriam liberdade, queriam pode fazer suas maldades, suas vendas ilegais e seus atos imundos sem serem condenados por isso ou se livrar com dinheiro, dinheiro esse que iria para os ricos, corruptos. Porém Elisie não se importava, o que realmente importava era que ela estava seguindo os passos do Cordial, sendo boa sem receber elogios e cuidando desse povo ingrato que nem ela mesma sabia o porquê de ambos cuidarem tão bem deles. Ela queria perguntar, se pudesse, mas não podia, nunca mais poderia perguntar para seu marido sobre suas atitudes sem sentido. Ela puxou o ar frio com força, ergueu o braço para bater na carruagem, alertando o cocheiro que parasse, em seguida saiu, andou alguns passos até chegar diante do pobre ser sucumbindo ao frio e a fome que não devia existir em Darkeng, e com toda sua gentileza pegou o filhote de gato nos braços e o levou para dentro da carruagem. Abraçada ao pequeno ser laranja e branco voltou para o castelo. —Você não devia mais continuar fazendo esses passeios, o tempo está congelante, e você ainda não está bem de saúde. Lembre-se de seus desmaios. — disse seu marido assim que ela entrou na sala de descanso, ele carregava um Jeremy sonolento nos braços, balançava de um lado ao outro, como se de fato fosse pai daquele menino ruivo. Se fosse em outros tempos ela teria rido, e elogiado o ato amoroso, no entanto, tudo aconteceu como Mercúrio havia dito, ela nunca mais sorriu e nem tinha esperanças de que o faria novamente. Elisie descruzou os braços revelando o animalzinho menos trêmulo e o pôs no chão. Ele miou, e correu para a lareira ansiando por se livrar da dor do frio. — Querida fale... —Eu não sou sua querida, Alex. Nunca se esqueça. Nosso casamento é uma farsa. — Relembrou incomodada. Ele parou de se balançar frenético assim que percebeu que a criança tinha adormecido, desviou o olhar do dela, antes de repetir o que repetia todos os anos, em todos os dias que falava as coisas sem querer: — É claro que sei, porém precisamos manter as aparências, não é? Foi desgastante depois de nosso casamento nossas tentativas de fingir que nós nos amávamos. Então creio que devemos continuar esse fingimento, não acha? Ou não? Quer jogar aos oito cantos do mundo que a filha do rei que lutou para ter uma plebeia, se casou por contrato? Ela revirou os olhos, se afastou tirando o casaco. — Não me importa, que falem de meu pai. Ele é um homem dissimulado. Deixe que falem. Ele não merece compaixão. Ou melhor, vamos revelar para todos que Elisie Allen, a infértil se casou duas vezes por interesse. E o mais absurdo, o segundo marido a aceitou, mesmo sabendo que ela já havia perdido a pureza, e não poderia ter filhos. Conte tudo, eu posso até servir vinho dos cavalheiros enquanto eles falam absurdos do corpo feminino, já que eu não tenho dignidade. Posso até dormir com todos, o que você acha? Quer ser o primeiro, rei Alexyan? — Alex apertou o maxilar, a raiva contida queimando em sua língua. Ela havia enlouquecido, fingir ama-lo foi algo tão desagradável que a única forma de se manter segura foi criar esse muro de sarcasmo e indiferença? Ele queria perguntar quando, exatamente quando o olhar doce, o sorriso medroso e ingênuo havia dado lugar àquele semblante pálido e sem expressões. Quando nasceu aquela Elisie amarga como fel. —E sua mãe? ― Insistiu ele. Elisie se esticou para se servir um pouco de vinho, desconversando: — Trouxe mais duas, uma filha do barão de Nin, e uma viúva. Espero que goste de alguma delas. Apesar de termos Jeremy, espero que você possa ter um filho seu. Pelo menos você ainda pode gerar filhos. Alex suspirou exausto, colocou Jeremy imediatamente em seu berço. —Já lhe disse que eu não preciso delas. Por que insiste em encher o castelo com concubinas? Se eu desejar uma mulher, eu mesmo a trarei para o castelo, não preciso que você faça isso por mim. Já tenho quantas? Cinquenta mulheres no meu harém? Pensa que mulheres são objetos? Olho para uma e ela deverá ser minha? — Vinte e duas agora, E eu não vejo motivos para tanto desespero. Você se casou comigo, desfez todas as chances de se casar com alguém por amor, apenas com a desculpa de que “queria ter poder” o que ainda duvido muito, pois você, com o perdão da palavra, majestade, não se impõe como alguém sedento por poder. Rubro de irá, ele deu as costas, fechou os punhos, tentando não olhar para a mulher que não era sua, e pelo visto nunca seria. E sentindo que desabaria ali mesmo, disse com o pouco autocontrole que lhe restava depois do veneno do Mermyos: —Eu queria o poder que tenho agora, e não me importa me casar sem amor. Esse lugar me apodreceu de uma forma... — suspirou, contendo a fala. — E antes que eu me esqueça, pare de me tratar como um de seus servos, pois antes de tudo isso, eu era seu amigo, não inimigo, muito menos marido de mentira. Apenas amigo. E se foi deixando uma amarga rainha se embebedando e olhando debilmente para o fogo crepitante na lareira, sem mais emoções para expor. Apenas com um leve acenar de concordância: Eu também apodreci...
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