Capítulo 02

2150 Words
— É claro que não — repetiu ela sem pensar duas vezes, Ana continuou, a cabeça tocando o chão do salão em uma súplica humilhante. — Imploro, majestade, eu imploro que permita que meu marido volte ao castelo, ele está doente, permita-o vir e se tratar com seus médicos e curandeiros. — Anamélia, esqueceu que Ramon seria morto por mim? Como ousa querer trazer de volta aquele infeliz, depois que eu permiti que você o levasse? Está zombando de mim? — Majestade, me perdoe se eu a ofendi, todavia, sou uma mulher lutando para cuidar de seu amado. Vossa majestade entende como me sinto. Elisie cruzou as pernas e ajustou a postura para disfarçar seu incomodo, o que não passou despercebido por Alex que observava silencioso no trono ao lado dela. — Não, Anamélia. Eu não entendo. — Majestade, acho que... — começou ele — Você não acha nada. Ele é um inimigo. — Eu também sou rei, Elisie, e Ramon não era e nunca foi seu inimigo, ele era somente um servo que amava o Leican como um filho. Foi completamente natural ele querer te destruir ao saber que foi por sua culpa que o Cordial morreu. —Elisie olhou horrorizada para Alex, como se não acreditasse nas palavras que saíram de seus lábios. A discussão do dia anterior tinha gerado um resultado desastroso. — Então, minha esposa, eu como rei, como soberano de Darkeng ordeno que Ramon Kart retorne ao reino, e que todo o ódio por ele seja esquecido. — Você não pode... — Posso. Ela é minha tia, e se minha família sofre, eu preciso diminuir essa dor ao invés de ampliá-la. Ela fincou as unhas nos braços do trono e se levantou com o impulso, o peito subindo e descendo acelerado, o olhar queimando de ódio, um ódio que Alex sentiu prazer de ter recebido, pelo menos o ódio ele teria dela, já que ela parecia não ser mais capaz de lhe dar mais nada. — Você pagará por isso. Guarde essas palavras, meu marido, você pagará por isso. — E saiu pisando duro ignorando os elogios que a ex-rainha em trapos jogava para Alex. *** — Ele nunca tinha feito isso. Ele nunca foi contra minhas palavras antes. —Berrou ela dentro da banheira, enquanto uma serva esfregava suas costas. —Ele sabe o quanto eu odeio aquele servo infeliz, Alex sabe que eu ainda estou sofrendo, ele sabe que essa não sou mais eu. —M-majestade, talvez, com o perdão da palavra. —Diga. —Talvez ele também esteja sofrendo, e suas atitudes para com ele o ferem ainda mais. — Por que estaria, ele não era tão próximo ao meu marido. É mentira. — O seu sofrimento é mentira, majestade? — Elisie suspirou — Meu sofrimento é o vazio que ficou. Me sinto traída, abandonada, destruída. E ainda por cima, enganada por meu próprio pai. — Não acredite naquela carta, o rei de Margoth ama a senhora, jamais a faria se casar com um reino poderoso com segundas intensões, além da de protege-la. — Aquela carta tinha detalhes demais para ser uma mentira. — Ela saiu de dentro da banheira, seu reflexo no espelho mostrava uma face deprimente, ela nunca se viu como uma mulher deslumbrante, foi um mero acaso Dixon se apaixonar por ela. — Lian, usarei mais joias nos cabelos. E mais ** nas bochechas, acho que ainda me encontro pálida. — Sim, minha senhora, não devia ter saído, o tempo está caótico. — Esse inverno é caótico, nunca houve um inverno tão longo como esse. Os deuses estão nos castigando. — Seria aconselhável, majestade, encontrar-se com o sacerdote do templo das sacerdotisas, para pedir-lhes que façam pedidos aos deuses, peçam perdão por quaisquer pecados cometidos por nós. — Elisie suspirou, cansada de tantos problemas. Alguém bateu à porta. — Elisie. — Alex se aproximou lentamente, temendo a fúria de sua esposa. Ela por sua vez concentrou sua atenção em seu reflexo no espelho. — Deixe-nos a sós. — Ordenou o rei para a serva que penteava os cabelos de Elisie, e tão logo Lian saiu, ele pegou a escova e continuou a pentear os cabelos de sua amada. — Pensa que fazer isso, vai me fazer esquecer o que me fez hoje cedo? — Não, não penteio seus lindos cabelos por perdão, apenas por prazer. Não faça mais esses exagerados penteados, cobertos de joias e fios, veja como seus cabelos estão quebradiços. — Eu sou a rainha, devo exalar poder por onde passo. — Quem precisa de toda essa extravagância, já basta seus vestidos reveladores. — Não são reveladores, são apenas vestidos, se continuarmos nos cobrindo como pacotes de presente, os homens continuaram a tratar-nos como presentes, cujo objeto dentro é de absurdo interesse. — Bem, é verdade, quando vejo uma dama coberta do pescoço até os dedos do pé, fico curioso para saber se suas canelas são cabeludas. — brincou ele, escrutinando o rosto de Elisie pelo espelho, ela não sorriu. — Mande Ramon embora. — suplicou baixinho. — Entenda, Anamélia é a viúva do rei anterior, e Ramon é o fiel servo dela, se a rainha viúva quer retornar ao castelo, e trazer seu servo, ela tem todo o direito. Se negar a isso, é abrir espaço para que ela espalhe rumores sobre você ter matado o Cordial. — Ela nunca faria... — Como pode ter tanta certeza? — Anamélia viveu quase dezesseis anos em uma cabana próximo de um lago, como uma pessoa assim espalharia um rumor tão c***l? — Certo, ela não teria coragem, já Ramon, esse sim teria. — Então matemos ele. — Alex colocou a escova sobre a penteadeira, e se sentou na beirada da enorme banheira. — Você se parece com o Leican, agora todo problema precisa ser resolvido com a morte. — Sinto-me honrada. — Não foi um elogio. — Me retirarei agora, majestade, já que está no quarto de banho, aproveite para lavar-se. A magia dos bruxos deixa a água bem quente. *** Não passou nem sequer cinco dias e ele já estava diante dela, parecia outra pessoa, mais velho, magro e quase careca. Elisie respirava com dificuldade. Aquele homem a tratara m*l durante meses, e no fim tentou matá-la, merecia ter morrido três anos atrás, junto com Mercúrio e Gomon, no entanto todos ainda viviam. Ela ergueu-se majestosamente de seu trono, desceu um degrau, os olhos felinos não se desgrudaram dos do servo que a olhava com o mesmo olhar odioso com o qual a lançara várias vezes no passado. — m*l chegou e já está tentando me intimidar? Sabe quem sou, Ramon? Sua rainha, a poderosa de Darkeng. Em apenas três anos revesti o olhar fútil que a raça de homens como você nós via. — Revelou saboreando cada palavra. — Sim, vejo o que fez no reino, de fato, nunca vi tantas mulheres vestidas como rapazes, sem o menor respeito, — estralou a língua, e lançando um olhar carregado de nojo para Alex, continuou: — e homens covardes demais para por ordem nessa baderna... — Elisie o calou com uma bofetada, Anamélia choramingou, abrindo um sorriso cínico antes de balançar a cabeça em negativa, Ramon continuou: — Vejo que ficou mais feroz. — Saia daqui. Eu permiti que voltasse a viver aqui, no entanto, eu não quero vê-lo nos corredores, nem no jardim. — Claro, eu também não desejo ver a face da assassina de meu príncipe, e o jardim? Que descaro de sua parte, majestade, não existe mais jardim, ele se foi quando o Cordial deu seu último suspiro. — SAIA! Ou eu o condenarei por desrespeitar a memória do glorioso príncipe e insultar a rainha. — Elisie iria empurrá-lo, contudo Alex a puxou para trás pela cintura. — Elisie, por favor, acalme-se. — Me solte. Isso é tudo culpa sua, foi você quem fez isso. Se você... —Alex tentou silencia-la com um abraço apertado que demorou o suficiente até Ramon e Anamélia saírem do salão. Ela conseguiu se soltar, e o estapeou. — Nunca mais ouse me tocar, nunca mais. Ou da próxima vez esquecerei que você é alguém com a personalidade impulsiva e o mandarei para... — Para a prisão de ossos, eu sei. Você diz isso todas as vezes que eu a abracei. Acho que eu mesmo vou acabar me mandando para lá, talvez lá eu seja feliz. — Irei para meu quarto, não estou com ânimo para ouvi-lo resmungar em meus ouvidos. — E eu tampouco. — Não seja sarcástico, Alex... — ela foi interrompida por um guarda que entrou sem bater no grande salão do trono e correu até eles. — Majestades, perdoe a intromissão, trago notícias importantes para sua majestade, a rainha. — Ele tomou um segundo para recuperar o ar e continuou: — O rei de Margoth pede permissão para comemorar seu aniversário em nosso reino, pede especialmente que sua majestade, a rainha aceite e prepare um belíssimo banquete. — Terminou dando um longo passo para trás, pois as feições da rainha se contorceram em uma careta possessa, e ele como todos os outros sabiam o que acontecia quando ela se enfurecia. Jarros voavam. — Não creio, eu realmente não creio que ele foi capaz. — Eli... — Cale a boca! Pois desde que aquele verme voltou você abre a boca somente para me contradizer, portanto, não quero ouvir você, nem ninguém que queira me contradizer. — Despejou, e saiu a passos furiosos para fora da sala do trono, aquele velho estando sua paciência, se ele pensava que só por que Elisie era sua filha não iria se vingar, ele estava completamente enganado. E contra sua vontade ordenou que preparassem o salão para o banquete de aniversário do rei de Margoth. Pediu aos músicos que tocassem as mais fúnebres canções, pois não seria uma comemoração, e sim, o rompimento entre pai e filha. Isso doía em Elisie, entretanto, ele a tinha magoado com tanto empenho, como se pretendesse faze-lo desde o começo, que logo o remorso deu lugar a raiva. ― Converse com ele, é seu pai, apesar de tudo. Logo as explicações...― Argumentou a serva abotoando os botões da camisola de sua senhora. ― Não preciso de explicações, eu irei destruir aquele rei, da mesma forma que ele me destruiu. ― Oras, majestade, se não fosse por ele nunca teria se casado com o príncipe Cordial, você o amou. ― Amei e ainda amo, porém você não sabe de tudo, das coisas horríveis que passei e vi. Minha história não foi só amores. ― Lágrimas rolaram por sua bochecha novamente quando ela levou a mão ao ventre. A serva suspirou, sem mais palavras deslizou para fora do quarto. ― Eu preciso te esquecer, Dixon, isso está me matando. ― Declarou se arrastando até a sacada, a lua cheia estava tão grande, como se tivesse se aproximado da sacada de seu quarto. Se Dixon não tivesse morrido, se a criança em seu ventre tivesse nascido, provavelmente seriam uma família feliz e linda. ― Me ame. ― disse Alex entrando sorrateiro no quarto, ela secou as lágrimas discretamente, refazendo o semblante frio e calculista. ― O que quer aqui? ― Trouxe leite, parece que essa noite será mais fria do que as outras. ― Colocou a bandeja na mesa de canto, em seguida se aproximou dela, esfregando as mãos para espalhar o calor. ― Para esquecer alguém, é necessário amar outro. Mas não precisa ser eu, só sugeri, penso que parece mais provável que eu seja aquele que ganhe seu coração. A menos que você queria ser a primeira rainha a criar um concubinato para homens. ― Por que somos casados? Não se preocupe, amar você será a única coisa que não farei nesse mundo. ― Ele sorriu de lado observando a paisagem de um branco imaculado, o frio cortava sua respiração. ― Por que? Não sou digno de ser amado por você? ― Porque eu te amo. ― O rosto de Alex se virou tão rápido que sentiu uma leve tontura, ela continuou. ― Eu o amo como um querido amigo, não posso tentar ama-lo e faze-lo me amar, seria egoísta da minha parte. ― Alex concordou com um acenar. ― Sendo assim, durmamos juntos essa noite. Minha lareira não está funcionando, parece que a madeira molhou ou algo assim. O fogo não pega. ― Relatou por fim, dando as costas e se deitando na cama. Bateu no lado vazio, com certo sarcasmo pediu: ― Venha, amanhã teremos muitos compromissos, querida. ― O que pensa que... ― Oras, Elisie, você mesma disse que nunca me amará, o sentimento é mútuo. ― Desconfortável, ela seguiu até o lado vazio e adormeceu ao lado Alex, que mesmo parecendo adormecido, não dormiu tão cedo, o coração não deixava com que seu corpo descansasse, estava elétrico, como se gritasse palavrões, repreendendo a si mesmo por continuar cultivando amor em solo infértil.
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