Capítulo 05

2382 Words
― Tire essa expressão do rosto. Os filhos deformados foram mortos. ― Então qual o significado de tudo isso? Por que ela disse que ele tem a poção das memórias passadas? ― Alex deu de ombro, e arrumou o casaco no corpo, a carruagem seguia lenta sobre a neve, temendo que as rodas batessem contra alguma pedra escondida. ― Não faço a mínima ideia, o que me interessa é o inverno, não é normal durar tanto tempo assim. ― E se eles existirem de fato? ― Devemos tomar medidas extremas, talvez intensificar o comercio com o exterior. Usar o poder dos bruxos para dar um jeito nos alimentos. ― Se encontrarmos os filhos deformados... ― Elisie, toda vez você se encontra com algo que lembra o passado, você se perde em devaneios, acorde. Seu querido Cordial já não vive mais, cuide de si mesma. Esse frio está me tirando a paciência. ― Suspirou, dobrando os joelhos no anseio de se aquecer um pouco mais. Elisie pegou uma terceira capa, feita de lã, e surgiu na janela, para entrega-la ao cocheiro. Ele recusou de início. ― Nesses momentos fico até assustado, ao vê-la bondosa. ― Ele é um bom servo, não deixarei que morra congelado, você soube o que aconteceu com os Meneses? O cocheiro morreu congelado, durante um passeio com Florence. Embora, eu tenha quase certeza que os Meneses são cruéis com os seus servos. ― Quem é bondoso sofrendo pela fome e frio? Esqueçamos isso, vamos focar no inverno, após o aniversário do seu pai, você irá ao templo das sacerdotisas. ― Depois da nossa discussão por causa de Ramon, você tornou-se rígido e um tanto controlador. ― É somente para o seu bem, será bom sair um pouco do castelo, e no templo... ― Eu não gosto desse lugar, ele força jovens senhoras a se tornarem sacerdotisas quando se tornam viúvas. Como se fossemos uma doença contagiosa, eles querem nós enclausurar naquele lugar. ― Sei muito bem que não gosta, porém, é necessário. Os deuses estão com raiva. ― Ela suspirou, a cabeça doía demais para prosseguir com a conversa. *** Tão logo que chegou ao castelo, Elisie se manteve ocupada com a organização do aniversário do seu pai, descontente, porém, ansiosa para tirar a limpo a verdade. Estava no antigo escritório de Dixon, exatamente como ele havia deixado, se encontrava atrás da mesa, assinando e organizando os documentos do castelo. Alguém bateu antes de entrar. ― Majestade, o pequeno príncipe não para de chorar. ― disse a ama de leite. ― Não tenho tempo agora, Susan. Dê ao príncipe um dos seus brinquedos, ou algum doce. ― Já o fiz, majestade, ele continua a chorar e chamando por sua mãe. ― Ao ouvir isso, Elisie desviou os olhos do caderno de anotações. ― Onde ele está? ― Com as concubinas. ― Uma veia da testa da rainha flexionou-se, sentindo o sangue correr uns segundos mais rápido, pelo ciúme, ela seguiu apressada para o harém. As várias moças se encontravam em torno do pequeno menino, que gritava e se contorcia nos braços de Ysdora. ― Por deus, essa criança não se cala? ― gritou uma das concubinas, Samira, carregava um olhar m*****o, e lábios vermelhos como os cabelos de Jeremy. ― Sua majestade, a rainha. ― gritou o guarda ao lado da porta escancarada. Organizaram-se numa fila, e curvaram-se para sua rainha, Ysdora permaneceu sentada, abraçando carinhosamente o pequeno príncipe. ― Querido, meu amor, por que choras? ― sussurrou ela, tomando-o dos braços da concubina, a resposta veio como um sorriso enorme. ― Mamãe! ― Jeremy, seja um bom garoto e não chore dessa forma outra vez? Pode ser? Prometo brincar com você no jardim, quando o inverso se for. ― Não quero, quero ficar com mamãe. ― Não posso, estou ocupada. Seja bonzinho e vá com Susan. ― Não quero! ― gritou ele começando a espernear. Elisie puxou o ar com força, não podia se aborrecer. ― Susan, vamos, deixarei que ele fique ao meu lado hoje. ― Por que nunca permite que o jovem príncipe venha até nós? Majestade, qual a razão por você impedir que vejamos ele? ― perguntou Samira, os seus olhos castanhos avermelhados brilhavam de uma forma arrepiante. Elisie curvou os lábios num sorriso esquelético. ― Perdão? Quando foi que eu proibi que o nosso príncipe viesse aqui? ― Se é assim, deixe-o vir aqui com mais frequência, já que a mãe dele morreu, precisa de todas nós para suprir a falta que ela lhe faz. ― Eu sou a mãe dele. ― Nunca disse que não era. ― Samira deu fim a conversa, lançando a rainha, um sorriso de serpente. Ódio, cada respiração e suspiro pesado transmitia ódio. Antes só ouvia esse tipo de comentário das damas esposas e filhas de viscondes, condes e marqueses. Nunca pensou que receberia a aspereza das moças que ela mesmo salvou. ― Isso é uma enorme ingratidão. ― Reclamou para Lian que a seguia para todos os lados. ― Minha senhora, não fale alto, a ama do príncipe pode escutar, sabe como gostam de fofocas. ― Elisie suspirou, mudou Jeremy de braço. ― Elisie! ― Exclamou uma voz angelical atrás da rainha, que se virou aborrecida. ― Princesa Eym. ― Não precisa me chamar assim, é um pouco constrangedor, eu nunca tomei um lugar como princesa, fui embora com a minha mãe e o Ramon logo que chegamos em Darkeng. ― Já que retornou com a sua mãe, devemos apresentá-la aos nobres, daqui a três dias, durante o aniversário do meu pai. ― As bochechas da princesa ganharam uma intensa cor. ― Eu adoraria, mas não tenho certeza se a minha mãe permitiria, veja, ela vive como uma simples nobre mantendo-se aqui por sua graça. Não como a rainha viúva. ― Anamélia não tem opinião, você é uma princesa, não deve ser mantida em segredo. Agora se me permite, irei continuar os meus ofícios. ― Não puxe o lençol que cobre um segredo. ― Chiou a velha, quando Elisie atravessou o corredor ao ar livre do segundo andar. ― Pelo visto Alex ainda a mantem por perto. O que quer dizer com isso? Não gosto de enigmas. ― Elisie entregou Jeremy adormecido para Susan e a mandou se retirar. ― Não é enigma, é só um conselho, embora você nunca escute os meus conselhos. ― Se fossem menos absurdos, eu poderia pensar. ― O rei Alexyan, contou-me sobre a bruxa, vocês a encontram. ― De que adianta agora, Dixon está morto, e Mercúrio sumiu no mundo. ― Nada está tão perdido que não se possa encontrar com muita determinação. ― Mas quando não existe, não se pode encontrar. ― respondeu Elisie, cansada para adquirir uma postura severa. ― Você acha que esse inverno é o castigo dos deuses? ― perguntou a velha, percorrendo o seu olhar para a paisagem morta lá fora. ― Deve ser, talvez seja o meu castigo, por tentar desafiá-los, querer fazer um primeiro amor funcionar. ― ― Eu menti. Sobre os deuses desaprovarem o primeiro amor. ― Percebendo que Elisie não perguntaria, continuou: ― Era o romance entre você e aquele príncipe, que era proibido. ― O que fizemos para isso? ― Para isso eu não tenho resposta, só o passado tem. ― O passado é inalcançável. Enfim, acredito que essa conversa não nos levará a lugar nenhum, irei primeiro. ― Despediu-se Elisie, a velha feiticeira segurou o seu braço. ― Os filhos deformados... Eles ainda vivem. ― Não diga absurdos. ― Entre os bruxos há uma lenda, que diz que os filhos deformados no lugar de ganhar a beleza de deus, receberam a vida imortal. ― Elisie abriu um sorriso de desprezo. ― Então creio, que segundo uma lenda, um está no vulcão de Saranta, e o outro no vale dos gritos? Quer que eu acredite nisso? Por favor, viva o pouco de vida que lhe resta quieta nos corredores do meu castelo, caso contrário, lhe lançarei para fora sem o menor remorso. *** Encostada na parede carcomida da estufa, Elisie puxou o ar com força, sentindo o frio pinicar seu nariz. Observava o longo espaço repleto de flores e arbustos, agora sepultados debaixo da neve grossa. ― Majestade, devemos entrar agora. ― Alertou Lian, disfarçando o seu queixo trêmulo. ― O inverno é lindo, mas c***l. Ele devora a beleza da primavera, o calor do verão e a alegria do outono. ― refletiu esfregando as mãos, deu um passo para voltar ao castelo, quando ao longe, ela viu brevemente Ramon esgueira-se para uma parte do jardim, onde costumava ter uma fonte, ela nunca se interessou em ir lá, Dixon disse-lhe uma vez, que era lá que ficavam as sementes das flores que não brotaram. ― Lian, acho que quebrei o meu sapato, vá ao castelo e traga-me outro. ― A serva assentiu no mesmo instante. Sozinha, Elisie seguiu Ramon. O som inconfundível de água caindo, a fez alargar os seus passos. Ramon dava voltas ao redor da fonte que apesar de gasta e antiga, e no ar livre do inverno, jorrava água límpida. ― O que você faz aqui? ― Ramon virou-se, os olhos maus estavam inundados de lágrimas, e a boca tremia num choro contido. Nas suas mãos havia um pequeno jarro com um cacto verdinho com uma flor-amarela na sua ponta. Um vinco formou-se entre as sobrancelhas da rainha. ― Diga, Ramon, o que faz aqui? Eu não fui clara o suficiente? Não quero você no jardim. ― Não é só você que sente falta dele, eu. Eu criei aquele príncipe. Eu amo-o como se fosse meu filho, como sangue do meu sangue. Não é você, que o matou, que me impedirá. ― Mercúrio o matou, não eu. Pare de me culpar, pare de cutucar a ferida alheia. E pelos deuses, por que está abraçado a essa planta... espere, como... como essa planta nasceu nesse lugar, e explique a fonte que não congela. ― Ramon enxugou as lágrimas, porém, a tristeza não deixou o seu rosto. ― Essa fonte foi construída por Beatrice, a rainha bruxa. Mesmo que todas as outras fontes e rios congelem, esse aqui jamais congelará, continuará a jorrar água limpa e quente. Foi isso que fez esse cacto nascer. O cacto que o Cordial tentou de várias formas fazer brotar, e matou o comerciante por achar ter sido enganado. ― um breve sorriso surgiu nos lábios de Ramon. Durante o resto do dia, Elisie relembrava a imagem daquele cacto, e da flor-amarela. Era como se fosse uma mensagem de Dixon, só não sabia o que ele queria dizer com isso. ― Elisie, quantas vezes terei que avisa-la? ― brigou Alexyan entrando no escritório em seguida uma serva o acompanhou segurando uma bandeja com o jantar. ― Não sinto fome. ― Não importa, só coma um pouquinho. Depois retorne ao seu trabalho, organizar um aniversário não deve ser tão complicado. ― Pensei que não, entretanto, há tantas pessoas para convidar, e comida para comprar. Devemos parar com gastos desnecessários enquanto esse inverno não passar, senão, não teremos mais comida. ― Não podemos fazer nada, é o rei de Margoth quem o pediu, e você aceitou. ― Alex sentou-se atrás da mesa, continuando o trabalho de Elisie. ― Alex. ― Chamou ela, movendo de um lado ao outro um pedaço de batata com o garfo. ― Por que você ainda mantém aquela velha feiticeira abrigada no castelo? ― Ela não é uma pessoa comum, precisamos dela. ― Você acredita em tudo o que ela fala? ― Sim, acredito, até agora ela nunca errou. ― Ela disse que os filhos deformados estão vivos. ― Alex parou de escrever, até mesmo de respirar por alguns segundos, assustado até mesmo para levantar os olhos da folha de papel. Elisie o encarava, acanhada como uma criança desejando acreditar em algo. Continuou: ― Você acha que... poderia ser... ― Ele espalmou as mãos na mesa num baque. O vidro de tinta derramou por sobre a sua mão enluvada. ― Não, isso é impossível, eu já pedi várias vezes para você esquecer isso. Ele se foi para sempre, Elisie, por favor, pare de mergulhar nessa esperança cega. Ou quer morrer? É isso? QUER SEGUIR SEU AMADO? SEU ÚNICO AMADO PARA A MORTE TAMBÉM? ― alterado, Alex puxou uma adaga da sua calça e lançou-se para Elisie, sem perceber, uma mão agarrava-se ao queixo, e a outra encostava a adaga ao pescoço dela, que o encarava sem medo, sem qualquer expressão. Ele jogou a adaga para longe, e acariciou o rosto agora sujo de tinta da sua rainha. ― Você me machuca, Elisie. ― Foi tudo o que disse, em seguida saiu apressado do escritório. Estava com raiva, magoado, sentia-se um inútil, incapaz de confortar a mulher que ama. Chegou até o seu quarto, porém quando entrou encontrou-se com Ysdora sentada na cama ― O que faz aqui Ysdora? ― Eu sou sua esposa também, não posso passar um tempo com você? ― Por favor, saia, não quero discutir hoje. ― Ela aproximou-se, acariciou o rosto cansado dele, e limpou o caminho de uma lágrima. ― Se você me amasse, eu nunca o faria chorar, como ela faz. ― Ela não sabe. ― Por isso mesmo é mais c***l. ― Dora, ela quer encontrar os filhos deformados. Talvez ela queria ressuscitar o Cordial. ― E o que você disse? ― Ysdora alarmou-se, guiando-o pela mão até a cama. ― Eu apontei uma adaga para seu pescoço. Não sei o que faço. Devo ajudá-la nessa loucura? Mas penso que se eu a ajudar, e se no fim der certo, a perderei pela segunda vez, porém se não, Elisie pode se tornar mais deprimida e vazia. ― O que você quer? Procure no fundo do seu coração. ― Alex suspirou, lançou o olhar para Ysdora, acariciou a sua bochecha, e sorriu. ― Desculpe, meu bem, por não amar você, apesar de ser maravilhosa. ― Não se preocupe, majestade, eu não sinto por você um amor tão intenso como o que você e a rainha sentem, chega a ser loucura, vivemos num mundo onde não pensamos muito nisso de amor. Tudo isso não passa de uma construção de poder. ― Poderes demais apodrece o homem que já é perverso. ― Não todos, o meu marido nunca foi perverso.
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