Lili Harris
Caramelo está aqui deitado na cama comigo e ele parece o dono disso aqui tudo. Parece até que eu sirvo a ele.
As patinhas estão para cima, a barriguinha peluda está toda visível e ele está com a cabecinha de lado e de olhos fechados. Ou seja, numa preguiça só enquanto aproveita a cama macia. É uma graça! O som do seu ronronar é uma graça e vez e outra, ele se estica em preguiça onde se afunda mais nela.
É lindo, tenho que admitir.
Ele está bem gordinho em relação a quando o encontrei e ele já se adaptou à nova vida. Ele sempre tem uma tigela ali cheia com ração e água, tem um saquinho de petiscos e leite antes de dormir. É, até isso providenciaram. Eu acho graça aqui quando noto um bocejo grande de preguiça e eu me levanto antes que isso passe para mim.
Eu confesso que já perdi certa noção dos dias que cheguei aqui. Nada acontece e não estou reclamando de ainda não ter me casado.
Mas eu falo sobre não ver mais nada além desse apartamento. Um dos meus sonhos de vida é poder sair para tomar um sorvete, ir numa loja e escolher uma roupa ou calçado e mais ainda, estar numa praça vendo pessoas.
É, eu tenho esses sonhos. E ainda mais dos grandes.
Eu anseio pelo dia que poderei viajar, ver o mar, pisar na areia, ir ao cinema e ver como as festas funcionam. Que gosto será que tem o álcool? O meu pai tinha bebidas em casa, mas ficavam no escritório e ele vivia trancado. Então, nunca bebi nada.
Espero mesmo realizar algum desses itens. Quero crer que quando me casar, poderei viajar com o meu marido.
Alex. Alex Baldoni... o nome é bonito.
— Liane? — Dina me chama. — Teremos companhia. — Eu fico em alerta. — O senhor Gustavo Baldoni contratou profissionais de beleza. Você terá cuidados com os cabelos, pele, unhas e tudo mais para o casamento.
— Eu vou me casar hoje? — Eu tenciono na mesma hora.
— Não, não é hoje. Mas é essa semana... desculpe, ele não me disse o dia. — Eu sinto um frio na barriga. — Bom, quem sabe esses cuidados te ajudam a relaxar. Terá massagem, limpeza de pele, depilação e tudo mais... aproveita um pouco.
— Não sei se consigo... isso é para o casamento. — Ela concorda comigo. — Bom, e-eu não tenho escolha.
— Só vem mulheres para você ficar à vontade. Só tome cuidado com as conversas... elas podem querer saber de você, querer saber de detalhes do seu casamento ou algo assim. Não diga nada! — Eu aceno. — É sério... às vezes, essas pessoas gostam de saber de algo e vendem informações. A família Baldoni é muito reservada e poderemos ter problemas.
— Entendi. Obrigada por me lembrar. — Ela pede licença e eu tento me preparar psicologicamente.
Todos os meus cuidados básicos sempre foram em casa de forma mais normal. Isso vai ser bem estranho.
Nós ouvimos sons da porta em alguns minutos e três mulheres entram arrastando muita coisa. Tem maletas, reservatório portátil numa cadeira para lavagem de cabelo, malas grandes de viagem e outras coisas. Elas pedem licença e começam a se organizar pela sala.
Elas vestem preto, tem uma maquiagem bem produzida e cabelos perfeitos. As três são mulheres altas, magras e uma delas masca um chiclete compulsivamente. Eu não sei se é nervosismo por nunca ter feito isso, mas mesmo elas sendo mulheres, eu me sinto já desconfortável.
Será que é vergonha?
A única pessoa que me tocou um pouco mais intimamente, foi Marcelo no nosso namoro escondido. Por que eu estou lembrando dele agora?
— Podemos começar? Que tal uma hidratação nos cabelos? — Uma delas sugere me chamando e eu me aproximo. — Liane, não é? — Eu confirmo. — Os seus cabelos são lindos... deseja cortar?
— Não! quer dizer... dois dedos no máximo. Só as pontas. — Aviso e repito para não passar disso.
— Perfeito! — Eu me acomodo para a lavagem dos cabelos e fico olhando ao redor.
Eu adoro os meus cabelos. Eles são longos, loiros, finos, delicados e eu me acostumei com eles assim. Tenho pavor de cabelo curto em mim. A lavagem começa e a Dina fica aqui por perto olhando tudo. Eu tento relaxar quando os dedos massageiam a minha cabeça e a água é bem morna.
Mas, eu continuo com uma sensação estranha.
Acho também que isso deve-se ao fato de que eu não tenho costume de me socializar. Eu não sou de ver pessoas e desde que o meu pai morreu, eu só vejo gente estranha.
É, deve ser isso!
— A senhora pode me dar um pouco de água? — Uma delas pede para Dina.
Dina responde e a moça que pediu a acompanha, então, eu me sento aqui ficando mais ereta e olho para o lado. Tem algo errado! Eu vejo uma delas de costas para mim, mas ela se mexe e noto um tipo de agulha ou seringa. A outra está esvaziando a mala maior e é tudo muito rápido. Eu me levanto num pulo de susto e elas me olham já com um outro olhar. É mesmo uma seringa na mão de uma delas e eu corro tendo apenas a cozinha como opção. Não vejo ninguém. Dina não está aqui e eu procuro algo para usar.
— Ah, meu Deus... — Eu estou surtando e ao passar ao lado da bancada eu tropeço em algo.
Quer dizer, alguém.
Dina está caída no chão inconsciente e a mulher que veio com ela está agachada. A minha única saída é uma faca que está na pia e eu me afasto. Mas, são três contra mim. Eu tinha razão, é algo bem errado entre elas e nem consigo pensar em nada.
— É melhor soltar isso... vai se machucar e ninguém aqui tem uma arma. — Uma delas me olha com maldade nos olhos.
— O q-que v-vocês querem? — Eu não sei se já senti tanto medo na minha vida.
Acho que nunca estive diante de um perigo assim tão real.
— Flávio só quer que você chegue a ele... viva e intacta. — Isso é um pesadelo. — Garanto que não vamos machucá-la... só vai dormir um pouco.
— Fiquem longe! — Eu estou tremendo com a faca estendida. — SOCORRO!!!
— Cala boca, porrä! — Uma delas vem pra cima e eu corro para o corredor ao lado.
— SOCORRO... SOCORRO!!! — Gritar é a única opção que tenho. — SOCORRO...!!!
Os homens na porta são a minha salvação no momento. Eu continuo gritando e ao conseguir voltar para a sala, eu grito mais alto ainda e ouço um estrondo da porta sendo aberta. Nesse mesmo tempo, sinto um puxão nos meus cabelos e eu vou para trás em reação.
O som de tiro ocorre e só sinto o sangue cair sobre mim. Eu vou ao chão pelo impacto e ao olhar, a mulher que me puxou está com a cabeça aberta pelo tiro. O cheiro é de algo queimando em minha volta. Mais disparos ocorrem e assisto as outras duras morrerem em segundos. Uma com um tiro também na cabeça e a outra com um na garganta.
Elas estão mortas. Tem sangue por todos os lados e três corpos pelo apartamento. Eu não consigo me mexer, não consigo pensar e só vejo os homens entrarem para ver melhor os corpos no chão. Tem poça de sangue pela sala toda e eu nem sei se eu estou respirando. A cena é pior do que o terror. Eu nunca vi nada assim na minha vida e eu estou cheia de sangue. Mais um susto ocorre quando eu ouço mais um tiro disparado contra uma delas e eu me encolho mais.
O que foi que houve aqui?