Ponto de vista de terceira pessoa
Dias se passaram. Kira finalmente se reuniu com sua equipe após o caos dos últimos eventos. Eles haviam sido realocados para um novo hotel, já que o anterior não tinha mais condições de hospedá-los. A estrutura fora severamente comprometida, especialmente nos andares superiores, e como estavam justamente no último andar e na cobertura, a situação se tornara insustentável.
Quando Kira entrou no novo alojamento, foi recebida com olhares de espanto. O impacto de sua presença era evidente. O silêncio que tomou conta do ambiente foi tão intenso que se podia ouvir a respiração contida de alguns.
G.E.S.S. estava atônito. Seu olhar percorria Kira como se tentasse encontrar uma explicação racional para sua presença, como se sua mente recusasse a aceitar o que via. Ele tentava falar, mas as palavras simplesmente não vinham.
Logan, por outro lado, manteve-se mais contido. Ele já havia passado por situações complexas antes, principalmente ao lado de Ivan. Para ele, aquilo ainda era algo extraordinário, algo que desafiava toda lógica, mas não era tão difícil de aceitar quanto para os outros. Não era normal. Nunca seria. Mas também não era completamente impossível.
A tensão pairava no ar, densa como uma tempestade prestes a desabar. O que Kira diria? Como explicaria tudo o que havia acontecido? As perguntas pairavam no olhar de cada um, mas ninguém ousava ser o primeiro a quebrar o silêncio.
— Bom, já se passaram seis dias. O governo vai reabrir o espaço aéreo hoje e, com isso, poderemos partir de forma mais tranquila.
Kira finalmente quebrou o silêncio, sua voz firme, mas carregada de cautela. Os olhares da equipe se voltaram para ela, alguns com alívio, outros ainda tomados pela tensão da incerteza.
A vigilância estava em um nível extremo. Mesmo que tentassem utilizar pistas clandestinas, não faria diferença — qualquer aeronave detectada no espaço aéreo era imediatamente marcada como alvo. O governo não hesitava. Bastava um sinal suspeito, e os drones de combate, armados com mísseis de precisão, entrariam em ação, derrubando qualquer coisa sem aviso prévio. Essa era a ordem.
Fugir por terra não era uma opção mais viável. As ruas estavam tomadas por máquinas de combate — unidades quadrúpedes e bípedes patrulhavam incessantemente, marchando em fileiras organizadas. Seus sensores escaneavam tudo e todos, analisando cada movimento, cada sinal de calor, cada variação mínima que pudesse indicar uma ameaça ou irregularidade. Nenhuma identidade falsa passaria despercebida, nenhuma tentativa de disfarce seria suficiente.
O cerco estava fechado. Qualquer erro significaria a morte.
— Nosso contato já despachou nossas armas e equipamentos. Agora basta irmos ao aeroporto.
Kira concluiu sua sentença com naturalidade, pegando sua mochila sem perder tempo. O ambiente continuava carregado de tensão, mas ela não demonstrava hesitação. Sua mente já estava adiantada, focada no que viria a seguir.
Na noite anterior, Douglas havia entrado em contato com Kira. Sua voz carregava um tom incomum, um peso que ela reconheceu de imediato como um sinal de alerta. Ele deixou claro que um problema sério havia surgido e que exigia sua atenção imediata assim que chegasse à sede da BioCom. Não havia margem para adiamentos.
Kira sabia que não teria tempo para descanso. Sua agenda já estava comprometida antes mesmo de desembarcar. Além disso, uma preocupação extra se somava à situação: Alessandro. Originalmente, ela deveria acompanhá-lo até Brasília para garantir sua segurança, mas a ordem, emitida há quatro dias, fora revogada com urgência. Novas prioridades surgiram, e agora seu destino era outro.
Aparentemente, um operativo havia falhado em uma missão crucial, e caberia a Kira intervir para corrigir a situação. Isso não era novidade para ela. Problemas como esse faziam parte da rotina, e lidar com crises era quase automático. Ela não se incomodava com a mudança de planos — mas Alessandro, sim.
Na ligação que tiveram naquela manhã, ela percebeu a frustração intensa na voz dele. Ele não precisou dizer muito; o peso do silêncio entre suas palavras já era suficiente para deixar claro o que sentia. E, por mais que Kira estivesse acostumada a priorizar o trabalho, não pôde ignorar a sensação incômoda de que, desta vez, estava deixando algo importante para trás.
Kira seguiu pilotando sua moto em direção à sede da BioCom. O vento cortava seu rosto enquanto ela acelerava pelas ruas iluminadas pelo brilho frio dos letreiros holográficos. Sua mente estava focada, mas não completamente livre de preocupações. Ainda que sua expressão permanecesse impassível, a verdade era que algo dentro dela ainda ecoava as palavras de Alessandro naquela manhã.
A moto estava estacionada no aeroporto internacional, onde havia sido deixada antes da missão. Recuperá-la foi simples, e agora o ronco do motor ecoava pelo asfalto enquanto ela percorria o trajeto com precisão quase mecânica.
Enquanto isso, os outros membros da equipe tomaram rumos distintos. Optaram por táxis para retornarem às suas residências, cada um lidando com o fim da missão à sua maneira. O pägamento pela prestação de serviço seria feito em breve, sem falhas ou atrasos, garantindo que todos recebessem sua parte justa pelo trabalho bem executado.
Tudo havia saído perfeito — pelo menos no que dizia respeito à missão em si.
Após a dispersão do grupo, Logan, G.E.S.S. e Kira dedicaram-se a finalizar seus relatórios detalhados. Cada um descreveu meticulosamente os eventos ocorridos, desde o planejamento inicial até as circunstâncias que exigiram improviso. No entanto, um detalhe específico nos relatórios chamou atenção de forma alarmante: a menção à cobaia.
Segundo as informações coletadas, essa cobaia poderia ser ninguém menos que a suposta irmã de Kira.
Quando Douglas recebeu os relatórios, leu tudo com a calma metódica que sempre demonstrava. Mas ao chegar a esse trecho, sua expressão mudou instantaneamente. Seus olhos se arregalaram, e por um momento ele permaneceu estático, boquiaberto, como se sua mente estivesse processando a informação com dificuldade.
A surpresa estampada em seu rosto não era comum. Douglas sempre fora alguém frio e analítico, raramente deixando escapar qualquer reação emocional. Mas aquilo... aquilo era diferente.
A revelação não apenas o pegou desprevenido, mas também trouxe uma nova camada de mistério para a situação. Se a informação fosse verdadeira, significava que havia muito mais por trás dessa história do que qualquer um deles poderia imaginar.
Douglas aguardava ansioso pela chegada de sua deusa da guerra. Enquanto isso, em outra sala, Alessandro não conseguia esconder o nervosismo. Seu coração batia acelerado, e a tensão era quase palpável. Esta missão era diferente de todas as anteriores. Não se tratava de invadir um prédio corporativo protegido por seguranças privados ou sistemas eletrônicos de última geração. Desta vez, a missão exigia algo muito mais ousado: a invasão de uma cidade inteira e a extração de um alvo em território hostil.
A situação era delicada. A Cidade da Sucata não estava sob a jurisdição de Manaus, o que significava que qualquer operação lá dentro seria considerada extraoficial, sem respaldo ou reforços garantidos. Essa periferia caótica existia fora dos limites da cidade, governada não por leis, mas pela força bruta e pelo medo. Seu líder, um exilado da temida gangue dos Marombas, reinava absoluto sobre o lugar, transformando-o em um império do crime.
A Cidade da Sucata era um monstro urbano formado por ferro retorcido, concreto decadente e uma população que sobrevivia em meio ao caos. Era um mercado nëgro a céu aberto, onde tudo que fosse ilegal encontrava um comprador – armas, drogas, tecnologia roubada, documentos falsos, órgãos humanos e até humanos eram vendidos. Não havia regras, não havia piedade. A violência ditava as leis, e apenas os mais fortes, mais cruéis ou mais espertos conseguiam prosperar.
Alessandro sabia que a operação exigiria mais do que estratégia e poder de fogo. Precisariam de discrição, contatos e, acima de tudo, sorte.
Kira é uma Sicária formidável, uma lenda viva entre os assassinos de aluguel. Mas será que seu nível de habilidade era realmente tão elevado? Essa missão não seria apenas mais um trabalho—seria uma prova definitiva de seu poder, sagacidade e capacidade de adaptação. A Cidade da Sucata não era um campo de batalha comum. Era um ninho de cobras, um território hostil onde traição e violência eram a única lei.
E Kira estaria praticamente sozinha. Seu único suporte seria um novato, alguém sem experiência suficiente naquele tipo de inferno. Não haveria um time de elite cobrindo suas costas, não haveria rota de fuga segura. Se algo desse errado, seria ela contra um exército inteiro de criminosos.
Alessandro tentava manter o foco, mas sua mente estava em guerra. O medo do perigo real daquela missão o consumia, mas havia algo mais corroendo sua sanidade: o ciúme. Kira passaria dias ao lado de outro homem. Não um qualquer, mas um Sicario também—alguém treinado, letal, forte. E, para piorar, atraente.
A ideia de Kira e aquele homem, juntos, operando como uma dupla fazia o sangue de Alessandro ferver. Sicarios viviam no limite, acostumados à adrenalina e à intïmidade da morte. Uma missão longa, sem supervisão, cercada de tensão e perigo, poderia acender faíscas que ele não queria sequer considerar.
Seu lado racional dizia que aquilo era besteira. Mas o lado possessivo? Esse rugia como um animal enjaulado, querendo rasgar aquele novato em pedaços antes mesmo que a missão começasse.
Kira adentrou a sala de Douglas com passos firmes, seus olhos afiados como lâminas analisando cada detalhe do ambiente. Ela não era do tipo que gostava de surpresas, mas algo no semblante sério de Douglas indicava que aquela reunião não seria trivial.
Sem rodeios, ele foi direto ao ponto. Em apenas meia hora, apresentou os detalhes da nova missão. A tarefa, à primeira vista, parecia simples: infiltrar-se na Cidade da Sucata, localizar o alvo e recuperar o projeto roubado. No entanto, qualquer Sicario experiente sabia que, em missões como essa, a simplicidade era apenas uma ilusão.
Ao receber o relatório da última tentativa fracassada, Kira sentiu um peso se acomodar em seus ombros. As páginas do dossiê estavam repletas de erros estratégicos, subestimação do inimigo e, pior, baixas desnecessárias. O fracasso estampado ali era um lembrete crüel de que não haveria espaço para deslizes.
Respirando fundo, ela fechou o relatório e ergueu o olhar determinado para Douglas. O jogo agora estava em suas mãos. Corrigir o erro e colocar as coisas no eixo não era apenas uma responsabilidade—era uma questão de honra.