Ponto de vista de Kira
Alessandro está me fazendo perguntas para as quais nem eu tenho respostas. Quem sou eu? Quem fui? Existe essa lacuna dentro de mim, um vazio silencioso e, sinceramente, às vezes sinto como se não importasse.
Aurora disse algo que não sai da minha cabeça: ele só amou uma mulher em toda a vida. E ela fala com propriedade. Afinal, é a secretária pessoal dele, está ao lado dele em quase tudo — viagens, almoços, jantares, eventos da empresa, confraternizações. Eles conversam. Ela o conhece.
Durante anos, segundo ela — e todos na BioCom comentam isso —, ele esteve em luto. Um luto profundo, constante. Isso me incomoda de uma forma que não sei explicar. Uma sensação amarga, um aperto no peito que mistura ciúmes, inveja e possessividade.
Amanda. Esse é o nome que todos sussurram com reverência. Amanda o teve. Ele era dela. E, pelo que dizem, ainda é.
E isso me fere de um jeito estranho. Como se algo em mim gritasse que isso não está certo. Que ele não deveria pertencer a ela.
Mas agora estou no meio de uma incursão, e preciso me manter focada. Jair me transmite segurança e estabilidade. Acho que ele seria ideal para estar ao meu lado, porque, desde que nos conhecemos, ele está. E eu gosto disso. Preciso disso.
Meu plano já foi praticamente aceito por Alessandro. Sinto-me um pouco estranha por não ter compartilhado com ele a real intenção por trás dele. Mas acredito que a minha visão de um mundo perfeito possa parecer estranha para os outros.
Quando as pessoas usarem o Bio para voltarem a vida, quando usarem o Anastasys com meu DNA, o seu próprio DNA será modificado, e então se tornarão parte de mim, como Killey. Serão fortes, praticamente indestrutíveis e sem perigo de sua lealdade se voltar para outros.
E claro, parte do meu plano é transformar outros. Jair, Teresa e Xiaomei, foram os primeiros. Mas como eles, serão apenas poucos indivíduos selecionados. Pessoas que podem ser importantes no cenário de domínio global.
Minha visão de mundo perfeito não é feita de liberdade irrestrita ou igualdade ilusória. Meu mundo é estruturado, sólido, previsível. É um mundo onde cada indivíduo tem um lugar — e o ocupa com propósito. Onde a desordem é extinta antes de se enraizar, e onde a força, a lealdade e a disciplina não são apenas respeitadas, são exigidas.
Não quero uma democracia frágil ou um caos disfarçado de liberdade. Quero ordem. Hierarquia. Um trono de onde eu possa ver cada peça do tabuleiro funcionando com precisão. E aqueles que não se adaptarem, serão moldados ou removidos. O progresso exige sacrifício, e a paz verdadeira só é possível sob controle absoluto.
Meu mundo não aceita fraqueza como virtude. Ele recompensa o mérito, a fidelidade e a competência. O trono não é um símbolo de poder pessoal — é um pilar. Um ponto de estabilidade para todos que desejam algo maior do que si mesmos. Por isso preciso estar no topo. Não por ego, mas por dever.
Talvez nem todos compreendam isso. Muitos se perdem tentando conciliar caos com esperança, emoção com poder. Mas eu vejo além. Eu vejo o que precisa ser feito. E se para criar esse novo mundo eu tiver que mentir, esconder ou manipular, então que assim seja.
Porque, no fim, quando a poeira baixar e o novo império nascer, eles entenderão. A ordem trará paz. A monarquia trará estabilidade. E sob meu comando, o caos jamais terá vez novamente.
Vendo a forma como Alessandro reagiu a mim, decidi me afastar. Concluí que, para estar ao meu lado, alguém precisa compreender e compactuar com minha visão. Depois de me ver em ação e da conversa que tivemos, percebi em seus olhos algo estranho — um misto de raiva, incredulidade... talvez até medo.
Foi diferente de quando Jair presenciou minhas habilidades pela primeira vez. Ele reagiu com fascínio, quase com entusiasmo. Já Alessandro... ele me olhou como se eu fosse algo errado, distorcido. Me senti um monstro. Um ser anormal, fora de lugar. Seu olhar carregava desconfiança, como se não soubesse mais quem — ou o que — eu era.
E o pior é que não entendo por que isso me atinge tanto.
Me concentro novamente em meus planos. A BioCom será importante no meu plano, por isso preciso de Alessandro como socio majoritário, e claro preciso que quando a hora chegar ele entenda a grandeza do que estou fazendo. A BioCom será importante nos dois passos de meu plano.
Quando analisamos o projeto de Analisa, vimos que eles a clonaram algumas vezes e deu certo uma cobaia, porém ela morreu durante um teste. Após isso iam tentar de novo, mas não tiveram tempo...
Descobrimos que clones tem limite de tempo.
Células adultas já passaram por muitos ciclos de divisão. Isso significa que seus telômeros (as “pontas” dos cromossomos que encurtam a cada divisão) já estão mais curtos.
Clones gerados a partir de células adultas tem envelhecimento acelerado. Precisamos aprimorar isso. Conseguindo isso o plano será:
Exército de Clones Bioeletroneurais – Sob o Comando de Analisa
1. Clones como Condutores Biológicos
Cada clone é projetado com um cérebro incompleto, funcional apenas para motor e sensor básico.
O sistema nervoso é otimizado como uma rede de condução bioelétrica, quase como uma antena viva.
Seus corpos funcionam como terminais biológicos, prontos para receber o "sinal" de Analisa.
2. Controle por Bioeletricidade
Analisa é uma interface viva, conectada a todos os seres vivos via campos bioelétricos.
Ela não envia comandos como dados digitais — ela emite pulsos elétricos modulados, que ressoam diretamente com os sistemas nervosos dos clones.
Isso permite:
Controle instantâneo de múltiplos corpos.
Uso de intuição cinestésica compartilhada.
Coordenação em combate como se fosse um só corpo fragmentado em muitos.
3. Implantes de Amplificação (Neuroprocessadores)
Cada clone recebe um chip de tradução bioeletrônica, que interpreta os sinais de Analisa e converte em ações musculares e padrões motores.
Se Analisa quiser que todos disparem ao mesmo tempo, ela apenas “sente” o impulso, e todos agem.
4. Níveis de Controle
- Reflexo Total: clones respondem como músculos do corpo dela — sem delay.
- Autonomia Programada: podem agir com microalgoritmos simples caso Analisa esteja desconectada.
- Modo Parasita: ela pode incorporar temporariamente a consciência de um ser vivo, assumindo o corpo — seja clone ou não.
5. Vantagens do Sistema
Sem vulnerabilidades digitais comuns — tudo é via bioeletricidade.
Imune a hacking remoto, pois os sinais não são dados, mas pulsos naturais do corpo.
Sensação compartilhada: Analisa pode “sentir” através dos clones — ver, ouvir, tocar.
Mimetismo neural: se ela tocar outro ser, pode absorver temporariamente padrões neurais para infiltração ou controle.
Então, é simples:
Plano 1: Criar um exército de clones sob nosso comando — imortais, rápidos, fortes e letais.
Plano 2: Contaminar o maior número possível de pessoas com o parasita, para que todos entrem em sinergia uns com os outros. Assim, ninguém se voltará contra seu igual.
Meu mundo será perfeito. Meu plano é perfeito.
A execução começou com Teresa e Xiaomei — ambas fontes valiosas de informação e com uma rede de contatos invejável. Influentes, inteligentes, perfeitas para missões de investigação e infiltração.
Jair é nosso guarda-costas. O homem da ação. O escudo do grupo.
E creio que escolherei G.E.S.S. como meu homem de apoio. Quando o senti, percebi algo diferente em sua biologia algo disfuncional.
Me sinto satisfeita. As peças começaram a se mover. Apesar de o Sr. Alessandro ter sido o responsável por me convocar para esta viagem, no fim das contas, foi algo positivo. Descobri que agora estão atrás de Aurora. A prioridade número um era me eliminar, mas quanto a ela… eles querem capturá-la. E, sinceramente, nem consigo imaginar o motivo disso.
Agora, o foco é terminar essa viagem com um mínimo de tranquilidade — se é que isso ainda é possível. Eu sei que um dos homens sobreviveu e está sendo interrogado. Será que Alessandro vai descobrir algo útil? Estou genuinamente curiosa. Mas, lá no fundo, também sinto aquele incômodo: o receio de que ele esconda as informações de mim, especialmente porque eu fiz exatamente isso com ele. Justiça poética, talvez?
Naquela noite, dormi m*l. Muito m*l. Meu corpo descansou, mas a mente parecia rodar em espiral. Sonhos desconexos, imagens que vinham e iam sem sentido: olhos que não eram meus, corredores intermináveis, sangue pingando de um teto branco demais. Quando acordei, estava suando frio — e faminta. Meu organismo, depois de tudo o que passei, exigia combustível. E exigia agora.
O café da manhã foi caprichado. Para mim, foi mais que necessário. Três pratos montados, proteína suficiente para reconstituir meio batalhão. Preciso manter o corpo funcionando — e bem. Biologia exigente é o preço de ser o que sou.
Fomos realocados para outros quartos. No dia seguinte, partimos deste lugar para um novo destino. O administrador de Brasília ficou sabendo do que aconteceu e, como têm muito interesse na visita de Alessandro, fizeram questão de nos realocar para uma tal “mansão” no Lago Sul.
Chegamos ao local. Sim, é uma casa grande. Mas mansão? Bom, pelo menos parece ter até uma academia. Isso, sim, me interessa. Um bom lugar para manter o corpo em movimento — e a mente distraída.
Depois do almoço e de algumas reuniões, Alessandro se aproxima de mim. Ele parece sem graça. Sinceramente, nunca o vi assim. Sempre tão firme, resoluto, com aquele ar de quem nunca vacila. E agora, esse breve instante de hesitação.
— Kira, vamos sair esta noite. Você vai me acompanhar.
O tom dele é de ordem. E lá está ele de volta: o Alessandro autoritário, direto. E, de alguma forma, esse tom dele mexe comigo. Me provoca. Me instiga.
E eu aceito...