Ponto de vista de Logan
Enquanto isso em Manaus.
Meu apartamento. Ivan e G.E.S.S. conversam, mas minha mente está em outro lugar. Faz dias que penso nisso. Lutar contra as corporações, agir pelo povo. Mas como? Um nome, uma identidade, um plano... Ainda não tenho nada disso.
Então, o interfone toca. Me levanto, atendo sem pensar muito. Mas a voz do outro lado me faz congelar.
— Teresa?
Eu só a vi uma vez, mas sei quem ela é. E sei com quem ela anda. Teresa é uma mídia e também era namorada de Chang Liu.
O que diabos ela quer comigo?
Teresa entra no meu apartamento como se fosse a dona do pedaço. Nem pede permissão, só passa pela porta com aquela atitude de quem acha que o mundo gira ao seu redor. Reviro os olhos. Não entendo o que acontece com a mulherada hoje em dia. Isso me faz lembrar de Lucy— ela também agia como se mandasse aqui. Um leve ressentimento me atravessa. Passamos dias juntos e, de repente, ela morreu.
E Dragon... Esse eu evito pensar. As lembranças dele vêm carregadas de coisas que prefiro deixar enterradas.
Teresa não perde tempo. Já chega despejando tudo. Ela quer minha ajuda. Sabe que Kira e eu temos um relacionamento profissional e quer que eu me infiltre na BioCom.
— O plano era forjar a morte do Chang. Tudo estava armado, deveria ser só um teatro. Mas deu errado.
Ela não precisa entrar em detalhes. Eu já entendi o que isso significa. O plano virou um atentado de verdade.
— No meio do caos, apareceu uma mulher chamada Xiaomei. Ela disse que podia trazer o Chang de volta.
— Trazer de volta? — levanto uma sobrancelha.
— Com uma dröga experimental.
A história só piora. Teresa me conta que, depois do incidente, quando foi buscar respostas, disseram que Chang não sobreviveu ao processo. Mas ninguém viu o corpo.
— Disseram que ele foi cremado — ela cruza os braços. — Mas eu não acredito.
E é por isso que ela veio até mim. Teresa acha que tem algo muito errado nessa história. E quer que eu descubra o que é.
Passamos horas conversando, e o que ela me revela é de deixar qualquer um de boca aberta. Sua expressão está tensa, como se ainda estivesse processando tudo o que descobriu.
Ela começa falando sobre o Anastasys e o Projeto Berserker, detalhando cada aspecto como se estivesse montando um quebra-cabeça diante de mim. Mas então, quando penso que já ouvi o suficiente, ela solta a verdadeira bomba.
— O Projeto Berserker é só a ponta do iceberg — diz, sua voz firme, mas carregada de inquietação.
Me inclino para frente. Sei que o que está por vir não é algo trivial.
— Douglas fez uma descoberta… algo que muda tudo.
— O quê? — pergunto, já sentindo um calafrio.
Ela solta um suspiro tenso antes de continuar.
— Ele encontrou algo dentro de uma cobaia de laboratório. No início, achavam que era só um paciente com uma doença autoimune rara… mas não era uma doença.
Franzo a testa.
— Então o que era?
Ela desliza alguns documentos na minha direção. Vejo exames, ressonâncias, imagens celulares aumentadas centenas de vezes. Meus olhos se fixam em um relatório sobre uma amostra retirada da medula óssea da cobaia. Algo estava ali, algo que não deveria estar ali.
— Um parasita — ela diz, o peso da revelação nítido em sua voz. — Um organismo vivo, enraizado dentro da medula óssea da cobaia.
Minha garganta seca.
— Há quanto tempo ele estava lá?
— Impossível saber ao certo. Mas… — Ela pausa, escolhendo as palavras. — O que Douglas descobriu é que essa coisa assimila informações genéticas.
Sinto o sangue gelar.
— Como assim?
Ela aponta para uma das imagens, a voz carregada de uma mistura de fascínio e terror.
— Ele não só se alimenta do DNA do hospedeiro, como assimila DNA dos outros seres que são absorvidos. Ele lê as informações genéticas e adapta o organismo conforme necessário. Regeneração acelerada, aumento de força, resistência absoluta a doenças… Qualquer coisa que beneficie a sobrevivência do hospedeiro e dele mesmo.
Mas o pior ainda estava por vir. Ela desliza mais um documento para mim.
— E então tem isso.
Minha respiração prende por um instante quando vejo a análise celular. Todas as células do corpo da cobaia são células-tronco.
Olho para ela, incrédulo.
— Todas?
Ela assente lentamente.
— Todas. Isso significa que, mesmo que o corpo seja destruído, se ao menos uma única célula sobreviver e tiver acesso a nutrientes, ele pode se regenerar completamente.
A informação martela em minha mente. Imortalidade biológica. Não importa o que aconteça, a cobaia pode simplesmente… voltar.
— Eles o chamaram de N.E.P.H.E.S. — ela continua, sua voz soando quase distante. — Núcleo Evolutivo de Predação Híbrida e Expansão Simbiótica.
Meu olhar se fixa na imagem granulada da ressonância. O parasita estava ali, enraizado, fundido à cobaia como se fossem uma coisa só. E agora?
— Isso não é só um parasita — murmuro. — É um predador genético perfeito.
Ela assente devagar.
— E pior… Ele está atualmente na cobaia número um da BioCom.
O silêncio pesa como uma sentença de morte. Eu presenciei a super-regeneração de Kira, sua velocidade sobre-humana, sua força descomunal e vários outros indícios do que ela realmente é. Agora, com essa informação diante de mim, a pergunta se torna inevitável: será que Kira sabe quem é? Ou melhor, o que ela é?
— Logan?? Ei... Tá pensando em quê? Acorda! — Teresa me chama de volta à realidade, estalando os dedos na minha cara.
— Calma, mulher! Tô tentando absorver tudo isso. Afinal, não é todo dia que você se vê dentro de um filme de ficção científica… ou seja lá o que for isso! — respondo, minha voz carregada de preocupação e descrença.
Teresa e eu continuamos examinando a documentação. O nome da cobaia original, aquela em quem o parasita foi encontrado, não aparece em nenhum lugar. O que sabemos é que era alguém a quem a BioCom tinha acesso, mas que aparentemente não vivia confinada. No entanto, após um evento não especificado nos documentos, essa pessoa foi transformada em Kira.
— Teresa, acho melhor não revelarmos isso para ninguém ainda. Precisamos continuar investigando... — minha voz sai pesada, carregada de incerteza. Faço uma pausa antes de perguntar, quase num sussurro: — Você acha que o Chang foi… absorvido? Ou será que ele virou algo como a Kira?
A pergunta fica no ar, mais fraca do que eu gostaria, mas o peso dela é inescapável.
Uma ideia começa a tomar forma na minha mente, não apenas um pensamento solto, mas um plano real, algo concreto. Finalmente, tudo se encaixa. Se quisermos combater corporações como a BioCom, precisamos de mais do que apenas indignação—precisamos de força, de aliados.
Iremos fundar uma gangue. Não uma qualquer, mas uma que lute contra esses gigantes corporativos, expondo suas atrocidades e protegendo aqueles que não têm voz. Nos chamaremos Os Corvos.
O corvo é um símbolo poderoso. Em algumas culturas, representa sabedoria; em outras, a passagem entre a vida e a morte. Para nós, será ambas as coisas. Seremos a vingança dos mortos, aqueles esquecidos e descartados pelas corporações. Mas, acima de tudo, seremos um presságio de morte para aqueles que exploram e destroem sem consequências.
Volto-me para Teresa, sabendo que, se há alguém que pode entender o peso disso, é ela.
— Quero que você faça parte disso. — Minha voz é firme, mas carrega um pedido sincero. — Sei que encontrar respostas sobre Chang é o que mais importa para você… e prometo que vou te ajudar a descobrir a verdade.
Seus olhos me analisam por um instante, avaliando minhas palavras, meu tom, talvez até minha determinação. O silêncio entre nós dura pouco, mas carrega mais significado do que qualquer discurso.
Se vamos derrubar titãs, precisaremos ser sombras no céu. Corvos, prontos para atacar.
Ela aceita meu chamado. Ficamos conversando até tarde, traçando cada detalhe do plano com precisão meticulosa. Teresa demonstra um conhecimento impressionante sobre espionagem, infiltração e coleta de informações. Seu olhar brilha com uma mistura de determinação e experiência enquanto expõe estratégias e precauções que eu nem havia considerado.
Descubro que ela tem um contato dentro da BioCom, alguém que pode fornecer informações valiosas. Além disso, ela já conseguiu plantar alguns grampos na empresa, o que significa que temos uma vantagem inicial.
Em meio às informações que ela compartilha, um detalhe me chama atenção: recentemente, um novo agente foi inserido no quadro de funcionários da BioCom. A coincidência me incomoda. Nada dentro dessas corporações acontece por acaso.
— Quem é ele? O que você sabe sobre esse cara? — pergunto, estreitando os olhos.
Teresa solta um suspiro pensativo antes de responder. Algo me diz que essa peça do quebra-cabeça pode ser mais importante do que imaginamos.
Assim que Teresa vai embora, chamo G.E.S.S. e Ivan para uma conversa. Explico tudo o que aconteceu, desde a nossa decisão de formar Os Corvos até as informações que Teresa compartilhou sobre a BioCom. Ambos me escutam atentamente, G.E.S.S. com aquele olhar analítico de quem já está pensando em como podemos usar isso a nosso favor, e Ivan com os braços cruzados, claramente processando tudo.
No meio da conversa, batidas firmes ecoam pela porta.
Meu primeiro pensamento é que Teresa pode ter voltado. O porteiro não interfonou para avisar de outra visita, então seria lógico. Troco um olhar rápido com os dois antes de me levantar para atender.
Mas, quando abro a porta, sinto meu estômago afundar.
Diante de mim está a última pessoa que eu esperava ver.