Ponto de vista de Jair "O Leão"
Kira foi destacada para um batalhão diferente do meu. Eu não queria que fosse assim, mas era a divisão necessária. As exigências da guerra. Ela já tinha Killey ao seu lado e um outro sicário que manuseava armas pesadas. Seu caminho a levava por um bairro perigoso, enquanto o nosso exigia discrição—afinal, vivíamos ali, e muitos nos conheciam. Conseguimos avançar sem chamar atenção, mas Kira…
Ela parecia querer os holofotes para si. Ou talvez apenas soubesse que nunca passaria despercebida. E como poderia? Como alguém poderia ignorá-la? Ela era linda, feroz, com um corpo capaz de despertar até os mortos—e eu, definitivamente, estava muito vivo.
Fiquei grudado no rádio, acompanhando cada passo que ela dava rumo ao Castelo. Incrível. Implacável. Os homens ao redor dela não conseguiam desviar o olhar, fascinados pela forma como ela lutava. E o mais impressionante? Mesmo ferida, ela continuava avançando. Eles não entendiam como, mas, depois de alguns minutos, não havia mais furos de bala ou arranhões.
Como se a própria guerra a temesse demais para marcá-la.
O rádio crepita, trazendo fragmentos da batalha, mas é o suficiente para me manter vidrado. O som das explosões, os gritos abafados, o chiado metálico da monokatana cortando o ar—cada detalhe alimenta meu fascínio por ela. Kira não luta, ela dança entre os inimigos, uma força da natureza que nenhum combatente ali pode conter.
Os relatos vêm entrecortados: "Ela atravessou o flanco." "Derrubou dois em um só golpe." "Tomou vários tiros, mas não caiu." O som de disparos se intensifica. Meu peito aperta. Ela está no meio do caos, enfrentando aquilo sozinha. Killey pode estar por perto, mas ninguém protege Kira—ela se protege. Ela se impõe.
Fecho os olhos e imagino a cena. O brilho da lâmina cortando a escuridão, os corpos caindo ao seu redor, os olhos dela brilhando em meio ao campo de batalha, cheios daquela determinação selvagem que me tira o ar.
Então, uma pausa. Silêncio no rádio. Um segundo. Dois.
O chiado volta: "Ela continua de pé. Está avançando."
Eu solto o ar que nem percebi que estava prendendo. Meu peito vibra com uma mistura de orgulho e desejo avassalador. Kira não é uma mulher comum—ela é um furacão. E eu sou apenas um homem afortunado o bastante para testemunhar sua passagem.
A última transmissão de Kira vem como um choque. A voz dela, firme apesar da urgência, avisa sobre um mini artefato nuclear. Ela ordena a evacuação imediata do Castelo.
Estávamos tão perto. Dröga, eu quase poderia vê-la. Estava trazendo água para ela—claro que ela não havia comido ou bebido nada desde o amanhecer, desde que essa incursão começou. Ela nunca pára. Nunca pensa em si mesma.
Mäl temos tempo de reagir. Quando estamos a uma distância segura, um míssil corta o céu como um raio, veloz demais para um aviso, para uma fuga. Ele atinge o Castelo em cheio. O impacto é brutal.
Se estivéssemos lá, estaríamos mortos. Todos nós.
O chão treme sob nossos pés. O horizonte muda diante dos nossos olhos. O que antes era uma arquitetura frondosa e imponente agora é um amontoado de destroços. Cinzas e fumaça se erguem, consumindo tudo.
Meu coração dispara.
Não penso. Apenas corro para um dos veículos, assim como os outros. O motor ronca, mas o barulho não chega a mim. Minha mente está um caos.
Será que ela teve tempo?
Será que encontrou um meio de escapar?
Será que o lugar onde estava oferecia alguma pröteção?
Perguntas demais. Respostas nenhuma. O pânico se mistura à adrenalina, um medo sufocante crescendo no meu peito.
Se Kira não sobreviveu…
Não. Nem sequer posso considerar essa possibilidade.
Acelero. Eu preciso encontrá-la.
O caminho até o Castelo destruído é um borrão de poeira e fumaça. O cheiro de cinzas e metal queimado invade minhas narinas, mas eu mäl percebo. Meus olhos varrem a paisagem em busca de qualquer sinal dela.
Os destroços se espalham como uma ferida aberta no solo, os restos do Castelo ainda soltando labaredas esparsas. Os outros soldados já vasculham o local. Só existe uma coisa na minha mente: Kira.
Aperto o comunicador, a mão trêmula de ansiedade.
— Kira? Responda.
Estática.
Respiro fundo, tento de novo.
— Kira! Onde você está?
Silêncio.
O pânico cresce no meu peito como um animal enjaulado.
Pulo do veículo antes mesmo de ele parar completamente, os pés afundando na terra e nos escombros. Meu coração martela no peito enquanto meus olhos percorrem os escombros, procurando qualquer indício dela. Um rastro, uma arma caída, qualquer coisa.
Nada.
O comunicador parece pesar toneladas na minha mão suada. Tento de novo.
— Kira, pelo amor de Deus, responde!
Mais silêncio.
Meus dentes rangem, o desespero se transformando em raiva. Com um grunhido frustrado, chuto um pedaço de concreto quebrado, que rola alguns metros antes de parar.
Isso não pode estar acontecendo.
Ela não pode ter sumido assim.
O mundo ao meu redor se estreita, os sons se tornam abafados, e a única coisa que existe é esse vazio sufocante onde deveria estar a voz dela.
Se Kira se foi…
Não. Recuso-me a acreditar nisso.
Eu vou encontrá-la. Nem que tenha que revirar esses escombros com as próprias mãos.
Continuo sondando a área, os olhos varrendo cada pedaço de escombro, os ouvidos atentos ao menor ruído—um estalo, um sussurro, qualquer coisa que indique que Kira está viva lá embaixo. Talvez batidas em canos, como nos filmes sobre resgates em desmoronamentos, mas não há nada. O silêncio é absoluto. Um silêncio sepulcral, sufocante, que aperta meu peito como um punho de ferro.
O tempo se desfaz em fragmentos. Horas se passam—quatro, talvez mais—e meu desespero cresce a cada segundo. Eu não sei onde exatamente ela estava no momento da explosão. Ela avisou sobre o artefato nuclear, mas nunca disse onde ele estava instalado. E agora, um pensamento ainda pior se infiltra na minha mente como veneno: E se a explosão causou um vazamento de material radioativo?
Meu estômago se revira. Se isso aconteceu, Kira pode estar contaminada, envenenada, e eu nem ao menos sei onde procurá-la.
Então, vejo um soldado correndo na minha direção, os olhos arregalados, quase tropeçando nos próprios pés. Antes mesmo de ele falar, já sei que algo aconteceu. Meu corpo inteiro se tensiona, a respiração travada na garganta.
— Ela está no rádio! — ele solta, ofegante.
O mundo para.
Por um segundo, meu coração falha uma batida. A mente se recusa a processar a informação. Mas então, a ficha cai como um raio.
Kira.
Minha Kira.
Aquele pedaço de mau caminho, aquela mulher impossível… está me chamando.
Poderia estar chamando Killey. Poderia estar pedindo ajuda para qualquer um. Mas não. Ela me procurou.
Meus pés já se movem antes que eu perceba. Meu peito explode em algo que não sei se é alívio, adrenalina ou pura necessidade. Tudo o que sei é que eu preciso ouvi-la.
Preciso ter a certeza que ela está viva.
Assim que chego à tenda, pego o rádio e chamo:
— Kira? Jair falando.
Uma leve estática soa antes de eu ouvir a voz mais sensual do mundo respondendo:
— Jair, estou saindo de um túnel subterrâneo. Consegui escapar do Castelo. Pode me encontrar no píer mais próximo?
Ela me passa as coordenadas, e eu rapidamente as localizo no mapa. Meu coração acelera. Ela poderia ter chamado qualquer um, mas escolheu me encontrar. Sem perder tempo, corro até o local.
Ao chegar, meu peito se aperta de emoção ao vê-la — mas então percebo que ela está quase nua. Meu corpo reage antes mesmo que eu possa controlar. Um calor primitivo sobe pela minha espinha, e meu mëmbro desperta sem que eu queira. Tento afastar esses pensamentos, forçando minha mente a focar no que ela passou, nos perigos que enfrentou, mas é impossível ignorar o quanto ela está fodidamente linda.
Meu olhar percorre seu corpo, buscando sinais de ferimentos, mas também capturando cada curva, os sëios, as coxas, cada detalhe exposto que me desarma completamente. Estou estático, parecendo um idïota, perdido nela, até que meu corpo age por conta própria. Corro até ela e a envolvo em um abraço forte, faminto, tomado pelo desejo e pela necessidade de sentir que ela está viva.
Quando percebo que meu päu está pulsando e que ela está encostada nele, me afasto rapidamente, sem graça. Um silêncio constrangedor se instala entre nós, denso, quase palpável. Tento recuperar a compostura, encontrar algo para dizer, até que finalmente consigo achar minha voz:
— Como diabos você escapou? E ainda por cima conseguiu uma lancha?
Ela começa a descrever em detalhes tudo o que fez, e eu a ouço com total atenção. Cada palavra dela me fascina, cada gesto me prende ainda mais. Tudo nela me desperta uma mistura de paixão e admiração que não sei explicar direito.
Então, de repente, ela pergunta sobre o Dentuço.
Minha mente trava por um instante. Ela não pergunta sobre Killey, não menciona mais ninguém. Seu foco é direto, preciso. Tudo o que importa para ela é o alvo.
Essa mulher é mesmo implacável.