Ponto de vista de Kira
Montei toda a estrutura do projeto para dar vida à K'Corp. A ideia saiu do papel com uma rapidez surpreendente, como se algo maior me impulsionasse a torná-la real. Agora, com tudo pronto no papel, eu precisava de um espaço físico. Encontrei o lugar ideal: uma loja com sobreloja e subsolo, discretamente posicionada, com entradas independentes e o tipo de privacidade que um grupo como o nosso precisa. Assinei os contratos, acertei os detalhes do mobiliário, dos pontos de energia e segurança. Passei duas semanas inteiras mergulhada nisso, e o mais curioso é que… eu me diverti. Quem diria que burocracia e planejamento me dariam essa sensação de realização?
Mas o que mais ocupou minha mente nessas semanas… foi Alessandro.
Ele não precisa me tocar. O olhar dele já é suficiente para bagunçar algo dentro de mim. A forma como me observa, como fala meu nome, como abaixa o tom de voz quando está perto demais. Às vezes parece que ele enxerga mais do que deveria. Que me conhece além da superfície. Isso me inquieta. Porque, no fundo, sinto que ele realmente me conhece. Mesmo que eu não saiba como.
E o pior — ou o melhor — é que eu também conheço ele. Conheço no cheiro, na postura, no modo como ele pronuncia palavras específicas. Como se um pedaço de mim fosse moldado para ele. Como se minha existência só fizesse sentido ao lado dele.
Não sei quando começou. Não sei de onde vem. Mas sei que amo Alessandro.
É um amor silencioso, entranhado, escondido entre camadas de aço e disciplina. Não é frágil, não é passional. É algo antigo. Como uma jura que não lembro de ter feito, mas que vive cravada na minha alma. Às vezes penso que nasci para protegê-lo. Para servi-lo. Não por obrigação. Mas porque é isso que sou. Quando ele está perto, sou inteira. Quando se afasta, sinto um vazio que não posso explicar.
Ele me levou para jantar no Kaiju Sushi Bar. Aurora estava presente. Sempre que pode ela tenta se aproximar. E precisávamos falar sobre a viagem para Brasília. Ela fala muito sobre sua irmã, Amanda. Sempre com saudade, sempre com dor. Me observa com intensidade, como se esperasse que eu dissesse algo, lembrasse de algo. Mas não lembro. Não conheço Amanda. E, ainda assim, há momentos em que as palavras dela me tocam como se fossem dirigidas a mim. Nem entendo porque.
Estou cercada de peças de um passado que não entendo. E mesmo assim, cada passo que dou, cada decisão que tomo, me empurra mais para esse homem. Alessandro.
Quando ele me olha, tudo silencia.
Quando ele me chama, tudo dentro de mim responde.
Como se estivesse esperando por ele desde sempre.
Durante esse tempo, ouvi dizer que o Killey falhou em mais uma missão. A diferença é que, dessa vez, não precisava que eu fizesse algo para corrigir o estrago. Fico me perguntando qual é, afinal, o problema dele. O relatório que me mostraram dizia que ele tentou invadir sem ser notado. Alegou que aprendeu que nem tudo se resolve com força bruta, que era hora de pensar mais, agir com cautela.
Talvez esse seja o real problema dele.
Killey ainda não entendeu que a diferença entre inteligência e hesitação é o timing. Tem momentos em que a única solução é meter o pé na porta e resolver tudo na bala — ou na lâmina. E ele ainda não sabe quando é hora de usar o cérebro, e quando é hora de deixar o sangue ferver.
Quem me contou foi Xiaomei rindo muito da situação.
Nessas duas semanas, nós nos aproximamos. É uma mulher astuta, fria na superfície, mas cheia de nuances por trás daquele verniz corporativo impecável. Ela tem me ensinado coisas valiosas — não só sobre política de bastidores ou manipulação de influências, mas também sobre controle, presença, domínio.
E algo mais. Danças...
Eu noto como ela reage à minha presença. É sutil, mas constante. Os olhos me acompanham por mais tempo que o necessário. O tom de voz muda, a respiração altera, e o cheiro da sua excitação é quase palpável.
Xiaomei tenta esconder, mas seu corpo a trai. E, por algum motivo, ela não se incomoda que eu perceba.
É interessante.
Muito interessante.
Na verdade, estou cercada por pessoas interessantes. Cada dia tem sido um aprendizado — novas emoções, novas aventuras. Tenho experimentado restaurantes diferentes, explorado sabores inusitados. Estou cuidando das finanças, embora eu não entenda muito sobre isso... Mas Alessandro me liga todos os dias. Sempre quer saber como estou. Nossas conversas duram o suficiente para eu perceber que ele realmente se importa.
Douglas está viajando. Fiquei sabendo que foi para o Japão. A Suijin Corporation descobriu algumas coisas e marcou um encontro com ele para propor um possível acordo.
Hoje é a véspera da viagem, e Alessandro pediu para nos encontrarmos no Shopping Central de Manaus. Eu aceitei. Lá, ele me recebeu com sua habitual educação impecável — sempre polido, até demais pro meu gosto. Mas tudo bem.
Ele quer comprar roupas, acessórios e sapatos para mim. Disse que vai me levar a alguns eventos, e que eu não posso estar sempre com o visual de uma Onna-bugeisha¹. Segundo ele, em certos círculos, aparências ainda importam muito. Não discordei. Apenas o segui.
Entramos em uma das lojas mais sofisticadas do shopping. As atendentes se apressaram em nos receber, e Alessandro foi direto ao ponto:
— Quero ver vestidos de gala, trajes formais e casuais de alta costura. Tudo do bom e do melhor, para ela — disse, apontando para mim com aquele olhar que sempre me atravessa.
A vendedora sorriu sem esconder o deslumbre.
— Claro, com esse corpo, qualquer coisa vai parecer feita sob medida — ela disse, os olhos percorrendo minhas formas.
Alessandro se aproximou um pouco mais, baixando o tom de voz, mas mantendo o olhar fixo em mim.
— Kira, seu corpo é uma obra-prima. Forte, elegante, absolutamente letal e ainda assim, incrivelmente feminino. Não é só sobre vestir você, é sobre realçar o que já é perfeito.
Desviei o olhar, desconfortável e ao mesmo tempo estranhamente cativa. Aquilo mexia comigo de um jeito que eu m*l compreendia. Era como se minha alma ansiasse por esse tipo de devoção. Meus instintos me mandavam manter o foco, não me perder nos elogios, mas meu corpo reagia. A respiração oscilava, e um leve calor me subia pela pele.
— Você exagera — murmurei, quase inaudível.
— Nem um pouco — ele respondeu. — Você tem presença, Kira. Não é só beleza, é força, postura é algo selvagem e irresistível.
Um vestido preto colado, de fënda lateral e costas abertas, foi trazido até mim. A vendedora me guiou até o provador. Quando saí, senti o silêncio de Alessandro como um impacto. Ele me olhou como se o ar tivesse sumido por um instante.
— Se você aparecer comigo assim, vai ser o centro das atenções — ele disse, baixo, quase rouco. — E, sinceramente? Eu vou adorar cada instante.
Senti um arrepio. Era mais do que vaidade. Era a forma como ele me via. Como se eu fosse algo raro, precioso, único e importante para ele.
— Não estou acostumada com isso — falei, cruzando os braços.
— Vai ter que se acostumar — respondeu ele. — Porque enquanto eu estiver ao seu lado, vou mostrar ao mundo inteiro quem você é. E vou me orgulhar disso. Se você me permitir é claro.
Fiquei em silêncio por alguns segundos. Havia verdade em suas palavras. E algo mais.
Saímos do shopping com algumas sacolas, todas imediatamente recolhidas por um dos seguranças particulares de Alessandro — sempre discretos, bem treinados, com aquele olhar que escaneia o ambiente inteiro antes de cada passo. Ele dispensou o homem com um aceno, e seguimos juntos até o estacionamento reservado.
O veículo de impulso vetorial nos esperava. Aerodinâmico, silencioso, com linhas agressivas e tecnologia de ponta. O tipo de transporte que não apenas grita poder, ele o impõe. Entramos. O interior era minimalista, escuro e elegante. O sistema de navegação se ativou com o reconhecimento biométrico de Alessandro, e logo estávamos flutuando pelas vias suspensas da cidade.
Ele não falava muito. Apenas me olhava às vezes, em silêncio.
Chegamos à sede da K’Corp, uma fachada comercial comum, discreta, quase invisível, mas com sobreloja e subsolo convertidos em uma base funcional de operações. Desativei os protocolos de segurança com o toque da palma e entrei. Alessandro veio logo atrás de mim, os olhos atentos escaneando o ambiente como um estrategista.
— Impressionante. Ele comentou, observando os equipamentos, os detalhes, o layout pensado para fluidez e sigilo. — Você realmente pensou em tudo.
— Eu tive que pensar. Não posso falhar. Essa base é o começo de algo maior. Algo grande que farei.
Ele se aproximou. Parou quando ficou a apenas um passo de distância. A luz fria dos monitores refletia no rosto dele, mas os olhos permaneciam fixos nos meus, intensos, diretos.
— Kira eu não quero só ver tudo isso de fora. Eu quero fazer parte. Não só da K’Corp. De tudo. Da sua vida.
Minha respiração travou por um instante. Ele não pedia. Ele afirmava. Como se já soubesse que fazia parte, e só aguardasse que eu reconhecesse isso.
— Eu vejo tudo o que você é, e ainda assim, ou talvez por isso mesmo, eu te desejo.
Minha mente se embaralhou. Eu era feita de aço e silêncio. Forjada para o corte, para o conflito. Mas meu corpo, esse que só conheceu dor e guerra, estava vibrando com o olhar dele, com sua presença. Eu não sabia como lidar com aquilo.
— Eu sou uma arma, Alessandro. Não sei amar como você espera. Não posso me distrair — disse, num fio de voz.
— Então me deixa ser a exceção. A única distração que não enfraquece. A única que te dá força — ele sussurrou, tocando meu rosto com reverência. — Me deixa entrar.
Eu fechei os olhos por um instante. Não havia mais fuga. Minhas mãos procuraram as dele por instinto. E no silêncio daquela sala, entre protocolos de missão e planos secretos, eu me vi vulnerável.
E a única coisa que me vinha à mente... era o nome dele.
Alessandro.