- KIRA: CONQUISTANDO

1790 Words
Ponto de vista de Kira Acho que preciso buscar entender melhor os relacionamentos. Compreender como as pessoas funcionam, como me aproximar delas, entrar em suas mentes sem ser literal, sem que elas precisem me dizer o que querem. Quero aprender a decifrar desejos nas entrelinhas, ler os silêncios, entender olhares. Meu plano é simples, mas ambicioso: reunir pessoas boas e importantes ao meu redor. Sei que não posso enfrentar tudo sozinha. Já aceitei que preciso de aliados. Estou absorta nesses pensamentos quando paro no semáforo. Um carro pára ao meu lado, e logo percebo o clima de provocação. Sinto os olhares. Um dos homens abaixa o vidro e grita, a voz carregada de escárnio: — Vädia, vou te fazer comer poeira... e depois, vou comer tua büceta, o que acha? Ele ri como se já tivesse me vencido. A raiva se mistura com algo mais gelado e preciso dentro de mim. Viro o rosto devagar, encaro ele com frieza e respondo, com a voz cortante: — Eu aceito. Me ajusto sobre a moto, como um predador prestes a atacar. Ele acelera, me guiando ate a arena do desafio. Não me incomodo. Sigo o carro até os limites de Manaus. Chegamos a um circuito clandestino de corrida. O lugar está meio depredado, mas a pista parece previamente preparada, tem rampas, cones e o circuito é enorme, tem sinalização indicando onde realmente ira rolar a corrida. Ele percebe meu olhar e começa a falar, tentando impressionar: — Aqui rolam corridas malucas. Talvez você, novinha, não conheça. Mas é simples. Vários participantes, só sobra um. A corrida só termina quando todos os outros caem. É quinze mil o caução. Tenho milhões na conta, mas penso rapidamente: como vou arrumar quinze mil em espécie aqui, agora? Estou pronta para correr, não para buscar banco. — Eu pago a caução dela. A voz surge atrás de mim, firme e inesperada. Me viro, surpresa. Xiaomei. Ela não exala seus perfumes caros e exóticos hoje. O cheiro é discreto, quase apagado diante da fumaça dos motores queimando. Nem notei sua presença até ouvir sua voz. — Xiaomei. E por que você pagaria algo pra mim? — digo, desconfiada. — Apesar de que imagino que vá querer com juros. Antes que ela fale qualquer coisa, continuo: — Eu só quero correr. Se eu vencer, te devolvo os quinze mil e a premiação inteira. Dinheiro não me interessa. Ela me analisa por um segundo, como se estivesse me lendo. Então assente: — Combinado. Ela concorda sem hesitar. Ela sabe reconhecer uma aposta valiosa. Fico em silêncio por um momento. Talvez isso seja uma oportunidade. Meus pensamentos estão embaralhados, como um redemoinho que não se acalma. Ela está me vigiando? Me seguindo? Ou foi apenas uma coincidência? Mas... eu não acredito em coincidências. Observo Xiaomei de relance. Ela está ali, impecável como sempre, mas com uma expressão despreocupada, quase entediada. E é aí que tudo se encaixa. Claro que ela conhece este lugar. Provavelmente frequenta com certa regularidade. Talvez até patrocine essas corridas clandestinas... talvez ela seja muito mais influente aqui do que eu imaginava. E então percebo — basta pensar no dïabo, ou pronunciar seu nome, que ele aparece. Xiaomei se aproxima com a calma de quem sabe exatamente o que está fazendo. Sem pressa, sem hesitação, saca um cartão preto fosco com dígitos em neon verde que brilham sob a fumaça espessa do lugar. É uma tecnologia que nunca vi antes. Um dos organizadores, suado, vestindo um colete rasgado e luvas de couro, se aproxima. Ele segura uma máquina de leitura e passa o cartão. O visor pisca em vermelho, depois verde. Transação aprovada. Ele murmura algo, e Xiaomei recebe um pequeno cartão com um número. Ela o observa por um instante, franze levemente o cenho — como se não estivesse satisfeita — e se inclina para cochichar algo no ouvido do homem. O sujeito parece desconcertado, engole seco e corre até outro mëmbro da organização. Alguns segundos depois, retorna com um novo cartão. Xiaomei sorri, satisfeita, e sem cerimônia pressiona o cartão nas minhas costas, colando-o com firmeza. — Pronto, agora você é a número 5. — diz, com um ar de quem acabou de selar um contrato silencioso. Eu nem olho o número anterior, nem o novo. Não sou supersticiosa. Mas a forma como ela fez tudo... a frieza nos olhos, a maneira como dominou a situação em segundos, como se o mundo estivesse à disposição dela... — Você realmente gosta de controlar tudo, não é? — murmuro, olhando de canto. Xiaomei apenas sorri, como se minha pergunta fosse uma afirmação óbvia. — Eu gosto de investir em apostas que valem a pena — responde, os olhos brilhando com um interesse que não sei se é predador... ou cúmplice. E agora, não há mais volta. Estou na pista. E todos os olhos já estão em mim. O rugido dos motores estremece o chão sob minhas botas. O cheiro de óleo queimado e borracha derretida me invade as narinas como um lembrete: esse lugar fede a morte. Luzes improvisadas e tochas precárias tremeluzem em volta da pista. É tudo caótico, sujo, perigoso. Perfeito. Sou a número 05. Montei na moto como quem se funde a uma arma — porque é isso que ela é agora. Uma extensão de mim. Coloco o capacete. A viseira escurece meu rosto, mas meus olhos estão vivos. Analisando. Esperando. O tiro ecoa. A escopeta rasga o silêncio e todos disparam feito cães famintos. Nove ao meu redor. Nenhum vai cruzar aquela linha. Um idïota já tenta me fechar. Eu sorrio sob o capacete. Giro o guidão, me jogo no flanco esquerdo e passo por um corredor estreito entre destroços. Já deixo dois para trás. A pista muda de terreno. Chão rachado, raízes expostas, uma ponte pendurada por arames enferrujados. Um dos idiotas perde o controle e explode, e ainda o outro não reagindo a tempo, tromba com a moto em chamas e voa longe. Acelero com precisão. Em vez de arriscar a ponte, uso uma pilha de entulho como rampa. Salto. O ar corta o tempo. Aterrisso com força. Firme. Meus olhos filtram tudo em alta velocidade. Cada curva, cada armadilha. Prego. Fumaça. Ganchos. Choques. Eles jogam sujo. Mas eu sou pior. Um tenta me acertar com um bastão. Giro o corpo, quase deito na moto, e escapo por centímetros. Puxo o freio, uso o torque pra levantar a frente, pulo sobre ele e acerto um chute seco na mandíbula. Ele cai. Não olho pra trás. Cinco. Três. Vão sendo abatidos, uns contra os outros. Dois, até que sobra apenas eu e outro corredor. Último trecho. A pista desce em espiral. Ruínas por todos os lados, sem margem de erro. Meu último oponente pilota um monstro blindado — uma moto tanque. Ele quer me empurrar pra fora. Que idïota. Recuo. Só um pouco. Finjo hesitar. Ele compra a mentira. É aí que avanço. Inclino no limite. Deslizo pela lateral dele, quase raspando o chão com o joelho. A monokatana já está na mão antes mesmo de pensar. Um golpe. Rápido, limpo, preciso. Corto o eixo da roda traseira. Ele perde o controle. Vejo os olhos dele arregalarem quando a moto treme e derrapa. Faíscas. Gritos. Metal contra pedra. Ele voa para fora da pista. Silêncio. Depois, aplausos distantes. Cruzo a linha. Sinto o sangue pulsando nos ouvidos, o coração firme, calmo. O mundo a observa em silêncio por um instante, como se soubesse: ali, naquele momento, nasceu uma lenda. Do alto da estrutura enferrujada, eu a vejo. Xiaomei. Ela me observa com um olhar que não sei decifrar. Curiosidade? Desejo? Admiração? Talvez tudo isso. A poeira m*l assentou quando desligo o motor da moto. O ronco ainda ecoa nos meus ouvidos, mas tudo dentro de mim está em silêncio — aquele tipo de silêncio que vem depois da violência bem executada. Desço da moto com a monokatana pendendo na cintura, ainda presa na bainha. O suor escorre pela minha nuca, mas minha expressão permanece inalterada. Ela está ali. Recostada como se estivesse num camarote particular no meio do caos, envolta em couro nëgro. O sobretudo aberto revela o corpo escultural, o top justo e a calcinha de renda preta visíveis sob a iluminação vermelha das tochas e holofotes estalando no fundo. A imagem dela ali é quase irreal… uma mistura de poder e desejo. Ela sabe disso. Seus olhos me percorrem devagar, como se cada parte do meu corpo fosse uma pista que ela quer dominar. O sorriso que curva seus lábios é lento… e perigoso. — A forma como você pilota... — ela começa, com a voz baixa e melódica, quase um sussurro arrastado — é como se quisesse provocar a morte… e depois rir na cara dela. Me aproximo com calma, deixando que minha presença se imponha. Paro a poucos passos, e posso ver o brilho no olhar dela. Não é admiração. É outra coisa. Mais quente. Mais íntima. — A morte sabe que eu não corro dela — respondo. — Eu corro com ela… e às vezes deixo que ela me siga só pra ver se aguenta o ritmo. Ela solta um riso abafado, o olhar fixo no meu. Ajeita o sobretudo, mas não para se cobrir — só para deixar o tecido escorrer melhor pela curva da cintura. Sabe o efeito que causa. Está jogando. E eu percebo. — Sabe o que eu gosto em você, Kira? — ela pergunta, dando um passo lento. — É que, diferente de todos os outros aqui... você não tenta impressionar. Você ameaça. Com o corpo, com a moto... com o olhar. — Eu não vim pra impressionar ninguém. Vim pra vencer. — Respondo firme, mas meus olhos descem, só por um instante, pela pele exposta dela. — E venceu. — Ela morde o lábio inferior, devagar. — Mas sabe o que me deixa... com mais calor do que a vitória? Ela se aproxima o bastante pra que o sobretudo encoste levemente em minha coxa, e seu rosto se incline perto do meu ouvido. — A maneira como você segura essa katana na cintura. Como se fosse extensão da sua vontade... e eu fico imaginando o que mais você domina com essa precisão. Ela recua um passo, lentamente, os olhos ainda fixos nos meus. O jogo não é inocente. É calculado, feroz. Quase predatório. Mas não me intimida. — Talvez um dia você descubra — digo em tom grave, encarando-a. — Se sobreviver a mim. Ela sorri com os olhos, morde o canto da boca de novo... e se vira. O sobretudo balança com o vento quente da noite, revelando a curva dos quadris — Vamos comemorar os cem mil que ganhei com você hoje. Ela sorri enquanto sobe em minha garupa.
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